Donald Trump tornou-se, de vez, protagonista da política, da economia e da lei brasileiras. Depois de Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), ter determinado a prisão domiciliária de Jair Bolsonaro na segunda-feira, 4, o Escritório do Departamento de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental condenou a decisão contra o aliado ideológico do presidente norte-americano. O governo de Lula da Silva teme que o caso prejudique as negociações comerciais entre os dois países, às vésperas de um telefonema previsto entre Planalto e Casa Branca.“O juiz Moraes, agora um violador de direitos humanos sancionado pelos EUA, continua a usar as instituições brasileiras para silenciar a oposição e ameaçar a democracia", escreveu o órgão governamental dos EUA. “Impor ainda mais restrições à capacidade de Jair Bolsonaro de se defender em público não é um serviço público. Deixem Bolsonaro falar! Os Estados Unidos condenam a ordem de Moraes que impõe prisão domiciliária a Bolsonaro e responsabilizarão todos aqueles que auxiliarem e forem cúmplices da conduta", finaliza o comunicado.Moraes agravara horas antes as medidas cautelares contra Bolsonaro, ao determinar prisão domiciliária com proibição de visitas e recolha de telemóveis porque o réu, em processo de suposto golpe de estado contra o governo eleito de Lula, infringiu, segundo o magistrado, as medidas cautelares anteriores a que estava obrigado. Em causa, o uso de redes sociais de aliados – incluindo dos filhos políticos e outros políticos – para divulgar mensagens com “claro conteúdo de incentivo e instigação a ataques ao STF e apoio ostensivo à intervenção estrangeira no poder judicial brasileiro”. “Não há dúvidas”, prossegue Moraes, “de que houve o descumprimento da medida cautelar imposta a Jair Messias Bolsonaro”. Para o juiz, a atuação do ex-presidente, mesmo sem o uso direto de seus perfis, “burlou de forma deliberada a restrição imposta anteriormente”. O despacho sublinha que as condutas de Bolsonaro demonstram “a necessidade e adequação de medidas mais gravosas de modo a evitar a contínua reiteração delitiva do réu”.Em manifestações a favor da amnistia de Bolsonaro no domingo, um dos organizadores do ato no Rio de Janeiro, o senador Flávio Bolsonaro, primogénito de Bolsonaro, colocou o pai ao telefone para falar ao público. “Boa tarde, Copacabana. Boa tarde, meu Brasil. Um abraço a todos. É pela nossa liberdade. Estamos juntos", disse o ex-presidente na ocasião.A defesa de Bolsonaro, entretanto, discorda. “Cabe lembrar que na última decisão constou expressamente que 'em momento algum Jair Messias Bolsonaro foi proibido de conceder entrevistas ou proferir discursos em eventos públicos'. E ele seguiu rigorosamente essa determinação”, disseram os advogados Celso Vilardi, Cunha Bueno e Daniel Tesser.Por causa da decisão, Moraes que já havia sido incluído pelo governo dos EUA na Magnitsky, uma lei que permite sanções financeiras a cidadãos estrangeiros por aplicar as medidas cautelares anteriores, ficou ainda mais na mira da Casa Branca. Em paralelo ao braço de ferro entre o poder executivo norte-americano e o poder judicial brasileiro, a administração Trump declarou guerra comercial ao governo Lula: no final de julho anunciou o aumento de 10% para 50% das tarifas das exportações brasileiras para território norte-americano, um valor mais alto do que o aplicado à maioria dos outros parceiros económicos. A decisão teve influência do deputado Eduardo Bolsonaro, terceiro filho de Jair, que vive desde março nos EUA e mantém relação próxima da ala mais radical do governo Trump. Geraldo Alckmin, vice-presidente da República, os ministérios da Fazenda e da Relações Exteriores e grupos de senadores e de empresários conseguiram reduzir a tarifa de 50% para menos de metade dos setores da economia ao longo da última semana. O passo diplomático seguinte seria um telefonema de Lula a Trump. “Lula pode ligar quando quiser”, disse o republicano no dia 1 de agosto. A chamada, em cuidadosa preparação nos últimos dias no Planalto e no Itamaraty, sede da diplomacia brasileira, pode agora ficar comprometida, ou pelo menos o tom dela, pela decisão de Moraes de manter Bolsonaro em prisão domiciliária, num quebra-cabeças que ata os dois maiores países do continente a americano política, económica e legalmente.ReaçõesLula reagiu aos últimos desenvolvimentos sem citar Bolsonaro. “Acho que hoje é um dia de dar boas notícias”, afirmou esta terça-feira, dia 5, à margem do Conselho de Desenvolvimento Económico Social Sustentável, conhecido como Conselhão. “Vim comprometido a não falar muito da taxação mas tenho que falar porque também, se eu não falar, vocês vão dizer 'por que o Lula não falou, tem medo do Trump?'. Também não quero falar do que aconteceu com aquele outro cidadão, que tentou dar o golpe...quero falar é do país".O senador Flávio Bolsonaro disse que vai “pedir autorização a Moraes” para visitar o pai ao lado do irmão, o vereador Carlos Bolsonaro, que, entretanto, deu entrada no hospital, abalado com a prisão do pai. “Somos filhos, ele não tem motivo para proibir isso, só quem consegue falar com ele é a Laurinha [filha mais nova de Bolsonaro] porque mora lá…” No Congresso, Flávio disse depois que “Moraes deve ser alvo de impeachment” por “não ter mais capacidade de representar a mais alta corte deste país”.Horas depois, deputados e senadores da oposição protestaram nas cadeiras dos presidentes das duas casas e ameaçaram impedir votações caso não seja colocada em agenda a amnistia a Bolsonaro e outros envolvidos no suposto golpe. Gilberto Kassab, líder do PSD, partido que faz parte tanto do governo federal de Lula como do governo paulista de Tarcísio de Freitas, provável candidato presidencial em 2026 contra o atual presidente, achou “desnecessária” a decisão de Moraes. “Sem entrar no mérito da questão, associo-me na solidariedade ao ex-presidente, lamentando a sua prisão, é tudo que o país não precisava, esse enfrentamento, esse desgaste, essa escalada, é lamentável o que o país está vivendo, os exageros dos dois lados estão contaminando o Brasil”. Colega de Moraes no STF, o juiz Flávio Dino escreveu nas redes sociais que “o fruto da Justiça será paz; o resultado da Justiça será tranquilidade e confiança para sempre”. O QUE BOLSONARO PODE FAZER-Receber a visita de advogados a qualquer momento-Receber visitas mas só desde que previamente autorizadas pelo Supremo-Ter contato com quem mora na residência, a ex-primeira dama, Michelle, a filha e a enteada O QUE BOLSONARO NÃO PODE FAZER -Sair de casa. Antes, só tinha de cumprir recolhimento das 19h às 06h, agora tem de ficar 24 horas confinado -Antes estava proibido de se aproximar de embaixadas e consulados; agora não pode ter contacto sequer com autoridades estrangeiras-Não pode receber visitas dos quatro filhos políticos, que não moram com ele, a não ser que o Supremo autorize -Nem receber ou contactar os demais réus e investigados no processo em que é investigado -Antes podia usar telemóvel mas estava proibido de publicar nas redes sociais direta ou indiretamente; agora, além da proibição do uso de redes, não pode usar telemóvel, apreendido pela polícia-Ser fotografado ou filmado pela família ou pelos visitantes.EUA criticam prisão domiciliária de Bolsonaro e ameaçam responsabilizar envolvidos