O príncipe André “era simpático o suficiente, mas ainda assim arrogante - como se acreditasse que ter relações sexuais comigo era o seu direito de nascença”. A frase é do livro de memórias póstumo de Virginia Roberts Giuffre, que se suicidou em abril aos 41 anos e alegava que tinha apenas 17 quando foi obrigada a fazer sexo com o filho da rainha Isabel II, seguindo as ordens de outro dos seus abusadores, Jeffrey Epstein. A denúncia não é nova, tendo vindo a público pela primeira vez em 2015, com André sempre a negar as acusações - mesmo quando chegou a acordo com Giuffre em 2022 para que ela desistisse de o processar. Em 2019, após uma desastrosa entrevista ao programa Newsnight da BBC sobre o caso, o irmão do rei Carlos III deixou de ser tratado como Sua Alteza Real. Mas a publicação esta terça-feira (21 de outubro) de Nobody’s Girl (a menina de ninguém, numa tradução literal) está a reacender a polémica, tendo levado o príncipe de 65 anos a renunciar ao uso dos seus títulos, incluindo o de duque de York.“Em discussão com o rei e a minha família, concluímos que as acusações contínuas contra mim desviam a atenção do trabalho de Sua Majestade e da Família Real”, escreveu André num comunicado, na sexta-feira. “Mantenho a minha decisão de há cinco anos de me afastar da vida pública. Com a concordância de Sua Majestade, sentimos que devo agora dar um passo em frente. Por isso, não usarei mais o meu título nem as honras que me foram conferidas”, acrescentou André, voltando a negar “veementemente” as acusações..Príncipe André renuncia aos títulos reais, incluindo o de Duque de York.A ideia do comunicado era pôr um ponto final na polémica, depois de emails que trocou com Epstein terem vindo a público, mostrando que manteve a relação com o pedófilo (que morreu em 2019 na prisão, antes de ser julgado, num aparente suicídio) para lá do que tinha afirmado. E procurar antecipar as novas revelações que eram esperadas com a publicação do livro de Giuffre. Mas esta polémica (já houve outras, relacionadas com os seus negócios na China) só cresceu, arriscando ofuscar a viagem do seu irmão, o rei Carlos III, ao Vaticano, esta quinta-feira (23 de outubro).A visita de Carlos e de Camilla é histórica porque pela primeira vez desde a separação da Igreja Anglicana da Igreja Católica, há quase 500 anos, um monarca britânico vai rezar publicamente ao lado de um papa. O monarca, que é o líder supremo da Igreja de Inglaterra, vai participar num culto ecuménico especial na Capela Sistina, centrado nos temas da união cristã e a proteção ambiental (causas que Carlos III tem defendido)..Histórico. Carlos III será o 1.º rei britânico a rezar com um papa desde a separação das igrejas há 500 anos.Em 1534, o rei Henrique VIII declarou-se líder supremo da Igreja de Inglaterra, depois de entrar em choque com a autoridade papal e a Igreja Católica Romana - tudo porque o monarca queria anular o seu primeiro casamento com Catarina de Aragão, que não lhe dava herdeiros. Desde a chamada Reforma Inglesa e a separação das igrejas que um rei inglês não reza publicamente com um papa. O serviço será liderado conjuntamente por Leão XIV e pelo arcebispo de York, Stephen Cotrell, havendo também a participação do coro da Capela Sistina, assim como os da Capela de São Jorge e da Capela Real.“Este encontro sublinha a forte relação entre as Igrejas Católica e Anglicana em questões ambientais”, indicou a irmã Alessandra Smerilli, secretária do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, num encontro com os jornalistas no Vaticano na sexta-feira, citado pelo site Vatican News. “O papa Francisco recordava-nos frequentemente que tudo está ligado e que as crises ambientais e sociais devem ser enfrentadas em conjunto. O papa Leão deu continuidade a esta abordagem com novas ações”, acrescentou. No âmbito da visita, o rei Carlos III será também homenageado com o título de Confrade Real de São Paulo na Basílica de São Paulo Extramuros, reconhecendo os laços de longa data entre a Coroa Britânica e a abadia beneditina anexa à basílica romana. Para assinalar a ocasião, foi criado uma cadeira especial decorada com o brasão do rei e a inscrição em latim Ut unum sint (para que todos sejam um, João 17:21). Carlos III vai sentar-se na cadeira durante o serviço, ficando esta depois disponível para uso dos seus herdeiros e sucessores.Ir mais alémMas, durante a visita ao Vaticano, o rei poderá ser confrontado com a situação do irmão, com novas revelações diárias a manterem a polémica acesa e cada vez mais apelos para que opte pelo exílio. A polícia britânica já confirmou que está a investigar a alegação de que, em 2011, André terá pedido a um dos membros da sua segurança (paga pelos contribuintes britânicos) para “procurar podres” sobre Giuffre, de forma a desacreditar as suas acusações. Uma fonte do Palácio de Buckingham disse à Sky News que a Família Real acredita que as acusações contra o príncipe André “devem ser examinadas da forma mais adequada e completa”. Mas esta terça-feira (21 de outubro) soube-se que o responsável pela proteção real na altura é atualmente um dos principais funcionários da Firma (o nome pelo qual é conhecida a instituição que existe em torno da Família Real britânica). Peter Rosslyn, antigo comandante da Polícia Metropolitana, é o secretário pessoal do rei e da rainha, não sendo claro se foi informado na altura do suposto pedido do príncipe. Nem a polícia, nem a Firma quiseram comentar o envolvimento de Rosslyn. A polémica não se fica por aí. Há quem defenda que André deve perder o título de duque de York (ele anunciou que não o ia usar, mas por lei ainda é seu). Para isso será preciso o Parlamento passar legislação nesse sentido, sendo que o rei terá defendido que não queria que os deputados perdessem tempo com isso. Eles não estão preocupados e há movimentações para o fazer. Há ainda quem queira ir mais longe, defendendo que ele não deve ser sequer príncipe - André é príncipe desde que nasceu, já que a mãe já era rainha. Outro problema para Carlos é o facto de André viver numa mansão de 30 quartos em Windsor, que pertence ao património real, mas pela qual paga uma renda simbólica. A imprensa britânica revelou que fora o milhão de libras que pagou no início do contrato de arrendamento por 75 anos, em 2003, e dos 7,5 milhões que pagou para as obras no edifício, André tem pago uma ninharia. Uma situação ainda mais mal vista, tendo em conta os problemas de habitação que muitos britânicos enfrentam. O próximo passo poderá ser forçar o príncipe a deixar a mansão, onde também vive a sua ex-mulher, Sarah Ferguson. A antiga duquesa de York foi outras das que caiu em desgraça com o caso Epstein. Há semanas foi revelado que, apesar de publicamente ter renunciado à amizade com o pedófilo e o ter criticado, pediu-lhe desculpas num email em que o apelidava de “amigo supremo e generoso” - supostamente ele ajudou-a financeiramente durante anos. O gabinete da duquesa indicou que ela só pediu desculpas porque foi ameaçada com um processo judicial. Mas várias organizações de caridade optaram por cortar os laços com ela, assumindo-se também que não voltará a aparecer em eventos a envolver a família real.