Há um mês as autoridades francesas detiveram um argelino, acusado de incitar os seus 400 mil seguidores no TikTok à violência, e deportaram-no. Mas a Argélia recusou a sua entrada, reenviando-o para França. O ministro do Interior francês, Bruno Retailleau, denunciou uma “tentativa de humilhação” da parte de Argel, com os argelinos a considerarem tal linguagem “desonrosa”. Desde então, outros TikTokers e influencers nacionalistas foram detidos pela mesma acusação e a guerra diplomática acentuou-se. A relação entre França e Argélia nunca foi saudável, com a tensão a ser alimentada de um lado pelo ressentimento argelino pelos 132 anos de colonialismo e a sangrenta guerra da independência que acabou em 1962. E, do outro, pelo facto de a imigração estar no centro do debate político francês (o Reunião Nacional, de extrema-direita, é hoje o maior partido numa Assembleia Nacional altamente fragmentada) e os argelinos serem a maior diáspora em França - mais de dois milhões de imigrantes argelinos e descendentes vivem no país. Em agosto de 2022, o presidente francês, Emmanuel Macron, visitou Argel. Tinham passado poucos meses do 60.º aniversário da independência e os dois países viviam um novo período de tensão - não ajudou, Macron ter questionado a existência da Argélia enquanto país antes do período colonial, ter acusado o governo de Argel de fomentar “o ódio para com a França” ou ter aprovado uma Lei de Imigração que cortava para metade os vistos aos argelinos. A viagem durou três dias, com Macron a falar num “passado complexo e doloroso que, por vezes, nos impede de olhar para o futuro”. No final, o presidente francês e o homólogo argelino, Abdelmadjid Tebboune, acabaram por declarar “uma nova e irreversível dinâmica de progresso” nas relações, anunciando até a criação de uma Comissão de Historiadores para examinar o período colonial e a guerra da independência. França e toda a União Europeia procuravam então uma alternativa ao gás russo, cuja torneira queriam fechar após a invasão russa da Ucrânia, sendo a Argélia um dos maiores produtores.A relação não voltou a ser boa, mesmo depois de a questão dos vistos ter sido revertida em dezembro de 2022. A visita de Tebboune a França, inicialmente prevista para 2023, foi sendo adiada sucessivamente. E não ajudou o caso de Amira Bouraoui, ativista política franco-argelina que foi condenada à revelia depois de ter deixado a Argélia (quando estava proibida de sair) e ter fugido para França no início de 2023. Para Argel foi uma “exfiltração ilegal” apoiada por Paris.O presidente argelino acabaria por se reunir com o homólogo francês à margem da Cimeira do G7 em Itália, em junho de 2024, tendo ambos sido fotografados de mãos dadas e a trocar sorrisos. Parecia que a tensão era, de novo, coisa do passado. Durou pouco.Sara OcidentalUm mês depois, Macron anunciou o apoio francês ao plano marroquino de 2007 para a autonomia do Sara Ocidental. Esta ex-colónia espanhola, considerada um território não-autónomo pelas Nações Unidas, é palco há meio século de um conflito entre Marrocos (que assumiu o controlo em 1975) e os independentistas sarauís da Frente Polisário (que são apoiados por Argel e querem um referendo). A visita de Macron a Rabat, em outubro, irritou ainda mais os argelinos, tendo chegado a haver rumores de que estes estariam a preparar-se para suspender as trocas comerciais. O comércio franco-argelino chegou aos 11,8 mil milhões de euros em 2023, um aumento de 5,3% quando comparado com 2002.A complicar ainda mais as coisas, em novembro a Argélia prendeu o escritor franco-argelino Boualem Sansal, de 75 anos. Abertamente crítico do governo (Tebboune foi reeleito em setembro com mais de 84% dos votos numa eleição que os opositores consideram fraudulenta), o escritor foi acusado de crimes ao abrigo da Lei de Segurança Nacional.O presidente argelino considera-o um “impostor” enviado pela França para desestabilizar o seu país. Paris diz que é um "preso político” e exige a sua libertação tal como o Parlamento Europeu, que aprovou uma resolução nesse sentido - com a abstenção do Bloco de Esquerda e o voto contra do Partido Comunista.A detenção de pelo menos sete influencers surge depois do aumento das mensagens online a incitar à violência (contra críticos do governo argelino em França e outros) e até apelos a ataques terroristas. “Estas pessoas estão a lucrar com um contexto de tensões elevadas entre a França e a Argélia”, disse Retailleau ao semanário L'Express, ficando contudo aquém de apontar o dedo a Argel. “Nesta fase, não temos evidências de que esta seja uma campanha coordenada.” Outros membros do governo falam da necessidade de reatar o diálogo, mas sem convencer Argel. “Estamos a perder tempo com o presidente Macron”, lamentou Tebboune numa entrevista ao L'Opinion, no domingo. Apesar de dizer querer evitar uma “separação que se torne irreparável”, o presidente diz que “nada avança a não ser as relações comerciais”, já que “o diálogo político está quase interrompido”. A deportação de Boualem Naman (o verdadeiro nome do influencer Doualemn), que foi detido em Montpellier a 5 de janeiro, não foi a única negada por Argel. Em agosto, tinha recusado três aviões com outros imigrantes deportados. Entretanto, a própria Justiça francesa admitiu que o ministro do Interior estava errado ao usar o mecanismo da expulsão de urgência, já que Doualemn, de 59 anos, vive legalmente em França há 15 anos e tem família francesa. O influencer continua detido.