"Usa o teu voto. Ou outros decidirão por ti” foi o lema de uma campanha do Parlamento Europeu vista mais de 500 milhões de vezes, mas o seu impacto, a avaliar pela afluência às urnas, terá sido marginal. Desta vez, segundo os resultados provisórios, 51% dos europeus votaram, quando em 2019 a percentagem foi de 50,6% - aí sim, um aumento considerável face a 2014, oito pontos. Mas o que é que os europeus decidiram? As sondagens previam o crescimento à direita e em especial da extrema-direita - o que acabou por se concretizar, à custa em especial da perda dos Verdes e dos liberais - tendo a derrota mais tonitruante, em França, ditado a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições. As consequências práticas desta viragem são a grande dúvida a esclarecer nas próximas semanas e meses, a começar pela eleição do presidente do Parlamento Europeu, mas sobretudo pelo presidente da Comissão..O Partido Popular Europeu (PPE, conservador) voltou a ser o grupo político a recolher mais votos nas Eleições Europeias, seguido dos Socialistas & Democratas. Em relação ao mandato que agora expira sairá ligeiramente reforçado em deputados. Mas a correlação de forças entre os dois maiores grupos não se alterou de forma significativa. Face às projeções, o presidente do PPE, Manfred Weber, apelou aos líderes da Alemanha e da França (o primeiro da família S&D, o segundo da família liberal) para apoiarem a cessante presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que se candidata a um segundo mandato..“Espero agora que Olaf Scholz deixe claro que apoia a vencedora das eleições, nomeadamente Ursula von der Leyen. E o mesmo se aplica a Emmanuel Macron, como presidente de França, mas sobretudo como o político mais forte da família do partido liberal na Europa”, disse Weber, antevendo a dificuldade da presidente da Comissão em obter apoios suficientes. Em 2019, a dirigente alemã conseguiu uma maioria de nove deputados. “Qualquer outra coisa levaria a uma grande instabilidade política na Europa e eu previno contra isso. É por isso que agora precisamos de clareza por parte dos outros partidos rapidamente.”.Por sua vez, a candidata, em tom vitorioso, afirmou: “Somos o partido mais forte, somos a âncora da estabilidade. Juntamente com outros, construiremos um bastião contra os extremos, da esquerda e da direita. Vamos detê-los!” Ao que os seus correligionários cantaram “Mais cinco anos”. A antiga ministra da Defesa reconheceu que os extremos à esquerda e à direita ganharam apoio popular, mas que “o centro aguentou-se”. Em consequência, afirmou que “o resultado traz uma grande responsabilidade para os partidos do centro”. Daí que Von der Leyen tenha adiantado, desde já, que vai começar por contactar os grupos S&D e os liberais do Renew. “Trabalhámos bem juntos nos últimos cinco anos e vamos continuar a manter uma relação construtiva e comprovada”, afirmou..O candidato do grupo S&D, o comissário europeu Nicolas Schmit, reconheceu que o grupo não alcançaria o primeiro lugar das preferências dos europeus, para depois realçar que o “forte segundo lugar” tem a força suficiente para não poderem ficar de fora das decisões. “Sem nós não há maioria.”.O luxemburguês, porém, coincidiu com Von der Leyen no que toca ao radicalismo, ao apelar para todas as forças democráticas “unirem forças, se juntarem e não olharem para os extremos” na próxima legislatura. “Comecei a minha campanha a dizer que não deve haver nenhuma abertura, nenhuma concessão, nenhum acordo com a extrema-direita. Isto está mais sólido do que nunca”, afirmou Schmit, que vê na luta contra as alterações climáticas a prioridade do próximo mandato..Apesar de terem alcançado bons resultados nos países do norte da Europa, os Verdes foram dos mais fustigados pelos eleitores, perdendo cerca de um quarto da representação. Philippe Lamberts, copresidente do grupo, aconselhou a provável maioria a formar, entre conservadores, sociais-democratas e socialistas e liberais a evitar a extrema-direita e, apesar dos “resultados dececionantes”, reafirmou a importância do seu grupo político no Parlamento Europeu. “Se quisermos que as sociedades europeias continuem a ser seguras para todos, mais do que nunca as forças democráticas têm de se manter unidas”, declarou..As forças de extrema-direita ganharam peso, em especial devido aos resultados nos países mais populosos - Alemanha, Espanha, Itália e França -, mas apresentou resultados díspares noutros países, ora não subindo tanto quanto esperado, ou mesmo perdendo peso, caso da Suécia. Por outro lado, as forças de extrema-direita estão longe de um entendimento..A Alternativa para a Alemanha (AfD), que obteve um resultado acima do esperado, foi recentemente expulsa do grupo Identidade e Democracia (ID) após uma série de escândalos envolvendo o seu cabeça de lista. O partido estará tentado a criar um novo grupo político, noticia a Euronews, assim consiga reunir no mínimo 23 eleitos de, pelo menos, sete países. Com os partidos mais extremistas fora do ID, será tema a acompanhar o projeto de unir este grupo onde pontifica a Reunião Nacional de Marine Le Pen ao grupo eurocético dos Conservadores e Reformistas, onde os Irmãos de Itália, da primeira-ministra Giorgia Meloni, e o espanhol Vox de Santiago Abascal ganharam mais peso. Segundo os resultados provisórios, a junção destes dois grupos criaria o terceiro maior, com 128 eurodeputados, menos sete do que os Socialistas & Democratas..Até à primeira sessão plenária, a decorrer em Estrasburgo de 16 a 19 de julho, será tempo para negociações intensas. Presidente, vice-presidentes do Parlamento, assim como os cinco questores (eurodeputados encarregados das questões financeiras dos colegas) são os primeiros a eleger. Mais tarde, e depois de os líderes dos 27 países proporem - com enorme probabilidade - o nome de Ursula von der Leyen, esta terá de seduzir os mais de 400 eurodeputados dos três grupos. Em 2019, muitos eleitos não seguiram as indicações de voto das respetivas lideranças..cesar.avo@dn.pt