Nada é deixado ao acaso na ditadura hereditária que dá pelo nome oficial de República Popular Democrática da Coreia (RPDC). Antes da chegada de Vladimir Putin ao aeroporto de Pyongyang - onde foi recebido por Kim Jong-un - foi publicado um artigo assinado pelo líder russo a celebrar o aprofundamento das relações bilaterais, enquanto nos postes de iluminação da capital foram penduradas enormes faixas com uma fotografia do russo com a frase “Damos as boas-vindas ao presidente Putin!”. Até que ponto este romance de conveniência entre estes dois países sob sanções vai frutificar é a grande dúvida. .A Rússia e o Norte estão “agora a desenvolver ativamente a parceria multifacetada”, escreveu Putin no referido artigo que sinaliza uma reavaliação das relações com o país que está tecnicamente em guerra com a Coreia do Sul. Em paralelo, o Kremlin divulgou uma ordem presidencial a declarar que Moscovo pretende assinar um “tratado de parceria estratégica abrangente” com a Coreia do Norte. O tratado incluirá questões de segurança. Segundo um relatório do Instituto de Estratégia de Segurança Nacional, com sede em Seul, Pyongyang deverá discutir formas de reforçar a cooperação em áreas como o turismo, a agricultura e a exploração mineira, “em troca do fornecimento de material militar” à Rússia. O destacamento de trabalhadores norte-coreanos ou o fornecimento de energia à Coreia do Norte poderão também ser matéria de discussão, escreveu o investigador do referido instituto Kim Sung-bae, segundo a AFP..Numa linguagem agressiva como é prática da ditadura comunista de Pyongyang, no artigo Putin elogiou o “camarada” Kim e prometeu “resistir conjuntamente a restrições unilaterais ilegítimas”. Além de garantir que “a Rússia sempre apoiou e continuará a apoiar a RPDC e o heroico povo coreano na sua oposição ao inimigo insidioso, perigoso e agressivo”, o autocrata russo prometeu ainda desenvolver o comércio e reforçar a segurança em toda a Eurásia..“Apreciamos muito que a RPDC esteja a apoiar firmemente as operações militares especiais da Rússia que estão a ser conduzidas na Ucrânia”, lê-se no texto de Putin publicado pelos meios de comunicação norte-coreanos. O regime norte-coreano é dos poucos no mundo a reconhecer a anexação da Crimeia e o único, a par da Síria, a reconhecer a anexação das regiões de Donetsk, Lugansk, Zaporíjia e Kherson..Mais do que isso, em setembro do ano passado, ao visitar o extremo oriente russo pela segunda vez, Jong-un declarou o seu apoio à Rússia na sua “luta sagrada contra o imperialismo” enquanto ambas as partes procuravam extrair algo da outra: Moscovo necessitava de munições e artilharia e Pyongyang queria acesso a tecnologia para aplicar no seu programa espacial e na construção de submarinos de propulsão nuclear, além de cereais, segundo os peritos afirmavam então. Sabe-se que desde então a Coreia do Norte enviou para órbita o seu primeiro satélite espião e os Estados Unidos acusaram a Rússia de usar mísseis balísticos de curto alcance oriundos de Pyongyang, ao arrepio das sanções aplicadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde Moscovo tem assento. .A Coreia do Sul também afirma que o Norte também forneceu dezenas de mísseis balísticos; além disso, calcula que a Rússia tenha recebido cerca de cinco milhões de munições da época soviética. À Bloomberg, o ministro da Defesa sul-coreano Shin Wonsik disse que o apoio ao Kremlin será reforçado. No entanto, o Norte diz que as alegações de fornecimento de armas e munições são “absurdas”..Nem todos acreditam no romance entre Putin e o terceiro Kim. “Existe demasiada desconfiança mútua entre os dois países. A atual melhoria das relações entre os dois países é motivada por circunstâncias conjunturais”, afirmou Andrei Lankov, um estudioso das relações russo-norte-coreanas e professor universitário em Seul, citado pelo The Washington Post..Em plena pandemia, para saírem da Coreia do Norte, diplomatas russos tiveram de empurrar um vagão até à fronteira. (FACEBOOK DO MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS DA FEDERAÇÃO RUSSA).Altos e baixos da relação.Com Kim Jong-Il No primeiro ano da presidência, em 2000, Putin visita a Coreia do Norte pela primeira vez, mas até 2017 alinha na política de sanções imposta pela ONU. Em Vladivostok Em 2019 Kim Jong-un viaja de comboio até ao extremo oriente russo para uma cimeira com Putin. Saída de diplomatas A pandemia fechou ainda mais a Coreia do Norte. Em 2021, diplomatas russos tiveram de sair do país a empurrar um vagão. Renovar de laços Em julho de 2023, o ministro da Defesa Sergei Shoigu visita Pyongyang e em setembro Kim volta à Rússia. Um mês depois, o EUA acusam a Coreia do Norte de enviar armas e munições para a Rússia..cesar.avo@dn.pt