A Mongólia é elogiada pela sua democracia. Como foi o caminho até hoje e que importância têm esses valores para o lugar da Mongólia no mundo? Desde 1990 que a Mongólia, entre a Rússia e a China, está no caminho da democracia. Eu tive a sorte de ser um dos líderes do movimento democrático na Mongólia, no final dos Anos 1980. Um aspeto a destacar neste movimento é que foi totalmente pacífico. Durante esse período, a Mongólia era o segundo país comunista a seguir à Rússia e, nessa altura, a União Soviética estava intacta e, na China, houve o Massacre de Tiananmen, mas, entre ambos, a Mongólia fez uma grande transição, uma grande mudança, de uma forma totalmente pacífica. Foi um facto notável. Não derramámos uma única gota de sangue. Não quebrámos uma única janela. Através de conversações e negociações, conseguimos isso. A Mongólia, que estava muito isolada, é agora um dos países mais conectados da nossa região. A Mongólia era um dos países mais fechados, agora é uma democracia aberta e vibrante, e as pessoas estão a beneficiar com isso. Estamos na via democrática há 35 anos e temos uma democracia parlamentar. Na nossa região, a maioria dos países optou por uma governação de tipo presidencial e tornou-se autoritária, mas a democracia parlamentar exige mais envolvimento, mais inclusão, mais desenvolvimento das instituições, das organizações não-governamentais, dos partidos políticos e, no fim de contas, acreditamos no nosso povo. A democracia significa gerir a nossa sociedade pela vontade do povo. Os meus pais eram pastores de ovelhas e eu sou o filho mais novo dos oito rapazes da minha família. Tive a sorte de, graças à escolha livre dos mongóis, servir o meu povo duas vezes como primeiro-ministro e duas vezes como presidente. Agora estou reformado, a dar palestras e a viajar..Já falou dos seus dois vizinhos, os gigantes Rússia e China, com os quais a Mongólia tem uma longa fronteira. A neutralidade é a chave para manter uma boa relação com ambos? Uma coisa que gostaria de dizer é que vivemos lado a lado há milénios e, em tempos, a Mongólia foi uma grande potência, que controlava a Rússia, a China e toda a região. Foi o maior império terrestre, e isso manteve-se durante dois ou três séculos. Atualmente, a Mongólia é um país pacífico e gostaríamos de manter boas relações com China e Rússia. Temos cerca de 5000km de fronteira com os nossos dois vizinhos. A Mongólia tem uma grande área, cinco vezes a França, mas em termos de população é um país pequeno. .Três milhões de habitantes? Sim, 3,5 milhões. O que significa que costumamos dizer que este modo de vida na Mongólia foi escolhido pelo nosso povo e que estamos a servir a vontade do povo e a representá-lo. Quando fui primeiro-ministro e presidente, falei com os líderes dos nossos dois vizinhos, o russo Vladimir Putin e o chinês Xi Jinping, que ainda estão no poder. Reuni-me cerca de 30 vezes com Xi e Putin, respetivamente, e tratei das relações bilaterais e trilaterais. Como disse, gostamos da nossa independência e soberania, gostamos da nossa liberdade, mas a Mongólia também quer manter relações com os nossos dois vizinhos e também relações abertas com outros países. Graças a isso, estamos a funcionar, estamos a viver, e a nossa maior esperança é o nosso povo..Devido a essa relação de proximidade com a Rússia, a Mongólia esteve nas notícias há uns meses devido à visita de Putin, com o Ocidente a pressionar as autoridade mongóis para o deterem, uma vez que o presidente russo é alvo de um mandado do Tribunal Penal Internacional, de que a Mongólia é membro. Mas não o fizeram. Este episódio prejudicou a relação com o Ocidente? Este equilíbrio é muito delicado. Quando se está ensanduichado entre dois gigantes, como é que se pode prender um líder desses países? Penso que o próprio Putin sabia que, se fosse à Mongólia, ninguém o prenderia. E o mundo inteiro sabe que a Mongólia não o pode prender. Não é uma grande surpresa. Quando vêm convidados, tratamo-los como tal. Também é preciso perceber que o Governo da Mongólia pode ter uma posição e as pessoas terem uma opinião diferente. Houve quem fosse muito crítico relativamente à visita de Putin. Eu sou um dos críticos. Mas quando se foi primeiro-ministro e presidente, mas já se está fora da política, criticar o próprio país [a partir] de fora não é bom. Tento compreender a nossa situação política, e esse equilíbrio é uma coisa boa. Mau ou bom, fracasso ou sucesso, tudo está em equilíbrio, e a Mongólia está a tentar equilibrar-se. .Como disse, ninguém estava mesmo à espera que a Mongólia detivesse Putin, então para quê tanta pressão, sobretudo por parte dos europeus? Temos de ouvir todas as vozes. Eu sei como foi difícil para o nosso presidente e o nosso primeiro-ministro, e como havia opiniões diferentes. E espero que o Ocidente e essas pessoas possam ter um espírito crítico relativamente a essa visita. Espero que tenham mais compreensão, e talvez fosse bom ouvirem a posição oficial do Governo sobre o que aconteceu..Tradicionalmente a economia da Mongólia baseava-se na agricultura e criação de gado, mas hoje é uma economia moderna e em crescimento. Foi uma grande evolução. Antes de 1990, antes dessa grande transição, a Mongólia era um país-satélite da União Soviética. A maior parte das nossas relações económicas e comerciais eram com a URSS. Atualmente, a maior parte das relações são com a China. Além disso, a Mongólia é um dos 10 países mais ricos em termos de recursos naturais. A maior parte das nossas exportações vai para a China, que é um grande mercado. Quando falamos da Mongólia como um país sem litoral, isso coloca dificuldades. Mas apesar de não termos litoral, não estamos bloqueados pela mente e também não estamos bloqueados pelo mercado. Existe um mercado grande e faminto, que é a China, e estamos a negociar com ela. Claro que uma coisa que nos preocupa é manter o equilíbrio. Para tal, a Mongólia está sempre à procura de mais investimento de outros países, para além dos nossos vizinhos. Por outro lado, é claro que é necessário diversificar a economia. Depender apenas da agricultura ou da exploração mineira não é bom, temos de investir noutros setores, e tentamos investir em três. O primeiro é a produção - se fabricarmos mais produtos de valor acrescentado, isso será bom para o nosso país. O segundo é a infraestrutura. Como país ensanduichado por dois vizinhos gigantes, precisamos de nos ligar às infraestruturas regionais, e o investimento é muito importante. E o terceiro é o investimento no capital humano. No fim de contas, as pessoas são a solução para os nossos problemas e estamos a tentar fazer isso..Quais são os principais desafios para o futuro? Na Mongólia, mais de 40% dos habitantes ainda seguem o modo de vida nómada. No nosso país, temos 3,5 milhões de habitantes, 1,5 milhões de km2 de terra e 70 milhões de cabeças de gado. É muito espaço aberto, o que significa que existe algum dano para o ambiente, e sabemos isso devido às alterações climáticas. Sabemos que isso se deve às alterações climáticas. Temos problemas de diversificação e outros, mas estamos a tentar resolvê-los. E claro que não podemos resolver estes problemas sozinhos. Tentamos abordar esta questão com os nossos vizinhos e também com instituições internacionais. .Quando pensamos na Mongólia ainda pensamos em Genghis Khan. Como é que os mongóis veem hoje o seu legado? Genghis Khan uniu as tribos que lutavam entre si durante a época medieval, no século XIII, e estabeleceu, em 1206, o grande Império Mongol. Introduziu uma série de leis que funcionam como uma Constituição. Isso foi nove anos antes da Magna Carta. Genghis Khan foi eleito pela assembleia do povo. Todos os nossos khans foram eleitos. Durante esse período, a ligação com o resto do mundo, com a Ásia, com o Médio Oriente e com a Europa, através da Rota da Seda, era muito importante. E a primeira coisa que Genghis Khan fez foi assegurar os caminhos da Rota da Seda, por onde todas as trocas de bens entre países e continentes se realizam. E apesar de ter invadido, durante esse tempo, a maior parte da terra conhecida, não ergueu uma única estátua para si próprio. Costumo dizer que Gen- ghis Khan não era uma pessoa assim tão má, mas não contratou uma boa empresa de relações públicas [risos]. Por isso, foi compreendido de forma negativa. Mas agora, quando as pessoas fazem pesquisas, veem que foi um grande visionário, que trouxe uma nova ordem mundial, o Estado de Direito e a livre troca de ideias, a liberdade de expressão, a liberdade religiosa era respeitada durante o Império Mongol, a permissão de comércio livre. Todas essas coisas floresceram durante esse período, que ficou conhecido como a Pax Mongolica. Durante dois séculos, sob essa ordem mundial, não houve grandes guerras. Se quisermos construir um bom futuro, penso que também é bom aprender com o passado e incorporar o que nele havia de bom no nosso presente e futuro. Genghis Khan foi um dos grandes líderes da Humanidade..Genghis Khan estabeleceu essas relações com diferentes partes do mundo. Ainda vemos isso hoje na Mongólia, esse desejo de conexão? Quando se fala de soft power e de relações, penso que Genghis Khan foi muito bem-sucedido porque sabia ouvir. O seu pai foi envenenado e morreu quando ele era criança, e ele tomou conta da mãe e dos irmãos e irmãs. E sempre deu ouvidos à mãe. Sempre respeitou as mulheres. Sempre respeitou as irmãs. Respeitava a sua mulher, a sua rainha. E o que a mãe dizia, ele entendia como lei. Apesar de ser o maior governante da época, perante aquela mulher frágil e pequena, ele fazia sempre uma vénia e ouvia-a. Apesar de os homens mongóis terem expandido o país, foram as mulheres que o mantiveram intacto, e esse foi o nosso segredo. É por isso que, na Mongólia, apoiamos mais mulheres em posições de liderança. Talvez um dos êxitos da nossa existência seja por nos preocuparmos com esse equilíbrio.