Rússia usa adolescentes para criar e testar drones para a guerra na Ucrânia
Tudo começa com um videojogo chamado Berloga, lançado em 2022, no qual “ursos inteligentes” têm de se defender contra enxames de abelhas, por vezes utilizando drones para as repelir.
O sucesso no jogo, que é jogado por centenas de milhares de jovens russos, pode levar a créditos extra nos exames finais do ensino secundário. Os jogadores mais bem sucedidos passam para competições mais avançadas, nas quais alunos podem serem contratados por empresas russas, muitas das quais estão sob sanções internacionais devido ao seu papel na indústria de defesa russa. Uma investigação do jornal russo no exílio The Insider revelou agora como as autoridades russas estão a envolver crianças e adolescentes na conceção e teste de drones para a guerra do país na Ucrânia.
O que começa com videojogos aparentemente inocentes, acaba com os alunos mais talentosos a serem contratados por empresas de defesa. Segundo o The Insider, citado pelo jornal britânico The Guardian, a educação “patriótica” e militarizada russa acaba muitas vezes por se traduzir numa participação direta destes jovens no esforço de guerra.
“Os miúdos estão ativamente envolvidos na modelação de componentes de sistemas para vários drones”, disse um dos adolescentes envolvidos ao The Insider. “Sei de várias pessoas que estavam a modelar componentes de veículos aéreos não tripulados para grandes empresas", continuou.
Desde a invasão russa da Ucrânia, a 24 de fevereiro, que o presidente russo, Vladimir Putin, tem defendido a necessidade de aumentar a produção de drones, que se tornaram numa arma de eleição neste conflito. Mas na linha da frente, a batalha dos drones está em constante mudança, à medida que ambos os lados descobrem novas tecnologias que permitem aos drones voar mais longe e iludir os sistemas de interferência eletrónica, e a Rússia está à procura dos jovens prodígios tecnológicos para ajudar neste esforço.
O próprio Putin terá aprovado o lançamento do Berloga e o projeto tem recebido apoio do Kremlin desde o início.
Do lado ucraniano, a aposta nos drones também tem marcado o esforço de guerra. Quando a invasão russa começou, as forças de Kiev pouco mais tinham do que umas dezenas de Bayraktar TB2, de fabrico turco. Estes mostraram-se letais durante os primeiros meses da guerra, mas os sistemas aéreos russos adaptaram-se rapidamente a um modelo grande, lento e caro, que começou a ser abatido, pelo que os restantes foram retirados para operações de reconhecimento. De 2022 para cá, a Ucrânia começou do zero uma indústria da qual é hoje líder mundial, com o uso de impressoras 3D de inteligência artificial, ou fibra ótica.
No texto "Drones antidrones, a nova arma de defesa ucraniana", o DN dava conta há dias de que "uma nova etapa da indústria ucraniana passará por um acordo de exportação de drones militares para os Estados Unidos em troca de armas", com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky a dizer ao New York Post que há um princípio de acordo com o presidente americano Donald Trump.
No caso dos russos, o The Insider falou com três adolescentes finalistas do concurso que trabalhavam em tecnologia de drones, que explicaram como funcionava e detalharam como estavam plenamente conscientes da aplicação militar de certos projetos, mas foram encorajados a escondê-la. "Fomos proibidos de dizer que era necessário para a guerra e inventámos aplicações civis. É um programa para crianças...", disse um deles.
Neste guerra, os pequenos drones FPV (visão na primeira pessoa) têm sido as armas mais mortíferas nas linhas da frente. Mas tanto a Rússia como a Ucrânia têm recorrido também a drones de longo alcance para atingir alvos mais distantes. Os russos têm enviados barragens de drones kamikaze para grandes cidades ucranianas, inclusive a capital, Kiev.
Crianças e adolescentes também estarão envolvidos na produção destes drones de maiores dimensões. Durante o passado fim de semana, um documentário transmitido pela estação de televisão do exército russo mostrou adolescentes a ajudar a construir drones kamikaze nas instalações do maior fabricante mundial de drones de ataque. Empregar crianças em instalações militares, que podem ser legitimamente visadas em tempo de guerra, viola inúmeras convenções internacionais.