A Polónia assumiu a presidência rotativa do Conselho da União Europeia, sucedendo à Hungria, que teve um semestre marcado pelos polémicos encontros do primeiro-ministro Viktor Orbán, em “missão de paz”, com Vladimir Putin e Xi Jinping. Neste mandato, que apanha no seu início o novo executivo de Ursula von der Leyen, Varsóvia já deixou claro que a grande prioridade será a segurança, dividida em sete vertentes, que refletem a realidade mundial, como o regresso de Donald Trump, a guerra na Ucrânia ou as migrações. A par disto, e a nível interno, o líder do governo polaco, Donald Tusk, terá que lidar com umas eleições presidenciais em maio, cujo resultado irá definir o futuro do seu governo. .A liderar esta segunda presidência polaca estará o mesmo homem que esteve à frente da primeira (2011), Donald Tusk, um político com muita experiência europeia - foi presidente do Conselho Europeu (2014-19) e líder do PPE, a maior formação política do Parlamento Europeu - e que no seu regresso ao cargo de primeiro-ministro, há pouco mais de um ano, garantiu que “ninguém me pode superar na UE”. Agora terá seis meses para provar isso mesmo. .Logo à partida, a seu favor Tusk conta com o facto de ter uma relação próxima com von der Leyen, de quem se espera que, nos seus primeiros 100 dias de mandato esteja bastante ativa em termos legislativos, o que coincidirá com a presidência da Polónia, permitindo a Varsóvia imprimir o tom das discussões e tentar pontos de consenso entre os Estados-membros. A presidência da Polónia ganha também especial relevo devido à instabilidade política que França e Alemanha atravessam e que diminui a capacidade de decisão dos dois motores da Europa, o que dá mais espaço a Varsóvia para promover a sua visão. .Olhando para a grande prioridade deste semestre, a segurança, ela estará então dividida em sete vertentes: militar, económica, energia, civil (onde se inclui a proteção das fronteiras), informação, alimentação e saúde, sendo que as três primeiras são as que têm um maior potencial de influenciar o funcionamento da União Europeia..“No quadro das questões de defesa, a Polónia quer desenvolver uma discussão que visa mudar o paradigma de pensamento entre os Estados-membros sobre esta questão. (...) A Polónia procurará, portanto, fazer avançar o debate sobre o aumento do financiamento da defesa da UE, nomeadamente através da criação de novas fontes de receitas”, refere Tomasz Zajac, especialista em União Europeia do think tank Instituto Polaco de Assuntos Internacionais (PISM). “Além disso, gostaria de afastar a discussão da visão das tarefas de apoio à defesa da UE apenas através do prisma do aumento da competitividade da indústria de defesa, uma abordagem que a Polónia acredita limitar a capacidade dos Estados-membros de desenvolverem rapidamente as capacidades militares urgentemente necessárias, devido ao alcance incerto da ameaça russa e à necessidade de apoiar a Ucrânia”, acrescenta o mesmo analista. .A segurança da fronteira externa do bloco estará também muito presente na presidência da Polónia, que anunciou em maio o programa Escudo Leste e que tem como objetivo reforçar as duas fronteiras com a Bielorússia e Kaliningrado, através de elementos físicos para prevenir e deter passagens e também sistemas de vigilância. “A Polónia já recebeu um apoio significativo dos Estados-membros pertencentes à NATO, incluindo os Estados Bálticos. Certamente, um país como a Finlândia, que também viveu uma migração instrumentalizada, verá a importância de fortalecer a fronteira com a Rússia. E outros Estados-membros da UE que enfrentam problemas de migração verão a importância de avançar o debate sobre as formas de fortalecer a fronteira externa da UE, embora exista geralmente um acordo sobre a necessidade de proteger a fronteira externa, os meios podem ser diferentes”, defende Cordelia Buchanan Ponczek, investigadora do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais..No que diz respeito, por exemplo, à energia, a Polónia vai querer, na opinião de Tomasz Zajac, discutir o impacto negativo dos altos preços da energia na competitividade da indústria do bloco, mas também no aumento da segurança deste setor através de coisas como a expansão das ligações de gás e eletricidade entre países ou a compra comum de energia (como gás natural liquefeito) para fazer baixar o seu preço. E ainda tentar abrir caminho para uma maior aposta na energia nuclear. Quanto à segurança económica, irá focar-se no aumento da competitividade da UE. “A Polónia vai procurar rever legislação europeia nesta matéria e reduzir regulamentação, especialmente para as pequenas empresas”, sublinha o analista do PISM. .A relação com os Estados Unidos, marcada pelo regresso de Donald Trump à Casa Branca a partir de dia 20 e o que isso implicará, por exemplo em termos comerciais e de apoio à Ucrânia, será também outra das prioridades desta presidência da Polónia, embora o ministro dos Negócios Estrangeiros Radoslaw Sikorski tenha dito em abril que o caminho do seu país passava pela UE. .“A Europa vai querer manter-se forte e unida, ao mesmo tempo evitando aborrecer Trump. (...) Existe a esperança que o governo polaco se aperceba do que está em jogo e atue no interesse europeu para preservar a unidade. O governo polaco tem vindo a coordenar um grupo de países com o objetivo de continuar a apoiar fortemente a Ucrânia. Embora a unidade seja o principal objetivo, são também necessárias soluções viáveis”, nota Cordelia Buchanan Ponczek..O alargamento a novos membros, nomeadamente a Ucrânia, mas também o Montenegro e a Moldávia, é outro dos grandes temas deste semestre. “Ao enfatizar os benefícios do alargamento para garantir a segurança das fronteiras, gerir a interferência estrangeira e promover a agência europeia, a presidência polaca pode contrariar os argumentos contra o alargamento e mudar o foco para as vantagens de uma união maior”, defendem Wojciech Przybylski e Jan Farfal, do think tank Visegrad Insight. .No caso concreto da Ucrânia, embora a Polónia tenha “uma espécie de autoridade moral para liderar a conversa” no que diz respeito à sua defesa e apoio, o mesmo não acontece em questões mais práticas, como a agrícola, recorda Cordelia Buchanan Ponczek. No ano passado, os agricultores polacos protestaram contra o trânsito e armazenamento de cereais ucranianos, e agora tem sido mencionado o desejo da Polónia de devolver a Ucrânia ao acordo de comércio livre abrangente e aprofundado, o que seria um passo atrás na integração das atuais medidas comerciais autónomas de Kiev, que incluem a suspensão dos direitos de importação de produtos ucranianos para a UE..“Embora tenham sido uma medida importante para a UE apoiar a Ucrânia, são muito impopulares na Polónia. Assim, embora a Polónia possa querer orientar a conversa na UE para o alargamento, há questões sérias e espinhosas que terá de abordar”, sublinha a investigadora do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais..ana.meireles@dn.pt