Relação entre EUA de Trump e as seis potências da Europa entre críticas, elogios e doses de diplomacia
A relação entre Estados Unidos e Europa está cada vez mais tensa devido à guerra comercial iniciada pelo presidente Donald Trump, ao enfraquecimento dos compromissos da NATO, à moderação no apoio à Ucrânia e às exigências para que os europeus gastem 5% do PIB em defesa, percentagem nem sequer Washington cumpre.
Na passada semana, o vice-presidente americano, JD Vance, disse que a Europa não pode ser uma “vassala permanente de segurança” dos EUA, mas destacou a França, o Reino Unido e a Polónia - três das seis maiores economias da Europa, segundo o Fundo Monetário Internacional, a par de Alemanha, Itália e Espanha - entre os poucos países europeus que considera dignos militarmente. O espírito da Casa Branca em relação à Europa foi deixado bem claro por Trump em fevereiro, quando disse que “a UE foi criada para lixar os EUA. (...) E eles tiveram sucesso. Mas agora sou o presidente.”
“O Ocidente tal como o conhecíamos já não existe”, disse há uma semana a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, referindo-se à deterioração das relações com os EUA.
Alemanha
A Alemanha é tida como um dos mais próximos aliados de Washington na Europa, mas as coisas mudaram com o regresso de Donald Trump, como se viu pelas declarações do futuro chanceler Friedrich Merz, que diz ser um transatlanticista, pouco depois da sua vitória nas eleições de 23 de fevereiro.“Esta é uma mudança de uma era”, disse o líder da CDU na Conferência de Segurança de Munique. “Se não ouvirmos o sinal de despertar agora, pode ser tarde demais para toda a União Europeia”.
Foi também neste palco que JD Vance criticou a Alemanha por causa dos ataques mortais levados a cabo por imigrantes e disse que Berlim tinha de se habituar à opinião de Elon Musk, um apoiante do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Em resposta, o porta-voz do governo alemão, Steffen Hebestreit, afirmou que os estrangeiros não devem “imiscuir-se nos assuntos internos de um país amigo”.
Há duas semanas, Merz disse que pretende encontrar-se em breve na Casa Branca com Donald Trump, uma reunião ainda sem data, mas que não deverá realizar-se antes de 6 de maio, dia em que o conservador será eleito chanceler pelo parlamento. “Para mim, a prioridade é a Europa”, afirmou Merz, dizendo que irá representar o bloco nesse encontro e não apenas a Alemanha.
França
O presidente francês, Emmanuel Macron, foi, a 24 de fevereiro, o primeiro líder europeu a ser recebido na Casa Branca por Donald Trump, encontro que teve lugar num altura em que os líderes ocidentais estavam a tentar responder à decisão do americano de negociar diretamente com a Rússia para pôr fim à guerra na Ucrânia, deixando potencialmente Kiev e a Europa fora do processo. “A situação é preocupante, mas não porque o presidente Trump queira negociar. Temos de o fazer compreender que os seus interesses são os mesmos que os nossos”, disse Macron antes do encontro, durante o qual, segundo vários analistas, o francês deu “uma aula da arte da diplomacia”, desde demonstrações públicas de afeto, recordar memórias comuns de tempos mais felizes, a falar em inglês. Até quando Macron corrigiu Trump sobre o financiamento europeu à Ucrânia o fez de forma diplomática, pousando a sua mão gentilmente sobre o braço de Trump.
O francês, a par do primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, tem sido um dos grandes protagonistas europeus em defesa da Ucrânia, com os dois líderes a organizarem nos últimos meses várias reuniões da chamada “coligação da boa-vontade”, da qual os Estados Unidos não fazem parte. “O presidente Macron é um homem muito especial para mim”, disse Trump na Sala Oval.
Paralelamente, o presidente francês tem tido um discurso mais duro no que diz respeito à guerra comercial, descrevendo ao anúncio das tarifas impostas por Trump como “brutal e infundado”. No último fim de semana, Macron convidou cientistas de todo o mundo para trabalhar em França ou na Europa, um convite feito sem referir os Estados Unidos, mas que surge numa altura em que a Casa Branca começou a cortar o financiamento às universidades e aos organismos de investigação.
Reino Unido
Três dias depois de Macron foi a vez do primeiro-ministro britânico se sentar na Sala Oval com Donald Trump e, tal como o francês, Keir Starmer levava na agenda a guerra na Ucrânia e o futuro da NATO, mas também as tarifas, já que Londres está fora da União Europeia, lembrando mais do que uma vez a “relação especial” que existe entre os dois países. Trump, referindo-se a Starmer, afirmou que “tens sido ótimo nas nossas discussões. Mas és um negociador muito duro. Não sei se gosto disso”.
No seu anúncio inicial, o líder da Casa Branca impôs tarifas de 10% ao Reino Unido, o mínimo previsto, levando Starmer a decidir não anunciar retaliações na esperança de alcançar um acordo comercial mais benéfico. Entretanto, JD Vance adiantou que os EUA estão a trabalhar “intensivamente” com o Reino Unido para alcançar um “importante” acordo económico bilateral.
A Ucrânia tem sido também um tema de conversa entre os dois líderes os seus vários telefonemas, mas aqui Londres tem estado alinhado com a Europa ao lado da Ucrânia, encabeçando com Paris a chamada “coligação da boa-vontade”.
Itália
A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, foi recebida por Donald Trump na quinta-feira, um encontro seguido com expectativa já que se tratou do primeiro encontro entre um líder europeu e o presidente dos EUA desde que este iniciou a sua guerra comercial com o resto do mundo, com o factor adicional de que foi também a única a única líder europeia a assistir à tomada de posse do republicano. O norte-americano apoia a política nacionalista e conservadora que Meloni leva a cabo em Itália, descrevendo-a como sendo “uma mulher maravilhosa” e uma “das verdadeiras líderes do mundo”, enquanto que a italiana diz querer ser uma “ponte”entre os Estados Unidos e a Europa.
Da sua viagem, Giorgia Meloni conseguiu trazer a promessa de que “haverá um acordo comercial, a 100%”. “Claro que haverá um acordo comercial. Eles [União Europeia] querem muito fechar um, e nós vamos fechar um acordo comercial, espero muito, mas será um acordo justo”, afirmou Donald Trump, naquela que foi a primeira vez que manifestou publicamente confiança nas negociações comerciais com a Europa.
Espanha
O ministro da Economia espanhol, Carlos Cuerpo, esteve na quinta-feira com o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, e recebeu um aviso: Madrid tem de gastar mais para cumprir as suas obrigações na NATO - Espanha está no fundo da lista dos gastos em Defesa, com apenas 1,28% do PIB , sendo que Pedro Sánchez já anunciou querer chegar aos 2% antes de 2029.
Mas os recados não ficaram por aqui: Bessent também sublinhou a oposição dos EUA à taxa Google - que obriga grandes tecnológicas a pagar mais impostos, o que é visto pela Casa Branca como uma forma de prejudicar empresas americanas - mas também a outras “barreiras não tarifárias”. Cuerpo, mais diplomático, disse ter saído de Washington com “a mensagem clara” de que os EUA “querem chegar a um acordo com os seus principais parceiros comerciais, entre os quais a União Europeia”.
O primeiro-ministro espanhol não tem sido muito vocal nas críticas diretas a Trump, apesar de não ter resistido a responder às críticas do republicano sobre a UE ter sido criada para lixar os EUA, dizendo que “grande parte da riqueza que este grande país que admiramos, os Estados Unidos, tem hoje deve-se também à Europa”.
Polónia
Na sua primeira viagem ao estrangeiro, em meados de fevereiro, o secretário da Defesa americano passou pela Polónia, “um aliado exemplar no continente”. Os elogios de Pete Hegseth são fáceis de perceber - a Polónia é o país que se encontra mais perto da meta dos 5% em gastos com a Defesa, com uma estimativa de 4,12% relativa a 2024 e uma expetativa de 4,7% para este ano.
O primeiro-ministro polaco tem tido uma atitude conservadora em relação ao entrar em conflito com Estados Unidos no que diz respeito a defesa, instando os seus parceiros europeus a aumentarem massivamente as despesas militares, apoiando o plano de Bruxelas para rearmar a Europa, mas ao mesmo tempo dizendo que se deve continuar a comprar armamento a Washington. “Independentemente do que alguém tenha para dizer ao outro, por vezes com palavras brutais não há razão para que aliados que discutem entre si não encontrem uma linguagem comum nas questões mais importantes.”, declarou Tusk em meados de fevereiro. Em março admitiu que “hoje, a situação da Polónia, objetivamente, e a situação da Ucrânia, em particular, é mais difícil do que era há alguns meses”, mas, mais uma vez evitou criticar Trump, notando que os “laços mais estreitos possíveis” com os EUA continuam a ser essenciais.
Mas não se pense que não têm havido palavras mais duras de Varsóvia em relação à Casa Branca. “A UE não foi criada para lixar ninguém. Muito pelo contrário” - foi assim Tusk respondeu no final de fevereiro a Trump, quando este se queixou que a “União Europeia foi criada para lixar os Estados Unidos”.