O anúncio de Anne Hidalgo, no final de novembro, de que não iria procurar ser eleita para um terceiro mandato como presidente da Câmara de Paris, agitou ainda mais as águas da política francesa. Em especial na área da coligação que governa a capital francesa, onde há múltiplos pré-candidatos e pressões para desistências. Mas também à direita de Rachida Dati, a ministra da Cultura que se recandidata ao cargo, pode haver um membro da família Le Pen.Em números, a Câmara de Paris trabalha para mais de dois milhões de habitantes com mais de 51 mil funcionários e conta com uma dotação orçamental de 9,8 mil milhões de euros. Mas a capital parisiense é muito mais do que isso, e o seu magnetismo à prova do tempo foi comprovado com a organização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, os quais acabaram por convencer os mais céticos parisienses. O cargo de maire foi restabelecido em 1977 e desde então apenas teve quatro eleitos: Jacques Chirac, Jean Tiberi, Bertrand Delanoë e Anne Hidalgo. Quando as eleições se realizarem em março de 2026, os socialistas e seus aliados terão perfeito 25 anos no poder.. A continuidade da esquerda está longe de garantida. Por um lado, Rachida Dati, a presidente do 7.º Bairro e candidata derrotada em 2020 vai repetir a candidatura, desta feita com as sondagens a colocá-la em 1.º lugar. Por outro, as lutas internas dos socialistas e dos ecologistas, mais do que um momento de debate e posterior união, podem revelar-se destrutivas. Afinal, como diz o candidato Pierre-Yves Bournazel, do campo macronista, ao admitir não ser uma “estrela política”, Paris “é um cemitério de favoritos”. .Anne Hidalgo é personalidade do ano da Vanity Fair. Na semana passada, os socialistas parisienses reuniram-se, e sabe-se que o objetivo era pressionar Emmanuel Grégoire, antigo braço direito de Hidalgo, a desistir em favor de Rémi Féraud. Em tempos ambos foram próximos, mas os seus caminhos divergiram, com o último a tomar o lugar do primeiro como preferido de Hidalgo como seu delfim. Conta-se que a autarca responsabilizou o secretário-geral Olivier Faure pela falta de apoio na campanha das Presidenciais de 2022 (onde obteve 1,74%, o pior resultado de sempre de um socialista), bem como se mostrou contra os acordos que este assinou com a França Insubmissa - e que Grégoire não fez coro com a maire, tal como não a defendeu de uma polémica viagem ao Taiti em 2023.Já Féraud, que chefia os eleitos socialistas de Paris, mas é desconhecido do grande público, mostrou-se fidelíssimo. Hidalgo e os presidentes dos bairros disseram que a legitimidade estava com Féraud, o que Grégoire refutou, alegando que a legitimidade provém do projeto e da personalidade de cada um, pelo que se adivinha a realização de umas Primárias.Hermano Sanches Ruivo, vereador português eleito pelo 14.º Bairro desde 2008 nas listas do PS, mostra-se apreensivo. “É bom que haja uma decisão dos socialistas muito rapidamente, porque estamos a perder tempo sobre a campanha”, considera o independente, que é membro da Comissão das Relações Internacionais e dos Assuntos Europeus da autarquia.Pela sua parte, diz ao DN, está a trabalhar para que o número de eleitores de outras nacionalidades da UE cresça: estão inscritos pouco mais de 18 mil num universo de 80 mil de um bolo total de mais de 1,3 milhões de eleitores. .“O principal desafio de Paris é ter cada vez mais prerrogativas sem o respetivo financiamento a acompanhar, inclusive o financiamento vindo do Estado. Essa dificuldade é crescida em França porque nenhuma câmara pode apresentar um orçamento em défice, sob pena de ficar sob a tutela do governo.”Hermano Sanches Ruivo.Mas a divisão também ocorre entre os ecologistas e o caso está ainda mais confuso, com o último candidato a aparecer em cena, o senador Yannick Jadot, a recusar participar numas Primárias. “Se os ecologistas e os socialistas tiverem cada um as suas Primárias, isso colocar-nos-á em corredores paralelos e a esquerda ficará dividida, enquanto a direita se unirá atrás de Rachida Dati”, argumenta.Antes dele, tinham anunciado candidaturas David Belliard, adjunto da presidente da Câmara com as pastas da Mobilidade, Transportes e Espaços Públicos; Anne-Claire Boux, adjunta com a pasta da Saúde, e Fatoumata Koné, a líder dos ecologistas entre os eleitos em Paris.“Precisamos de renovação após 25 anos de gestão socialista. No entanto, todos os candidatos de esquerda são oriundos da maioria autárquica”, disse Jadot à AFP, apontando para si como a exceção. A secretária dos ecologistas, Marine Tondelier, apelou a que os outros três desistissem a favor do antigo eurodeputado, mas não teve sucesso.Também à extrema-direita o putativo candidato da União Nacional Thierry Mariani poderá vir a perder espaço caso Marion Maréchal confirme avançar. A sobrinha de Marine Le Pen saiu do Reconquista, de Éric Zemmour, e reaproxima-se do partido da tia.Esta aparente desunião contrasta com a candidatura de Rachida Dati. A ministra da Cultura - expulsa de Os Republicanos pelo anterior líder, Éric Ciotti, por ter integrado o governo - não deverá ter concorrência de peso no seu campo na primeira volta. O seu principal adversário pode ser a Justiça: os procuradores querem levá-la a julgamento por abuso de poder e abuso de confiança por ter recebido 900 mil euros da Renault-Nissan quando era eurodeputada. .Candidatos e pré-candidatosRachida Dati. Maire do 7.º Bairro desde 2008, a ex-ministra da Justiça durante a presidência de Sarkozy e atual ministra da Cultura, ficou em segundo lugar nas eleições de 2020. Agora é a favorita nas sondagens.Emmanuel Grégoire Foi o primeiro-adjunto de Hidalgo entre 2018 e 2024, mas a relação acabou mal. Em 2020 concorreu ao 12.º Bairro pelo PS; na 2.ª volta, a sua lista juntou-se vitoriosamente à dos verdes, mas não a liderou.Rémi Féraud É o candidato apoiado pela presidente Anne Hidalgo. Lidera o grupo de eleitos socialistas na Assembleia de Paris e é senador desde 2017. Foi presidente do 10.º Bairro entre 2008 e 2017.Yannick Jadot Militante ecologista, primeiro na Greenpeace, depois no partido que agora se chama Ecologistas, já foi candidato à presidência por duas vezes, eurodeputado durante 14 anos, e é agora senador.David Belliard Eleito vereador pelo 11.º Bairro para a Assembleia de Paris desde 2014, este ecologista é adjunto de Hidalgo desde 2020, tendo a seu cargo a Mobilidade, Transportes e Espaços Públicos.Pierre-Yves Bournazel Vereador de Paris eleito pelo 18.º Bairro desde 2008, tentou por duas vezes concorrer à presidência da Câmara. Agora o atual militante do partido Horizonte diz que não vai desistir.Ian Brossat Antes de ser eleito senador, em 2023, o comunista foi adjunto de Hidalgo com as pastas da Habitação e Proteção dos Refugiados. É eleito pelo 18.º Bairro desde 2008..Como funciona a eleição na capitalParis-Lyon-Marselha é o nome da lei aprovada em 1982 e que introduz uma exceção nas Eleições Municipais. Nestas cidades, o eleitor vota num candidato de uma lista do seu bairro (arrondissement), embora em Paris com a particularidade de os moradores do 1.º ao 4.º arrondissement elegerem o mesmo autarca, de Paris Centre. O número de eleitos por cada bairro, num total de 503, varia consoante o peso populacional: 163 são vereadores (conseillers) de Paris, os restantes trabalham em cada assembleia dos bairros. São estes 163 (os primeiros eleitos de cada lista) que, por fim, escolhem entre si o presidente. Oito dias depois, é a vez de os presidentes de cada bairro serem oficialmente eleitos em reunião, tendo em conta que a lista com maioria absoluta na primeira volta ou em primeiro lugar na segunda obtém metade dos lugares. Os restantes assentos são distribuídos de forma proporcional. .Presidenciais pós-Macron já mexemHá candidatos, pré-candidatos e há Marine Le Pen, a líder nas sondagens que, à quarta vez, pode ficar impedida de concorrer.Se as eleições autárquicas já mexem, em especial em Paris, não é menos verdade que o tiro de partida para as Presidenciais de 2027 já foi dado. Emmanuel Macron cumpre o seu segundo e último mandato, pelo que se abre o campo do centro e do centro-direita. O seu antigo primeiro-ministro, e líder do pequeno partido Horizontes, Édouard Philippe anunciou a candidatura ao Eliseu em setembro. Um pouco mais à direita, Xavier Bertrand, presidente da região Hauts-de-France, derrotado nas primárias de 2022 para as Presidenciais, também já fez saber publicamente que vai concorrer. O mesmo diz o presidente da Câmara de Cannes e líder do partido liberal Nova Energia, David Lisnard, caso haja primárias à direita. A estes nomes é expectável que outros se juntem. No campo macronista, o ex-primeiro-ministro Gabriel Attal e a presidente da Assembleia Nacional, Yaël Braun-Pivet; no campo gaullista, o ministro do Interior Bruno Retailleau está a ganhar pontos face a Laurent Wauquiez, líder da bancada dos Republicanos e encarregado de refundar o partido após a saída rocambolesca do seu líder, Éric Ciotti, para o campo da extrema-direita. E é neste campo que outra candidatura já foi anunciada, a de Marine Le Pen. Mas à mulher que já concorreu em três ocasiões para a presidência não lhe basta vontade e apoio popular - na mais recente sondagem lidera com 35% e 38%, consoante os restantes candidatos. É que no dia 31 de março a justiça decide se é condenada no processo de fraude dos assistentes no Parlamento Europeu; caso seja, arrisca-se a não poder ser eleita para cargos públicos durante cinco anos. Nesse cenário, o presidente da União Nacional, Jordan Bardella, seria o candidato natural. À esquerda, ninguém ainda se assumiu candidato. O nome do ex-presidente François Hollande volta a ser badalado, ao lado do líder Olivier Faure ou de Carole Delga, presidente da região da Occitânia. Entre os aliados socialistas, o eurodeputado Raphaël Glucksmann é outra hipótese. Mais à esquerda, é esperada a quarta candidatura de Jean-Luc Mélenchon, mas poderá ter concorrência no seu campo pelo ex-França Insubmissa François Ruffin.