Tragédias ambientais no Brasil vão tornar-se mais frequentes
O país tropical bonito por natureza que Jorge Ben Jor cantava já não é tão abençoado por Deus como supunha: a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul, que contabiliza 149 mortos, 125 desaparecidos e quase 700 mil desalojados, sucede a outros eventos climáticos extremos e deve preceder muitos mais no Brasil, de acordo com especialistas que alertaram para esta e outras catástrofes. Às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 30, a realizar-se em Belém, no Pará, em 2025, eles suplicam por prevenção.
“Todos os lugares no Brasil que já têm histórico de enchentes veem-se agora sob risco iminente de novas cheias descomunais, sobretudo em lugares com encostas, a que acresce o risco de desabamentos”, diz Marcus Nakagawa, professor de Responsabilidade Socioambiental e Sustentabilidade da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), ao DN.
“Estes lugares atingidos estavam mapeados por cientistas, geógrafos e demais estudiosos que trabalham com a crise climática e todos eles repetiram avisos, logo, estas tragédias só reforçam a necessidade de cuidado político e empresarial no planeamento de países, estados e cidades que levem em consideração as mudanças climáticas”. continua Nakagawa, que é ainda coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental.
No ano passado, o Brasil somou 1161 desastres naturais, mais de três por dia, em média. É um recorde, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), desde que os registos começaram em 2011. São enchentes, como no Rio Grande do Sul, mas ainda incêndios florestais, ondas de calor e secas. “Os eventos extremos ou raros estão cada vez mais frequentes e mais extremos e é de esperar que isto continue”, disse à AFP José Marengo, coordenador de pesquisa do Cemaden.
Seca histórica no Pantanal
A geografia brasileira singular explica a vulnerabilidade. Abafada pelas notícias sobre a calamidade no Sul do país, tem passado despercebida a maior seca em 61 anos no Pantanal, bioma no Centro-Oeste do país, classificada como “crítica” pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, por défice chuvoso de 30%.
Segundo Márcia Seabra, a coordenadora do Instituto Nacional de Meteorologia, “há um bloqueio atmosférico na parte central do Brasil atualmente”. “Essa obstrução causa as ondas de calor nas regiões centrais e impede que a frente fria do Sul se desloque para outras regiões do país, o que explica o volume enorme de chuvas no Rio Grande do Sul e a seca na parte central, atingindo o Pantanal”, explicou, citada pelo portal G1.
Com as tragédias sucessivas - as chuvas extremas no Brasil no ano passado já haviam causado pelo menos 132 mortes, mais de nove mil feridos e cerca de 74 mil desalojados -, a discussão, alertam os cientistas, deve sair da bolha da comunidade a que pertencem e chegar, de uma vez, ao poder público.
“O Brasil teve muitas histórias de deslizamentos e de inundações”, continua Nakagawa, em conversa com o DN, “mas uma enchente deste tamanho em tantas cidades e ao mesmo tempo será um marco”. “E será um marco porque os próprios cidadãos locais começam a equacionar se vale a pena reconstruir o que foi destruído, uma vez que, se as enchentes se repetirem, o problema pode voltar”.
“Esta catástrofe, já comparada aos grandes furacões no sul dos Estados Unidos ou aos tsunamis noutros pontos do globo, tem de trazer à discussão as questões das mudanças climáticas, do aquecimento global e do descontrole na gestão ambiental versus a gestão das cidades”, afirma.
“Nós ficamos felizes ao ver a mobilização no auxílio a esta tragédia mas essa mobilização não pode existir apenas após”, adverte o professor de Responsabilidade Socioambiental e Sustentabilidade. “Deve existir também antes para evitar outras no Brasil e no mundo, precisamos de normas e regras públicas para minimizar, diminuir e acabar com o excesso de carbono, precisamos de produtos, serviços, start ups e muita pesquisa na academia”.
Um “Plano Marshall”
Eleito com a promessa de romper com a política negacionista do governo anterior, o presidente Lula da Silva, que no primeiro ano de mandato reduziu para metade o desmatamento na Amazónia, que disparara na gestão de Jair Bolsonaro, está a preparar um programa emergencial no Rio Grande do Sul comparado na imprensa a um “Plano Marshall”.
Além de já ter destinado 12,2 mil milhões de reais [cerca de 2,2 mil milhões de euros] para ações urgentes no estado, Lula nomeou Paulo Pimenta, até agora ministro da Secretaria de Comunicação, uma espécie de porta-voz do governo, para a Secretaria Extraordinária da Presidência da República de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul. Por conta de um perfil tido como conflituoso, a indicação de Pimenta foi, entretanto, criticada pela oposição.
Em paralelo, Lula reuniu num programa de governo 23 ministérios, sob o comando de Marina Silva, da pasta do Ambiente, para prevenir eventos climáticos extremos. A decisão surge a um ano da COP 30, em Belém, no Pará, evento com 140 líderes mundiais que discute os caminhos do planeta no meio ambiente na qual o Brasil, como anfitrião e guardião da Amazónia, quer, agora mais do que nunca, exercer papel político de liderança global.
Para Marcus Nakagawa, “na COP 30, os casos de enchentes serão obrigatoriamente debatidos mas não apenas eles, também os dos impactos das secas nos rios no norte do país, estas evidências tristes e catastróficas são a prova da necessidade e da importância de discussões como a COP 30 mas ainda de ações dos poderes públicos”.