Trump quer discutir com Putin territórios e a central nuclear de Zaporíjia
Na véspera da conversa telefónica a realizar-se hoje entre Donald Trump e Vladimir Putin, os Estados Unidos anunciaram que iriam retirar-se do Centro Internacional de Ação Penal pelo Crime de Agressão contra a Ucrânia (ICPA), um organismo criado em 2023 com sede em Haia. Mais um gesto de rutura com os aliados europeus e com a Ucrânia e de aproximação à Rússia. O presidente norte-americano, que reitera total confiança no líder russo, mostrava-se otimista quanto à hipótese de se alcançar uma trégua e a consequente paz, ao anunciar, no domingo à noite, a conversa com Putin. Mas não faltam advertências sobre a natureza do regime russo. Trump assegurou que o diálogo iria assentar nos territórios a ceder e na central nuclear de Zaporíjia, mas o porta-voz da presidência russa não confirmou o teor do que vai ser discutido.
“Falaremos de territórios. Falaremos de centrais elétricas. Penso que muito disto já foi discutido por ambas as partes, Ucrânia e Rússia. Já estamos a falar sobre isso, sobre a divisão de certos recursos”, disse Trump aos jornalistas quando regressava à Casa Branca, a bordo do avião presidencial, oriundo da sua casa na Florida. O norte-americano não especificou de que territórios vai falar, nem que central. Horas depois, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse que se trata de “uma central elétrica na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia que estava nas negociações com a Ucrânia” - declarações que dão como russas as terras ocupadas da região de Zaporíjia, na margem esquerda do rio Dniepre.
A central nuclear de Zaporíjia, a maior da Europa, situada em Enerhodar, produzia quase 30% da eletricidade ucraniana antes da guerra, sendo por isso um ativo estratégico ucraniano. Foi ocupada pelas forças russas no início da invasão. Em setembro de 2022 entrou na central, cujos seis reatores estão desligados desde então, uma equipa de peritos da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA). No início do mês deu-se uma rotação de pessoal da AIEA através do território ocupado pela Rússia, o que motivou um protesto de Kiev. O enviado especial Steve Witkoff, em entrevista à CBS, disse que “é preciso resolver este problema”, ao referir-se a uma central nuclear que “fornece muita eletricidade à Ucrânia”. Além disso, mencionou o acesso aos portos, dando como possível um “acordo no Mar Negro”. A Ucrânia, sem Marinha funcional desde o início da invasão, conseguiu destruir uma parte significativa da frota russa naquela região, tendo a remanescente sido obrigada a zarpar de vez da Crimeia. Mas os navios cargueiros que se abastecem de cereais nos portos ucranianos têm sido alvo de ataques russos.
Nada mais se sabe sobre as modalidades das concessões a discutir entre Putin e Trump, mas o presidente da comissão de negócios estrangeiros do parlamento ucraniano, Oleksandr Merezhko, lembrou à BBC que o país não admitirá concessões territoriais, limites às capacidades de defesa nem proibição de adesão a organizações internacionais. O ex-embaixador dos EUA em Moscovo Michael McFaul criticou a tática usada pelo seu país, de pressão máxima à Ucrânia e nenhuma à Rússia. “Com estes indivíduos não funciona assim. Ficam com as nossas concessões e querem mais.” A chefe da diplomacia europeia, Kaja Kallas, no final de uma reunião para discutir a iniciativa de dar à Ucrânia 40 mil milhões de euros em defesa neste ano, lembrou que “a Rússia não quer paz” e que o que se entendeu à volta da mesa é que “não se pode confiar na Rússia”.
Reformas no exército
O presidente ucraniano reuniu-se com o ministro da Defesa Rustem Umerov e com o chefe do Estado-Maior Andrii Hnatov, nomeado na véspera para o cargo. Zelensky instruiu Hnatov para acelerar a formação de um sistema de corpos nas forças de Defesa da Ucrânia e para realizar uma auditoria das necessidades atuais das brigadas de combate. “As nossas brigadas devem estar totalmente equipadas para garantir a resistência das nossas posições, tanto no campo de batalha como nos esforços diplomáticos”, disse. Ao ministro Umerov deu ordens para este criar uma equipa para se coordenar com os parceiros internacionais sobre a “arquitetura de segurança da Ucrânia”, equipa que deverá fazer parte de uma reunião já esta semana, em Londres, com representantes militares. Downing Street confirmou que mais de 30 países fazem parte da “coligação de voluntários” para ajudar a Ucrânia no pós-guerra, seja com tropas no terreno, seja com apoio logístico ou financeiro.
Com a promoção de Hnatov, o anterior chefe do Estado-Maior, Anatolii Barhylevych, é destacado para inspetor-chefe do Ministério da Defesa , tendo como missão supervisionar as reformas militares em curso. No início de fevereiro, o comandante das Forças Armadas Oleksandr Syrskyi anunciou o início das reformas organizacionais, com a transição de uma estrutura baseada em brigadas para corpos. Segundo o site Militarnyi, a Ucrânia herdou da União Soviética seis exércitos e um corpo do exército, os quais foram transformados na década de 1990 em sete corpos do exército. As reformas subsequentes acabaram com esta unidade militar, que é composta por norma por duas ou mais divisões. Após a invasão russa, as chefias ucranianas voltaram a criar corpos (9.º, 10.º e 11.º) e está em curso a formação de mais um.
Esta mudança dá-se a meio de uma renovada postura de ataque russa em várias frentes, de Kursk a Kherson, passando por Zaporíjia, Donetsk e Kharkiv. Kiev desmentiu os avanços alegados horas antes por Moscovo na região de Zaporíjia. “Fazem parte da guerra de informação, que procura estimular o seu espírito de luta”, disse Vladyslav Voloshyn, porta-voz do comando sul da Ucrânia. Pelo seu lado, Kiev disse que na frente de Donetsk, onde o exército russo procura tomar Pokrovsk, o invasor “perdeu mais tanques do que o exército alemão tem em serviço, cerca de 300” só nos primeiros dois meses do ano. A afirmação é do porta-voz militar Viktor Trehoubov. “A situação melhorou para nós e piorou para os russos”, avaliou.
Alinhamento em curso
Conversa entre líderes
No dia 12 de fevereiro, Trump e Putin conversam durante hora e meia, pondo fim ao isolamento da Rússia pelo Ocidente. Concordam em entabular negociações entre os dois países para pôr fim à guerra. No mesmo dia, o secretário da Defesa dos EUA exclui a Ucrânia na NATO e diz que é irrealista o país voltar às fronteiras anteriores a 2014.
Reunião na Arábia
Delegações dos EUA e da Rússia reúnem-se em Riade para restabelecerem as relações e trabalharem para o fim da guerra, no dia 18 de fevereiro. Líderes ocidentais dizem que Kiev e Europa não podem ficar de fora. Em resposta, Trump alega que Zelensky foi quem iniciou a guerra e chama-o de “ditador”.
Voto ao lado da Rússia
No dia do 3.º aniversário da invasão russa, 24 de fevereiro, os EUA votam na Assembleia Geral da ONU contra uma resolução europeia a condenar a Rússia e a reafirmar a soberania ucraniana, colocando-se ao lado de Moscovo.
Zelensky destratado
Fica para a história a receção ao presidente da Ucrânia pelo homólogo norte-americano e o seu vice, JD Vance, no final de fevereiro. Zelensky foi submetido a um puxão de orelhas em direto, e o acordo dos minerais críticos ficou por assinar.
Apoio a Kiev suspenso
No encontro da Casa Branca, Zelensky disse que a paz estava “muito, muito longe”. Nos primeiros dias do mês, Washington suspende o envio de armas e deixa de partilhar informações militares para pressionar Kiev a alinhar com os planos dos EUA de alcançar o fim das hostilidades.
Proposta de trégua
Reunidos em Jidá, na Arábia Saudita, na semana passada, ucranianos e norte-americanos concordam numa trégua total de 30 dias, a apresentar aos russos.
Exilados russos em Madrid no limbo
Um grupo de 65 opositores russos está há sete meses em Espanha depois de terem sido acolhidos graças aos esforços diplomáticos, porém mantêm-se numa situação irregular, denunciaram ao El País. Segundo o coordenador deste grupo, Egor Kuroptev, no verão de 2023, em resultado de conversações entre diplomatas espanhóis e membros da Free Russia Foundation, Madrid teria comprometido em conceder vistos de residência num processo expedito a 206 russos. Mas Kuroptev diz que os 65 ativistas continuam com a situação por regularizar, com todas as limitações que isso implica, e chama a atenção para os que ficaram na Geórgia: “Enfrentam riscos de segurança iminentes: vários foram detidos ilegalmente ou deportados sob ameaça de extradição para a Rússia”, disse ao jornal espanhol.