"Teletrabalho não se pode transformar em algo com horários ilimitados"

A Comissão Europeia apresenta nesta quarta-feira o plano de ação do pilar europeu dos direitos sociais, que deverá ser aprovado na cimeira do Porto, em maio, organizada pela presidência portuguesa da União Europeia. O DN falou com o eurodeputado Manuel Pizarro, membro da Comissão de Emprego e Assuntos Sociais do Parlamento Europeu, e membro do grupo coordenador da Cimeira Social.
Publicado a
Atualizado a

O que espera ver detalhado no plano de ação do pilar europeu dos direitos sociais?
Primeira notícia muito importante é haver um plano de ação. Porque, a verdade é que isso mostra que há mesmo um novo vento político na Europa. Na crise anterior a resposta foi austeridade e contenção. Nesta crise, a resposta tem sido investimento. E agora uma nova aposta na dimensão social da União Europeia. O pilar europeu foi aprovado em 2017, com um acordo entre os Estados-membros, em Gotemburgo. A nossa expectativa é que este plano de ação ponha em marcha um conjunto de medidas concretas que permitam que o conjunto dos europeus venha a atingir uma vida mais digna.

Passaram praticamente quatro anos desde que foi proclamado o pilar social, em Gotemburgo, sem avanços significativos o que o leva a creditar que será desta que serão dados passos concretos?
A existência de um muito maior consenso político. Eu diria que as principais famílias políticas europeias estão hoje de acordo que a resposta a esta crise não pode ser uma resposta por via da austeridade. Ao contrário, tem que ser uma resposta por via do progresso. E, o progresso tem uma componente essencial que é a coesão social, que é além de tudo mais indispensável se queremos assegurar mesmo uma transição climática e uma transição digital. Estas duas transições não são possíveis, sem maior coesão social e sem envolver o conjunto dos europeus, nesta senda de progresso económico.

Este será o tema da cimeira do Porto, em maio, o que é que esta cimeira deveria acrescentar?
Espero que na cimeira seja possível aprovar, entre as diferentes instituições europeias, o Plano de Ação para a implementação do Pilar, e que seja possível também comprometer o conjunto das autoridades, não apenas nacionais, mas também regionais e locais, os parceiros sociais e a sociedade civil europeia, no alcançar destas metas. São metas que necessariamente terão que ser muito ambiciosas, em matéria de proteção dos trabalhadores e dos direitos laborais, promoção da igualdade de género, combate à pobreza e desigualdades, promoção do acesso à habitação, à educação a saúde, e tudo aquilo que caracteriza uma visão progressista da União Europeia.

De que forma podem evoluir os direitos sociais na era digital?
​​​​​​​Espero que seja reforçada a ideia de que é necessário proceder a separação entre a vida pessoal e familiar e o trabalho, - porque as fronteiras esbatem-se em todos estes mecanismos de teletrabalho e virtualização do digital - e que sejam criadas regras claras para o chamado direito a desligar. Porque existe o risco de o trabalho à distância, o trabalho por meios digitais, se transformar em algo que não tem horários limitados. Eu acho que nós temos que aproveitar a digitalização a favor dos seres humanos e não tornarmo-nos escravos de um mundo digital, que a certa altura nos impede de termos uma vida pessoal e familiar separada da nossa vida laboral. Isto, por mais importante que seja a nossa vida laboral e por mais importante que seja garantir que mais e mais europeus têm direito a um emprego. Não apenas um emprego, mas um emprego com dignidade e com condições aceitáveis.

Entende que o contexto do teletrabalho expôs problemas a este nível?
​​​​​​​Pode ser olhado dos dois lados. Há pessoas para quem o teletrabalho é uma vantagem inequívoca, que se dão bem com esse regime, que poupam o esforço físico e até o custo económico e ambiental das viagens. Mas também há outras pessoas que se sentem muito isoladas. E, o risco de sobre exploração, nomeadamente de sobre exploração em matéria de horário de trabalho, é um risco que existe. Por isso é tão importante associar à promoção do teletrabalho à proteção dos direitos de quem está nesse regime, nomeadamente do direito a desligar.

Já agora que expectativa tem, em relação à realização da cimeira, neste contexto atual de pandemia?
Os dados epidemiológicos mais recentes parecem ser muito favoráveis, no conjunto da União Europeia, e em especial no nosso país. Espero que tenhamos condições para que a cimeira se faça com presença física, porque isso apesar de tudo contribui muito para o clima de diálogo informal, que é indispensável ou quase indispensável a que se atinja um consenso. Mas, os últimos meses provaram que, num contexto europeu, é possível avançar e chegar a consensos em temas muito importantes mesmo quando as reuniões têm que se fazer sem presença física. E, portanto, tenho esperança de que possamos fazer jus à tradicional hospitalidade portuguesa e portuense, na Cimeira Social de maio. Mas enfim terá que se realizar, sejam quais forem as condições epidemiológicas da altura.

Quais são os próximos passos?
​​​​​​​Pode acontecer que o plano de ação seja mesmo aprovado na cimeira do Porto, sob a forma de acordo entre Estados. Aliás, o pilar europeu foi aprovado em 2017, em Gotemburgo, sob a forma de um acordo entre Estados, não necessitando do processo legislativo europeu normal. Eu diria que essa é uma das possibilidades que está em cima da mesa. Veremos como é que as coisas evoluem. Agora que há aqui um passo em frente na Europa, há um gigantesco passo em frente da Europa.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt