"Quase não há nada”, tanto em instituições de caridade, como nos mercados, pelo que as pessoas com dificuldades estão “a arranjar apenas um pouco de comida para continuarem a sobreviver”, dizia esta quarta-feira à BBC Amjad Shawa, diretor da Rede de Organizações Não-Governamentais Palestinianas. O relato deste responsável prosseguia, dizendo que não existem “recursos seguros” para a água e a maioria das pessoas corre o risco de contrair doenças, “enquanto passam fome”, e que, devido à falta de medicamentos, “todos os dias perdemos um grande número de doentes” com diabetes, cancro, problemas renais ou cardíacos. “Precisamos de centenas de camiões [de ajuda humanitária] diariamente para travar a deterioração e, ao mesmo tempo, impedir estes ataques contra civis palestinianos”, apelou Shawa.Os palestinianos continuavam esta quarta-feira à espera da prometida entrada no enclave de alimentos, mas segundo informações do Exército israelita, menos de 100 camiões de ajuda tinham chegado a Gaza desde segunda-feira, dia em que o governo de Benjamin Netanyahu concordou em suspender o bloqueio de 11 semanas que está a pôr em risco a sobrevivência da população.“A decisão das autoridades israelitas, de permitir uma quantidade ridiculamente inadequada de ajuda em Gaza, após meses de um cerco hermético, sinaliza a sua intenção de evitar a acusação de deixar as pessoas de Gaza com fome, enquanto na verdade as mantêm à beira da não-sobrevivência”, disse ontem à AFP o coordenador de emergência da Médicos Sem Fronteiras na cidade de Khan Younis, no sul de Gaza, Pascale Coisard. “É uma cortina de fumo para fingir que o cerco acabou”, acrescentou.Paralelamente, os ataques israelitas continuaram ontem a atingir a Faixa de Gaza, matando pelo menos 82 pessoas, incluindo várias mulheres e um bebé de uma semana, segundo o Ministério da Saúde de Gaza e os hospitais do enclave.O retomar dos ataques a Gaza nos últimos dois meses, e a cada vez mais insustentável situação humanitária dos palestinianos devido ao bloqueio da ajuda decretado por Israel, está a fazer aumentar o tom de condenação vindo de países que até agora mantinham alguma cautela em criticar Telavive. Mas também tem levado a que figuras israelitas de destaque venham publicamente criticar a política do governo de Netanyahu de uma forma extremamente dura.Esta quarta-feira, o antigo primeiro-ministro Ehud Olmert disse, numa entrevista à BBC, que o que Israel “está a fazer, agora, em Gaza é muito próximo de um crime de guerra” e que o executivo de Netanyahu estava a travar “uma guerra sem propósito, uma guerra sem hipótese de conseguir algo que possa salvar as vidas dos reféns”. Na terça-feira, Yair Golan, antigo vice-chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel (IDF) e atual líder do partido de esquerda Democratas, já havia dito que Israel “está a caminho de se tornar um Estado pária, como foi a África do Sul, se não voltarmos a agir como um país sensato”. Em entrevista à emissora pública Yan, o major-general referiu ainda que “um país são não luta contra civis, não mata bebés como passatempo e não tem como objetivo expulsar populações”. Palavras que lhe valeram as críticas de vários quadrantes políticos, desde o primeiro-ministro à oposição, e até ao Exército.“Ouvi Olmert e Yair Golan, e é chocante”, criticou já esta quarta-feira Netanyahu numa mensagem em vídeo. “Enquanto os soldados das IDF lutam contra o Hamas, há quem reforce a falsa propaganda contra o Estado de Israel.”Fora de portas, a União Europeia anunciou na terça-feira que vai rever o seu acordo de associação com Israel, uma medida aprovada por uma maioria dos 27 e justificada pela líder da diplomacia comunitária da seguinte forma: “O que isto diz é que os países veem que a situação em Gaza é insustentável, e o que nós queremos é realmente ajudar as pessoas, e o que nós queremos é desbloquear a ajuda humanitária para que ela chegue às pessoas.”Também o Reino Unido anunciou na terça-feira a suspensão das negociações de um acordo comercial devido ao bloqueio em Gaza, alegando que “não podemos ficar parados perante esta nova deterioração. É incompatível com os princípios que sustentam a nossa relação bilateral”, conforme explicou o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, David Lammy. Já esta quarta-feira, a secretária de Estado para o Desenvolvimento, Jenny Chapman, na sua primeira visita à região, anunciou o envio de 3,75 milhões de euros em ajuda para “apoiar as organizações no terreno que procuram levar alimentos, água e medicamentos a quem deles necessita”. Chapman considerou ainda “abominável” a decisão de Israel de permitir apenas uma quantidade básica de alimentos em Gaza após um bloqueio “indefensável” de 11 semanas.