Putin foi recebido de madrugada por Jong-un, que o acompanhou ao hotel onde pernoitou.
Putin foi recebido de madrugada por Jong-un, que o acompanhou ao hotel onde pernoitou.Gavriil GRIGOROV / POOL / AFP

Putin e Jong-un assinam casamento de conveniência

 Dois regimes militaristas e sob sanções internacionais continuam a estreitar relações. Agora com um tratado de “parceria estratégica abrangente”.
Publicado a
Atualizado a

Nada é deixado ao acaso na ditadura hereditária que dá pelo nome oficial de República Popular Democrática da Coreia (RPDC). Antes da chegada de Vladimir Putin ao aeroporto de Pyongyang - onde foi recebido por Kim Jong-un - foi publicado um artigo assinado pelo líder russo a celebrar o aprofundamento das relações bilaterais, enquanto nos postes de iluminação da capital foram penduradas enormes faixas com uma fotografia do russo com a frase “Damos as boas-vindas ao presidente Putin!”. Até que ponto este romance de conveniência entre estes dois países sob sanções vai frutificar é a grande dúvida. 

A Rússia e o Norte estão “agora a desenvolver ativamente a parceria multifacetada”, escreveu Putin no referido artigo que sinaliza uma reavaliação das relações com o país que está tecnicamente em guerra com a Coreia do Sul. Em paralelo, o Kremlin divulgou uma ordem presidencial a declarar que Moscovo pretende assinar um “tratado de parceria estratégica abrangente” com a Coreia do Norte. O tratado incluirá questões de segurança. Segundo um relatório do Instituto de Estratégia de Segurança Nacional, com sede em Seul, Pyongyang deverá discutir formas de reforçar a cooperação em áreas como o turismo, a agricultura e a exploração mineira, “em troca do fornecimento de material militar” à Rússia. O destacamento de trabalhadores norte-coreanos ou o fornecimento de energia à Coreia do Norte poderão também ser matéria de discussão, escreveu o investigador do referido instituto Kim Sung-bae, segundo a AFP.

Numa linguagem agressiva como é prática da ditadura comunista de Pyongyang, no artigo Putin elogiou o “camarada” Kim e prometeu “resistir conjuntamente a restrições unilaterais ilegítimas”. Além de garantir que “a Rússia sempre apoiou e continuará a apoiar a RPDC e o heroico povo coreano na sua oposição ao inimigo insidioso, perigoso e agressivo”, o autocrata russo prometeu ainda desenvolver o comércio e reforçar a segurança em toda a Eurásia.

“Apreciamos muito que a RPDC esteja a apoiar firmemente as operações militares especiais da Rússia que estão a ser conduzidas na Ucrânia”, lê-se no texto de Putin publicado pelos meios de comunicação norte-coreanos. 
O regime norte-coreano é dos poucos no mundo a reconhecer a anexação da Crimeia e o único, a par da Síria, a reconhecer a anexação das regiões de Donetsk, Lugansk, Zaporíjia e Kherson.

Mais do que isso, em setembro do ano passado, ao visitar o extremo oriente russo pela segunda vez, Jong-un declarou o seu apoio à Rússia na sua “luta sagrada contra o imperialismo” enquanto ambas as partes procuravam extrair algo da outra: Moscovo necessitava de munições e artilharia e Pyongyang queria acesso a tecnologia para aplicar no seu programa espacial e na construção de submarinos de propulsão nuclear, além de cereais, segundo os peritos afirmavam então. Sabe-se que desde então a Coreia do Norte enviou para órbita o seu primeiro satélite espião e os Estados Unidos acusaram a Rússia de usar mísseis balísticos de curto alcance oriundos de Pyongyang, ao arrepio das sanções aplicadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde Moscovo tem assento. 

A Coreia do Sul também afirma que o Norte também forneceu dezenas de mísseis balísticos; além disso, calcula que a Rússia tenha recebido cerca de cinco milhões de munições da época soviética. À Bloomberg, o ministro da Defesa sul-coreano Shin Wonsik disse que o apoio ao Kremlin será reforçado. No entanto, o Norte diz que as alegações de fornecimento de armas e munições são “absurdas”.

Nem todos acreditam no romance entre Putin e o terceiro Kim. “Existe demasiada desconfiança mútua entre os dois países. A atual melhoria das relações entre os dois países é motivada por circunstâncias conjunturais”, afirmou Andrei Lankov, um estudioso das relações russo-norte-coreanas e professor universitário em Seul, citado pelo The Washington Post.

Em plena pandemia, para saírem da Coreia do Norte, diplomatas russos tiveram de empurrar um vagão até à fronteira. (FACEBOOK DO MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS DA FEDERAÇÃO RUSSA)

Altos e baixos da relação

Com Kim Jong-Il
No primeiro ano da presidência, em 2000, Putin visita a Coreia do Norte pela primeira vez, mas até 2017 alinha na política de sanções imposta pela ONU. 

Em Vladivostok
Em 2019 Kim Jong-un viaja de comboio até ao extremo oriente russo para uma cimeira com Putin.

Saída de diplomatas
A pandemia fechou ainda mais a Coreia do Norte. Em 2021, diplomatas russos tiveram de sair do país a empurrar um vagão. 

Renovar de laços
Em julho de 2023, o ministro da Defesa Sergei Shoigu visita Pyongyang e em setembro Kim volta à Rússia. Um mês depois, o EUA acusam a Coreia do Norte de enviar armas e munições para a Rússia.

cesar.avo@dn.pt
    

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt