Sala oval: uma zona perigosa para os líderes mundiais
Já lá vai o tempo em que os apertos de mão que Donald Trump dava na Sala Oval eram assunto após os encontros do presidente norte-americano com os líderes mundiais que ali recebia. Neste segundo mandato, aquilo que se tem evidenciado nestes momentos registados pela comunicação social são as “emboscadas” – é este o termo utilizado pela imprensa e pelas agência noticiosas internacionais – que Trump faz a quem o visita. Depois de o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, foi agora a vez do presidente sul-africano. Um cenário que, segundo a Reuters, pode fazer os líderes estrangeiros pensarem duas vezes antes de visitarem a Casa Branca.
Na quarta-feira, durante uma visita de Estado do presidente da África do Sul, Donald Trump confrontou Cyril Ramaphosa com falsas alegações de genocídio contra brancos sul-africanos, incluindo acusações de assassinatos em massa e apropriações de terras. O encontro começou de forma cordial, mas depois o presidente norte-americano mandou apagar as luzes e mostrou um vídeo e artigos impressos, alegadamente como prova de que os sul-africanos brancos estão a ser perseguidos. “Em geral, são os agricultores brancos que estão a fugir da África do Sul e isso é uma coisa muito triste de se ver. Espero que possamos ter uma explicação sobre isso, porque sei que não querem isso”, disse Trump, com Ramaphosa sentado ao seu lado, na Sala Oval.
O presidente sul-africano reiterou que não há “genocídio africâner” no seu país, e pediu-lhe que ouvisse o povo da África do Sul para se livrar dessa ideia. Sereno, ainda brincou com Trump. "Peço desculpa, mas não tenho um avião para lhe dar", comentou Ramaphosa numa referência ao jato de luxo que a Qatar ofereceu a Trump para substituir o Air Force One.
Enquanto o encontro ainda decorria, a conta oficial da Casa Branca na rede social X publicou um emoji de uma sirene e o título “Apresentado agora mesmo na Sala Oval: Prova de perseguição na África do Sul”, numa alusão aos vídeos mostrados por Trump no encontro com Ramaphosa.
Um episódio, segundo a Reuters, “claramente orquestrada pela Casa Branca”, que acontece depois de um outro, no final de fevereiro, quando Donald Trump atacou Volodymyr Zelensky naquela mesma sala. Dessa vez, o presidente dos Estados Unidos acusou o homólogo ucraniano de desrespeito e de não agradecer o apoio norte-americano. Zelensky foi até questionado por um correspondente principal da Casa Branca para o site de direita Real America’s Voice, pelo facto de não usar fato. A hostilidade para com o chefe de Estado da Ucrânia foi então alvo de muitas críticas por parte dos líderes europeus.
Vista como lugar de honra para receber os dignitários estrangeiros, a Sala Oval tem sido ultimamente local “para envergonhar os visitantes de nações menos poderosas”, nota a Reuters. Um facto sem precedentes que, segundo esta agência de notícias internacional, pode pode levar os líderes estrangeiros a pensar duas vezes antes de aceitar os convites de Trump sob risco de sofrer uma humilhação pública.
O porta-voz do presidente sul-africano, Vincent Magwenya, considerou, em declarações à emissora sul-africana Newzroom Afrika que "era possível ver que Ramaphosa estava a ser provocado". "Percebia-se que o olho dele estava a ser arrancado e não caiu na armadilha", comentou.
Patrick Gaspard, antigo embaixador dos EUA na África do Sul durante a administração do presidente Barack Obama, disse que Trump transformou o encontro com Ramaphosa num "espetáculo vergonhoso". "Interagir nos termos de Trump nunca é bom para ninguém", escreveu Gaspard, agora membro sénior do think tank Center for American Progress, em Washington, numa publicação no X. “Este é um homem doente. Um incendiário racial”, acrescentou numa outra publicação. Já Cameron Hudson, investigador sénior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, um centro de estudos em Washington, disse à Reuters que, embora a parte televisionada da reunião tenha sido um circo, "nunca ultrapassou a linha da raiva ou do vitríolo, pelo que não chegou a um ponto crítico".
“O ritual de humilhação de Trump aos seus visitantes significa que os líderes mundiais têm agora uma nova e complexa dimensão para o seu trabalho de preparação”, diz a CNN, órgão de comunicação social criticado pelo presidente dos EUA, lembrando que os visitantes têm agora de tentar um equilíbrio entre o não parecerem fracos e o não chegar ao ponto de deixar Donald Trump com rancor.
Um jogo muito mais sensível do que o fait-divers do primeiro mandato, quando eram os apertos de mão de Trump que se destacavam nas visitas oficiais de líderes mundiais à Casa Branca. Ou a ausência de aperto de mão, como aconteceu com a então chanceler alemã Angela Merkl.