Zelensky e Erdogan estiveram reunidos durante três horas no palácio presidencial de Ancara.
Zelensky e Erdogan estiveram reunidos durante três horas no palácio presidencial de Ancara.

Russos e ucranianos voltam à mesa, sem líderes nem expectativas

Após muita incerteza, avança encontro em Istambul, sem Putin, Zelensky e Trump. Moscovo levou na mala as exigências da reunião fracassada de 2022.
Publicado a
Atualizado a

As conversações entre Rússia e Ucrânia foram esvaziadas a uma iniciativa diplomática de segundo plano, a decorrer nesta sexta-feira, para, na pior das hipóteses, manter as aparências. Isto depois de Vladimir Putin ter recusado comparecer em Istambul e Donald Trump afirmar que nada acontecerá enquanto não se reunir com o líder russo. Putin, que declinou o apelo feito pelos aliados da Ucrânia para uma trégua de 30 dias, tendo sugerido antes negociações diretas, perdeu o controlo da narrativa depois de o presidente ucraniano ter aceitado o desafio para se encontrarem. Mas as declarações do presidente norte-americano acabaram por justificar a ausência do russo.

Ao receber Volodymyr Zelensky em Ancara, na manhã de quinta-feira, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan disse que se estava perante uma “oportunidade histórica” de negociações diretas, apesar de já saber que o líder russo não viajaria para o seu país, mas mostrou-se aberto para recebê-los “quando estiverem prontos”.

Segundo diplomatas russos ouvidos pelo The Moscow Times, Putin só aceitará encontrar-se com o presidente ucraniano num cenário: “Zelensky só para assinar a capitulação. Ponto final”, disse um funcionário russo. Os apelos do ucraniano para o homem que ordenou a “operação militar especial” sair do Kremlin e viajar para a Turquia foram fulminados pelo ministro dos Negócios Estrangeiros russo. “Sujeito patético”, disse Sergei Lavrov. O chefe da diplomacia russa insultou por várias vezes Zelensky. Num dos mais recentes ataques, chamou-o de “nazi puro” e “traidor do povo judeu”. Em contrapartida, Lavrov afirmou que deve ser dada uma oportunidade às conversações, mesmo que não haja garantias de sucesso. Apesar de o líder russo ter proposto uma reunião “sem condições prévias”, Lavrov defendeu que “não é possível negociar a presença de tropas estrangeiras [na Ucrânia]” numa futura missão de manutenção da paz, nem uma trégua temporária, criticando o apoio europeu a Kiev. “O Ocidente não esconde que o cessar-fogo é necessário para preparar Kiev a continuar as operações militares.” Continuou: “Há muitos sinais de que nem Berlim, nem Paris, nem Bruxelas, e muito menos Londres, querem a paz na Ucrânia.”

Zelensky e Erdogan estiveram reunidos durante três horas no palácio presidencial de Ancara.
Negociações realizam-se esta sexta-feira na Turquia. Zelensky duvida dos russos e EUA não acredita em avanço

A ausência de Putin foi alvo de críticas generalizadas entre os ministros dos Negócios Estrangeiros da NATO, que se reuniram também na Turquia, mas a sul, em Antália. O polaco Radoslaw Sikorski e o britânico David Lammy realçaram o “baixo nível” da delegação russa, tendo Sikorski adiantado esperar que Donald Trump, “veja esta farsa tal como ela é e tire as devidas conclusões”. O ministro checo, Jan Lipavsk, afirmou que Putin “tem claramente medo da paz” e classificou-o de “cobarde” por não ter ido a Istambul. O chefe da diplomacia lituana, Kestutis Budrys, afirmou que Putin apenas procura “distrair, enganar e atrasar qualquer processo de paz”. Já o francês Jean-Noël Barrot voltou a bater na tecla das “sanções maciças” para forçar Putin a envolver-se diretamente.

Também Zelensky defendeu uma resposta dos aliados por via de sanções. “A Ucrânia estava a avançar para um formato que nos poderia aproximar um pouco mais do fim da guerra. Mas isso não pode ser unilateral, apenas de um lado. E a pressão não pode ser unilateral. É por isso que queremos ver uma pressão contra a Rússia e Putin. Sanções da Europa, dos Estados Unidos e de outros países.” Depois de ter chegado a Ancara, criticado a delegação russa “de pura fachada” e questionado se estes teriam autonomia para “tomar decisões”, o presidente ucraniano decidiu que nem ele nem o seu chefe de gabinete nem o ministro dos Negócios Estrangeiros seguiriam para Istambul e seguiu para a Albânia. Optou por delegar as funções no ministro da Defesa Rustem Umerov, mantendo uma delegação ao nível ministerial “por respeito” a Erdogan e a Trump, explicou, e como objetivo alcançar um cessar-fogo. A equipa negocial é composta por uma dúzia de pessoas e inclui ainda o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Serhii Kyslytsia.

Moscovo retrucou de imediato através da porta-voz dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova: “Quem é que usa a expressão ‘pura fachada’? Um palhaço? Um falhado?”. Noutro tom, a delegação chefiada por Vladimir Medinsky disse ter chegado a Istambul para efetuar um “trabalho sério e profissional” com o objetivo de estabelecer a paz, “abordando as causas profundas do conflito”. As negociações a decorrer nesta sexta-feira são vistas pelo lado russo como “uma continuação do processo negocial ocorrido em Istambul”, referindo-se ao encontro falhado de 2022. Segundo documentos revelados no ano passado pelo The Wall Street Journal, a Rússia exigia então que a Ucrânia desistisse de fazer parte da NATO, declarasse neutralidade na sua Constituição, e que limitasse as forças armadas em recursos humanos e de armamento.

Os Estados Unidos tinham mobilizado meios para participar nas negociações. O secretário de Estado Marco Rubio estava em Antália, os enviados do presidente Keith Kellogg e Steve Witkoff estavam a postos e o presidente disse que poderia fazer um desvio até Istambul, “se fosse útil”. Perante o niet de Putin, Trump foi taxativo - e menorizou o papel de Zelensky. “Não vai acontecer nada até eu e Putin nos encontrarmos.” Rubio afinou pelo mesmo diapasão: “Não creio que haja progressos até que o presidente e o presidente Putin interajam diretamente sobre este assunto.” Quanto às negociações de hoje, o secretário de Estado anteviu que “alguém” da sua equipa estaria presente, mas “não tem grandes expectativas” sobre o resultado das mesmas.

Quem são os negociadores russos

Em lugar do líder russo ou do ministro dos Negócios Estrangeiros Sergei Lavrov, o Kremlin enviou para Istambul uma equipa de negociadores de segunda linha ou, como classificou o presidente ucraniano, “pura fachada”, chefiada por Vladimir Medinsky.

Medinsky, de 54 anos, é conselheiro do presidente Vladimir Putin desde 2020. Historiador nacionalista, o regime adotou manuais escolares de história de que era coautor, e que refletiam o seu revisionismo, denunciado por vários colegas de profissão. Para Medinsky, nascido na Ucrânia, o país não existe e “faz parte da Rússia”. O antigo deputado e ministro da Cultura entre 2012 e 2020 - época em que voltaram as estátuas de Estaline às praças russas - apresentou o mais recente manual de história, segundo o qual a invasão da Ucrânia foi executada para “defender a população do Donbass”, o leste do país sob agressão.

Tal como Medinsky, Alexander Fomin, vice-ministro da Defesa, participou nas conversações de 2022 com a Ucrânia e faz parte da delegação, junto de Mikhail Galuzin, vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, e Igor Kostyukov, diretor dos serviços secretos militares (GRU). O Kremlin destacou ainda quatro peritos, entre os quais Alexander Zorin, que foi o enviado de Putin à Síria.

Zelensky e Erdogan estiveram reunidos durante três horas no palácio presidencial de Ancara.
Adeus ao Médio Oriente. Trump tenta acordo “mais ou menos” com o Irão e uma “zona livre” em Gaza

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt