À esquerda, aviso de moção de censura; à extrema-direita, aviso de moção de censura. É este o ambiente em que se move o novo primeiro-ministro francês Sébastien Lecornu quando nesta quinta-feira, dia de greve, são esperados nas ruas até 900 mil manifestantes contra a austeridade.Ao fim de uma semana no cargo, Lecornu chegou ao fim das consultas que manteve com os sindicatos, associações patronais e partidos políticos. Prometida uma “rutura” com o governo no qual foi ministro da Defesa, o chefe de governo tem de constituir um, apresentar-se na Assembleia Nacional sem ser derrubado, e apresentar um orçamento para 2026. À saída do palácio de Matignon, o presidente da União Nacional Jordan Bardella repetiu o que dias antes a líder de facto havia dito, ao afirmar que o seu partido irá censurar Lecornu “se continuar a política seguida até agora”. Há dias, Marine Le Pen havia dito que só apoiaria um executivo que se recusasse a aumentar os impostos e que enfrentasse o que chama de “tabus”: corte nas despesas do Estado e nas contribuições para a União Europeia, mudança na política de imigração, e combate à fraude. .“Nós não procuramos a [moção de] censura, não procuramos a dissolução [da Assembleia], não procuramos a destituição [do presidente], nós procuramos que os franceses sejam ouvidos.”Olivier Faure, líder do PS.O campo do macronismo deposita mais esperança num entendimento com os socialistas. Estes disseram de imediato não estar disponíveis para integrar o governo. Mas estão para negociar. O seu líder, Olivier Faure, disse que a sua delegação passou “um longo momento” das duas horas de reunião a explicar ao que iam. “Na véspera de um grande movimento social, a mensagem que devíamos transmitir era que as francesas e os franceses devem ver a sua vida alterada.” .Lecornu em negociações com um PS à espera de força nas ruas.Faure contou que apelou para o primeiro-ministro reformular o projeto de orçamento apresentado pelo antecessor, François Bayrou. E mostrou uma sondagem que demonstra que os franceses apoiam de forma esmagadora a criação de uma taxa para as maiores fortunas. No final, disse ter ficado insatisfeito, uma vez que Lecornu “não deu pistas claras sobre qualquer assunto que fosse”. A líder dos ecologistas, Marine Tondelier, coincidiu com Faure ao comentar “não ter recebido respostas muito claras”.Claro como água foi o chefe da polícia de Paris. Laurent Nuñez espera “muitos vândalos” entre os 100 mil manifestantes esperados na marcha a decorrer na capital, tendo inclusive aconselhado os comerciantes a não abrirem as lojas e a protegerem as fachadas. .OlhadelasÀ saída da reunião com o primeiro-ministro, o líder socialista disse que Sébastien Lecornu “tem muitos problemas na sua própria base comum”, em particular por causa de uma “direita que cada vez mais olha pelo canto do olho para a extrema-direita”. Em jeito de resposta, a equipa do ministro do Interior, Bruno Retailleau, em declarações à BFMTV, disse que Faure está “completamente desfasado do seu eleitorado quando se trata de imigração. Ele está de olho em Mélenchon e isso deixa-o cego”. Retailleau, entrevistado por aquela estação de TV, rejeitou ainda a proposta de Faure de hastear a bandeira da Palestina nos mastros das câmaras no dia 22, quando se inicia uma cimeira na ONU sobre o reconhecimento do território e da solução dos dois Estados.Fim de regaliasA primeira medida anunciada por Sébastien Lecornu ganhou forma de decreto: foi publicado em Diário da República a retirada de regalias vitalícias aos antigos primeiros-ministros. Agora, o período durante o qual os ex-primeiros-ministros beneficiam de um veículo oficial, de um motorista e de segurança está limitado a dez anos a contar da cessação das funções. O decreto entrará em vigor em 1 de janeiro.Petição a debateO anúncio foi feito pela França Insubmissa: uma petição a exigir a revogação da chamada lei Duplomb - que reintroduzia um pesticida proibido e facilita a expansão da agricultura intensiva - vai ser debatida na Assembleia Nacional, mas não está prevista qualquer votação. Mais de dois milhões de franceses mobilizaram-se de forma inédita contra a lei que ficou entretanto extirpada da parte mais polémica: o Conselho Constitucional reprovou o uso do acetamiprido. Ainda assim, os Verdes propuseram que se vote a revogação da lei.