Com os republicanos em maioria em ambas as câmaras do Congresso, Donald Trump já deixou claro que mal chegue à Casa Branca, a 20 de janeiro, tenciona avançar a toda a velocidade com a sua agenda. A sua equipa antecipa “uma enxurrada de ordens executivas” - diretivas do presidente dos EUA - a sair da Sala Oval logo na primeira semana. E as prioridades estão bem definidas: dar início ao programa de deportações em massa dos 11 milhões de imigrantes ilegais; perdoar os condenados pelo assalto ao Capitólio em 2021; pôr fim à guerra na Ucrânia; e acabar com a inflação e impor tarifas aos bens importados, sobretudo os vindos da China, mas também do México e do Canadá. .Para Philip J. Crowley, a situação é simples: “A maioria dos americanos não está satisfeita com o status quo. Embora a Administração Biden tenha feito um trabalho credível para evitar uma recessão, demasiados americanos continuam a ver os preços elevados nas coisas de que dependem no seu quotidiano.” O antigo porta-voz do Departamento de Estado, durante a Administração Obama, diz ao DN que “a situação faz-me lembrar 1992. O presidente George H.W. Bush foi castigado por promessas económicas não cumpridas - leia-se, nada de novos impostos - mas as decisões que tomou ajudaram o seu sucessor a garantir a recuperação económica. O mandato de Trump é fazer avançar a economia dos EUA. A questão é saber se as suas políticas irão promover ou atrasar a recuperação.”.Secretário de Estado adjunto para os Assuntos Públicos entre 2009 e 2011, Crowley admite que “a dinâmica entre Trump e o Congresso será fascinante de observar.” E vai começar logo com o processo de confirmação dos membros da sua Administração. “Uma minoria pequena, mas vocal, de membros da Câmara acolherá com agrado a redução do alcance do governo e a redução do orçamento, mas os compromissos que Trump já assumiu publicamente - poucas alterações à Segurança Social e ao Medicare e um aumento das despesas com a Defesa - tornarão difícil conseguir mudanças significativas”, explica Crowley. .Diana Soller recorda que “qualquer presidente dos EUA tenta fazer aprovar as suas decisões mais controversas quando tem a Câmara e o Senado a seu favor. Mas como ilustra o primeiro mandato de Trump, nem sempre consegue.” A investigadora do IPRI/NOVA admite que esse é um dos motivos pelos quais “a imigração ilegal é um dos seus objetivos mais prementes”. Crowley também acredita que “Trump vai fazer uma demonstração inicial de deportações simbólicas, mas espero que os tribunais intervenham se ele tentar usar os militares para o fazer”. .Já quanto a perdoar os responsáveis pelo 6 de Janeiro, o ex-porta-voz do Departamento de Estado lembra que o presidente tem o poder para o fazer, mas que se tal pode ser “popular entre a sua base MAGA [Make America Great Again], não será bem aceite pela maioria dos americanos para quem as imagens no Capitólio permanecem ainda bem vivas.”Ao assumir a presidência num mundo bem mais complicado do que era quando ele a deixou, em 2021, Trump terá também grandes desafios em termos de política externa. “Parece-me que vai haver um esforço grande para a mediação de paz na Guerra Russo-Ucraniana e uma tentativa de gerir as diversas crises no Médio Oriente, com forte aposta em cessar-fogos, na ‘pressão máxima’ relativamente ao Irão, no retomar das negociações dos Acordos de Abraão e a tentativa de minimizar os riscos de uma ressurgência de grupos terroristas na Síria”, resume Diana Soller..Sobre a Ucrânia, Crowley recorda que “há muito é claro que para se conseguir um cessar-fogo, haverá forças russas a controlar algum território ucraniano. O que não está claro é o que acontecerá depois. Se for pedido a Zelenskyy que termine a guerra sem libertar o território ucraniano, que tipo de garantias de segurança receberá em troca?” Mas uma coisa parece certa “seja qual for o acordo temporário a que se chegue, Trump chamar-lhe-á o negócio do século e seguirá em frente”, explica. .Quanto à China, Crowley acredita que “as duas principais questões são as tarifas e Taiwan.”. Mais, para um presidente que “vê sempre a bolsa como o seu principal indicador económico”, uma “guerra comercial com a China irá certamente agitar os mercados, pelo que haverá tensão entre o que disse na campanha e a forma como as tarifas podem ter um impacto negativo na inflação.” Em relação a Taiwan, Trump estará menos empenhado do que Biden na defesa da ilha que Pequim vê como província rebelde e isso “coloca-o em desacordo com alguns dos seus conselheiros, incluindo [o vice] JD Vance e [o secretário de Estado] Marco Rubio, que são falcões no que diz respeito à China.”.Devemos então esperar um segundo mandato de Trump mais radical do que o primeiro? “Não devemos esperar um mandato ‘sem excessos’, especialmente retóricos, e não devemos esperar políticas menos duras do que as anunciadas no manifesto de campanha”, reflete Diana Soller. E acrescenta: “sabemos que o Partido Republicano de hoje é mais radical e mais populista, mas se o primeiro mandato serve de exemplo, também sabemos duas coisas: que as instituições impediram as medidas mais controversas de avançarem, e Trump não foi além daquilo que anunciou previamente.”