Um paquistanês de 50 anos e o seu filho australiano de 24 anos provaram que a ameaça do terrorismo islamista continua a pairar em qualquer canto do mundo, ao executarem um massacre terrorista contra judeus em Sydney. No mesmo local, outro muçulmano, um sírio de 43 anos, destacou-se por ter desarmado um dos assassinos. No dia seguinte aos acontecimentos, registaram-se filas para doação de sangue, e uma vigília juntou uma multidão na praia de Bondi, onde morreram 15 pessoas, o terrorista mais velho, e ficaram feridas cerca de 40. Mas horas depois de o primeiro-ministro ter recusado responder às críticas do homólogo israelita ao alegar que o momento era de união, começaram as acusações, fosse pela demora da polícia em deter os terroristas, pela inação dos serviços secretos que em 2019 já tinham identificado um dos assassinos como radicalizado, ou pelo aumento descontrolado do antissemitismo. As autoridades não divulgaram o nome dos dois autores do ataque terrorista que decorreu no final da tarde de domingo no parque Archer, junto da praia de Bondi, mas a comunicação social identificou-os como Sajid Akram, de 50 anos, morto pela polícia, e Naveed Akram, de 24, gravemente ferido. Este último, um pedreiro desempregado, telefonou à mãe para lhe dizer que ele e o pai, um comerciante, tinham ido de fim de semana à costa leste da Austrália para pescar, noticiou o Sydney Morning Herald, citando a mãe. Na verdade, os dois homens, munidos de seis armas de fogo legais, pertencentes ao mais velho — associado de um clube de tiro —, e vários dispositivos explosivos improvisados, dirigiram-se à mais famosa praia da Austrália para um ataque dirigido à comunidade judaica, que ali estava reunida para celebrar o Hanucá. .Israel acusa Austrália de incentivo ao antissemitismo após ataque mortal em praia de Sidney.Segundo a australiana ABC, as autoridades suspeitaram que há seis anos Naveed havia prestado juramento de fidelidade ao Estado Islâmico. No entanto, uma investigação que se prolongou por seis meses por parte dos serviços de informações (Australian Security Intelligence Organisation, ASIO) não foi concludente, pelo que o jovem não foi considerado uma “ameaça iminente” para a sociedade. Anthony Albanese, na conferência de imprensa de segunda-feira à tarde, também se pronunciou sobre este tema. “Houve uma investigação. O pai também foi entrevistado na altura e não foi mostrada qualquer indicação de radicalização.”Baleado pela polícia, Naveed encontra-se em coma. Daniel Mookhey, tesoureiro do estado de Nova Gales do Sul — onde se situa Sydney — informou que as autoridades aguardam a estabilização do suspeito para que este venha a ser indiciado, muito provavelmente pelos crimes de homicídio múltiplo e terrorismo. A resposta da polícia ao ataque também irá estar sob escrutínio nas próximas horas e dias. O tiroteio começou pouco antes das 19h locais e prolongou-se por cerca de 20 minutos, tendo os Akram recarregado as armas várias vezes. “Vinte minutos [depois], havia quatro polícias. Ninguém respondeu aos tiros. Nada. Como se tivessem congelado. Não percebo porquê”, comentou a testemunha ocular Shmulik Scuri, citada pelo New Zealand Herald. . Quem não esperou para agir foi Ahmed al-Ahmed. O imigrante sírio de 43 anos, que estava nas imediações com um amigo, sentiu-se impelido a pôr termo ao massacre, ainda que pondo em risco a sua vida. Um vídeo filmado de um telemóvel mostra Ahmed a saltar detrás de um automóvel e a surpreender Sajid Akram, a quem consegue tirar a arma. Sajid acabaria por fugir e juntar-se ao filho, o qual atingiu Ahmed múltiplas vezes no ombro esquerdo. Mustafa al-Asaad, primo de Ahmed, que o visitou no hospital, contou à TV Al Araby: “Quando viu esta cena, pessoas a morrer no tiroteio, disse-me: ‘Não consegui suportar isto. Deus deu-me forças. Acredito que vou impedir esta pessoa de matar mais gente’”. Prosseguiu: “Foi um ato humanitário, acima de tudo. Foi uma questão de consciência. Ele orgulha-se muito de ter salvo mesmo que apenas uma vida.” .Um "herói da vida real". Ahmed al Ahmed travou um dos atacantes da praia de Bondi e recupera no hospital. “O meu filho é um herói. Ele foi polícia, a sua paixão é defender as pessoas”, disse Mohamed Fateh al-Ahmed à ABC. Os primeiros-ministros da Austrália e de Israel e o presidente dos EUA concordam com o pai de Ahmed - todos destacaram o seu altruísmo heroico. Mas a coincidência entre Albanese e Netanyahu termina em Ahmed. Acusado de nada fazer pelo crescimento explosivo do antissemitismo — 300% de incidentes desde 7 de outubro de 2023 —, Albanese foi avisado em fevereiro pelo diretor da ASIO de que essa é a principal ameaça à Austrália. Além disso, foi-lhe entregue em julho um plano de combate ao antissemitismo, o qual se mantém na gaveta. Uma criança, dois rabinos e um sobrevivente do Holocausto entre os mortos .Matilda Bee BritvanA vítima mais nova do ataque terrorista tinha celebrado o décimo aniversário no mês passado. Segundo a família, ainda foi transportada com vida para o hospital, mas acabou por sucumbir aos ferimentos. “Não sei como vamos sobreviver a uma tão grande dor”, escreveu a sua tia Lina Chernykh. A sua irmã mais nova, Summer, bem como os seus pais, sobreviveram ao ataque. Uma professora de Matilda criou uma conta de apoio à família (GoFundMe) que na segunda-feira já tinha arrecadado 210 mil euros. “Uma criança luminosa, alegre e cheia de energia, que trazia luz a todos à sua volta” foi como a professora Irina Goodhew descreveu Matilda.Eli SchlangerNascido há 41 anos em Londres, Schlanger mantinha funções na organização Chabad de Bondi há 18 anos. Era rabino assistente e um dos organizadores da celebração do hanucá (ou chanucá), a tradicional festa judaica das luzes. Numa entrevista publicada pela Chabad, a propósito do aumento do antissemitismo, o rabino disse ter coberto o carro com símbolos da sua identidade judaica como exemplo de resiliência. “Sejam mais judeus, comportem-se de forma mais judaica e pareçam mais judeus”, aconselhou. Deixa mulher e cinco filhos, o mais novo dos quais com dois meses. Yaakov LevitanO segundo rabino assassinado nasceu em pleno apartheid, em Joanesburgo, há 40 anos. Em Jerusalém formou-se em Estudos Rabínicos e Talmúdicos. Já em Sydney era secretário da organização judaica Beth Din, gestor da Chabad de Bondi e “figura central nas iniciativas educativas” no BINA Center. Levitan “era um homem de devoção tranquila, conhecido pela sua bondade e pelo trabalho incansável em ajudar os outros”, lê-se na página da campanha de angariação de fundos para a sua família.Alexander KleytmanEngenheiro civil reformado, aos 87 anos deu literalmente o corpo às balas para salvar a mulher Larisa. “Estávamos de pé quando, de repente, houve um estrondo e todos caíram. Nesse momento, ele estava atrás de mim e, num dado momento, decidiu aproximar-se de mim. Levantou o corpo porque queria ficar perto de mim”, contou a sua mulher durante 57 anos. Ambos sobreviveram ao Holocausto e emigraram da Ucrânia.