Os homens são separados das mulheres, agredidos e mortos à queima roupa. A fuga é feita debaixo de tiros e há execuções em massa. Há quem descreva “cenas de genocídio”. O relato dos que conseguiram fugir de Al-Fashir e as imagens de satélite da capital de Darfur do Norte levantam o véu sobre o que está a acontecer após os paramilitares das Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês) terem conquistado a cidade, que cercavam há 18 meses. O exército sudanês confirmou a retirada. “Em Al-Fashir, os relatos iniciais indicam uma situação extremamente precária desde que as RSF anunciaram a tomada da 6.ª Divisão de Infantaria do exército”, indicou o alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk. “O risco de violações e atrocidades em grande escala e com motivação étnica em Al-Fashir aumenta a cada dia. Ações urgentes e concretas precisam de ser tomadas com urgência para garantir a proteção dos civis e a passagem segura daqueles que tentam alcançar uma relativa segurança”, acrescentou em comunicado. O seu gabinete diz ter recebido relatos (e vídeos) de execuções sumárias por parte das RSF de civis que tentavam fugir da cidade. O receio é de limpeza étnica. Os alvos dos paramilitares, que negam todas as acusações, parecem ser as comunidades não árabes, como os Zaghawa e os Fur, sendo as RSF formadas principalmente por membros da milícia árabe Janjaweed. As Forças Conjuntas, aliadas do exército sudanês, alegam que as RSF “cometeram crimes hediondos contra civis inocentes”, indicando que “mais de dois mil cidadãos desarmados foram executados”. Segundo esta fonte, a maioria das vítimas são mulheres, crianças e idosos”, mas quem consegue fugir diz que são os homens que estão a ser intercetados e executados. Um correspondente da AFP em Tawila, a 70 km de distância, diz que os que fogem “traumatizados e feridos” descrevem “cenas de genocídio”.Ikram Abdelhameed é uma das que conseguiu chegar a Tawila, tendo fugido com três filhos e um neto de poucos meses. “Estávamos a correr e eles perseguiam-nos, disparavam mísseis à nossa frente e atrás de nós”, disse, citada pela Reuters, acrescentando que perdeu o marido de vista no caos. Ao chegar a um controlo das RSF, os homens foram separados das mulheres. “Alinharam os homens e disseram: ‘Queremos os soldados’”, contou num registo áudio enviado à agência de notícias. Quando ninguém levantou a mão, um combatente da RSF identificou alguns deles que foram espancados e mortos. “Dispararam sobre eles à nossa frente, dispararam sobre eles na rua”, acrescentou, dizendo que foi dito às mulheres para continuarem e que os homens iriam depois. Mas isso não aconteceu e elas continuaram a ouvir tiros.Segundo a Organização Internacional para as Migrações, mais de 26 mil pessoas fugiram de Al-Fashir no domingo e na segunda-feira - mas menos de duas mil chegaram a Tawila. Esta cidade acolhe já 800 mil deslocados, sendo que se estima que em Al-Fashir havia ainda 250 mil pessoas. A guerra começou em abril de 2023 entre duas fações rivais dentro do Governo militar do Sudão - as forças armadas do general Abdel Fattah al-Burhan e os paramilitares das RSF, controlados por Mohamed Hamdan Dagalo. Mais de 150 mil pessoas já morreram e há 12 milhões de deslocados ou refugiados. A ONU considera esta é “a maior crise humanitária do mundo”, com 25 milhões de pessoas em fome extrema (famine, em inglês), o nível mais grave de insegurança alimentar.Os paramilitares controlam agora cerca de um terço do território do Sudão, que gerem de forma autónoma, havendo quem fale de uma possível “segunda partição” do país, quase 15 anos depois da independência do Sudão do Sul - após anos de conflitos e um referendo.