Esta não é a sua estreia nas Conferências do Estoril. No ano passado defendeu como os Organismos Geneticamente Modificados (OGM) podem contribuir para o combate à fome em geografias como o continente africano, uma posição que é defendida por 155 prémios Nobel. Pelo que percebi, esta é uma das suas causas. Porquê? As objeções aos OGM são muitas...Atualmente, já temos 171 laureados com o Prémio Nobel. A razão é que enfrentamos grandes problemas neste mundo devido à fome e à má nutrição. No mundo desenvolvido, a alimentação não é um problema porque as empresas agrícolas gastaram anos e milhões de dólares a melhorar as culturas de que dependemos para nos alimentarmos. Não foi feito o mesmo esforço para melhorar as culturas nos países em desenvolvimento. No entanto, os métodos GM podem melhorar as culturas que aí são consumidas e fazê-lo de forma rápida e precisa. Para os mais de 700 milhões de pessoas que se deitam com fome todas as noites, a comida é um medicamento. É imoral negar-lhes a oportunidade de melhorar as suas culturas, tanto em termos de rendimento como de nutrição, negando-lhes a utilização da tecnologia GM, que provou ser totalmente segura. Na Europa, a oposição à tecnologia GM tem sido impulsionada pela Greenpeace e pelas organizações anti-Organismos Geneticamente Modificados que espalham mentiras sobre os perigos. No processo, aumentaram a sua angariação de fundos e ganharam poder político. É altura de pararem. O seu ativismo está a matar pessoas e especialmente crianças em todo o mundo em desenvolvimento. É altura de repensarem o que dizem e fazem..O que podemos esperar de si este ano nas Conferências do Estoril?Vou falar sobre bactérias e a sua importância para a vida humana..Um dos seus temas frequentes é a disseminação da paz através da ciência e do comércio nas economias emergentes. Isso está relacionado com os Organismos Geneticamente Modificados? Como é que podemos fazer isso?Os Organismos Geneticamente Modificados são apenas uma parte da questão. A ciência é uma atividade essencialmente pacífica que constitui um bom exemplo de como as sociedades se devem comportar. Se és um cientista e viajas para o estrangeiro, quando conheces outro cientista tens um amigo. Embora possamos discordar sobre alguns assuntos, não achamos necessário disparar uns contra os outros para mostrar quem está correto. Os cientistas são também muito bons diplomatas, em parte devido à nossa filosofia comum sobre a ciência, mas também porque podemos interagir sem pensar em política. Isso não é algo que os diplomatas profissionais consigam fazer. Eles são frequentemente atrapalhados e bloqueados pela política..Vivemos numa época em que existem dois grandes cenários de guerra, na Ucrânia e no Médio Oriente. Poderão a ciência e o comércio espalhar a paz também aqui?Em princípio, poderiam, se lhes fosse permitido, mas Vladimir Putin é um exemplo de um homem extremamente mau. É um autocrata que não dá ouvidos à razão e, de facto, só ouve as pessoas que concordam com ele. É evidente que não tem qualquer compaixão pelas populações da Ucrânia e da Rússia, que estão a travar uma guerra verdadeiramente estúpida. 206 laureados com o Prémio Nobel assinaram uma petição que organizei para apelar a conversações de paz, mas Putin não estava interessado..Está ligado à Fundação Internacional para a Paz há 20 anos. Que trabalho desenvolveu com a Fundação?Dei palestras em muitos países, tentando difundir a paz através de visitas a universidades e faculdades e tentando convencer os estudantes dos benefícios da paz. Mas a maior parte do ativismo resultou dos esforços dos organizadores, Uwe Morawetz [fundador e chairman da Fundação Internacional para a Paz] e seus colegas, em conjunto com as nossas visitas..Pelo que sei, a sua viagem à Coreia do Norte, em abril de 2016, esteve ligada a este trabalho que faz com a Fundação Internacional para a Paz. Que realidade encontrou lá?Encontrámos uma série de informações interessantes sobre a Coreia do Norte e os estudantes. Os estudantes eram ótimos, mas muitas vezes não tinham consciência das limitações que o regime lhes impunha. Por exemplo, tinham uma intranet muito boa (limitada à Coreia do Norte), que pensavam ser a Internet. Muitas vezes não estavam conscientes das barreiras existentes que limitavam a sua capacidade de aceder a conhecimento fora da Coreia do Norte. Surpreendentemente, o sistema médico era bastante bom e, graças à telemedicina, os cidadãos que viviam em regiões remotas tinham um acesso bastante bom aos cuidados de saúde..É o diretor científico da New England Biolabs, nos Estados Unidos. Qual é o ambiente que se vive naquele país em vésperas de eleições presidenciais? O país está a ser agitado devido à divisão de Donald Trump e dos republicanos..Para o mundo científico, haverá diferenças se o vencedor das presidenciais de 5 de novembro for Donald Trump ou Kamala Harris? Muito. Donald Trump tem pouco respeito pela ciência..Como foi a presidência de Trump para os cientistas? Felizmente, apesar de Donald Trump não mostrar muito respeito pela ciência e pelos cientistas, a pandemia da covid limitou alguns dos seus desejos mais obscuros e ele não conseguiu decretar muitos dos cortes que os seus colegas republicanos queriam. No entanto, falhou redondamente em termos de convencer as pessoas a vacinarem-se e ele e os seus colegas espalharam muita desinformação..Apesar de viver e trabalhar nos Estados Unidos, é britânico. Como é que o Reino Unido viveu estes anos pró-Brexit e estes 14 anos com governos conservadores? O Brexit foi um erro enorme e continuamos a pagar por ele. O financiamento da ciência diminuiu e muitos cientistas foram-se embora. Embora algumas das instituições de financiamento da União Europeia tenham ajudado com bolsas conjuntas, a situação geral necessita de um grande afluxo de dinheiro para financiar a ciência e sistemas como o Serviço Nacional de Saúde, que se está a degradar rapidamente..ana.meireles@dn.pt