Reportagem revelou que a presidente teria 14 relógios, três deles Rolex
Reportagem revelou que a presidente teria 14 relógios, três deles RolexJOSH EDELSON / AFP

Os Rolex da presidente do Peru desencadeiam moção de censura

Casa e gabinete de Dina Boluarte foram alvo de buscas por parte das autoridades, que suspeitam de enriquecimento ilícito. Chefe de Estado denuncia assédio e recusa demitir-se.
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Foram os relógios de luxo que Dina Boluarte usou em vários eventos oficiais, começando logo no tempo em que era ministra do Desenvolvimento e Inclusão Social e vice-presidente, que estão na base da atual crise política no Peru. A presidente, que assumiu o cargo em 2022 após a destituição de Pedro Castillo, ainda não explicou a origem dos Rolex e, no sábado, tanto a sua casa como o gabinete foram alvo de buscas. O Ministério Público suspeita de enriquecimento ilícito, enquanto Boluarte denuncia assédio. Mas já é alvo de uma moção de censura no Congresso.

“A presidente foi formalmente intimada a mostrar os relógios Rolex”, indicou a procuradoria peruana, explicando que estes não foram encontrados durante as buscas - apesar de ter sido encontrado o comprovativo de compra de um deles, no ano passado. Boluarte foi chamada a prestar declarações à Justiça na próxima sexta-feira. O seu advogado indicou que a polícia fotografou, mas não levou, cerca de dez relógios. “Entre eles, alguns bons, mas não sei dizer se eram Rolex”, afirmou Mateo Castañeda à estação de rádio RPP.

A presidente criticou as buscas, que decorreram na madrugada de sábado e nas quais a polícia entrou com violência em sua casa. “A medida da madrugada é arbitrária, desproporcional e abusiva”, afirmou, explicando que sempre esteve à disposição das autoridades e que este caso está a afetar a governabilidade do país. “A presidente tem vindo a ser atacada sistematicamente e, por isso, a democracia e o Estado de Governo são atacados, gerando instabilidade política, social e económica”, acrescentou.

Boluarte, por indicação do advogado, não se pronunciou sobre a origem dos supostos 14 relógios de luxo (três deles alegados Rolex), que foi revelada há umas semanas no programa online La Encerrona.  Após a reportagem, a presidente, de 61 anos, tinha dito que os Rolex eram “antigos” e fruto do seu “esforço”, tendo começado a trabalhar desde os 18. Antes de entrar na política, foi funcionária do Registo Nacional de Identificação e Estado Civil, tendo chegado a dirigir um dos seus escritórios.

O caso dos Rolex não é apenas judicial, com o antigo partido da presidente - Peru Livre (marxista) - a apresentar uma moção de censura que pode levar à sua destituição. O partido anunciou que tinha as 26 assinaturas necessárias para desencadear o processo, alegando “incapacidade moral permanente”, a desculpa usada no passado para afastar outros presidentes peruanos. Consideram o caso “grave”, já que Boluarte não declarou os relógios de luxo às autoridades. Isso implica “a violação dos princípios éticos e morais de alguém que ocupa o mais alto cargo do país”, alegam, falando nomeadamente na questão da transparência. 

Boluarte rejeita demitir-se e não é certo que a moção de censura possa passar no Congresso. A presidente conta com o apoio dos quatro partidos de direita e de extrema-direita, apesar de pelo menos um deles pedir que dê explicações sobre a origem dos relógios. Estes partidos contam com 47 deputados no Congresso, longe dos 65 da maioria, mas até agora o apoio de congressistas independentes alinhados tem sido suficiente para a governabilidade.

Destino dos ex-presidentes

Ollanta Humala (2011-16)

Foi o último presidente peruano a acabar o seu mandato, mas enfrenta atualmente a Justiça, acusado de corrupção no caso da construtora Odebrecht. 

Pedro Pablo Kuczynski (2016-18)

Suspeito também de receber subornos da Odebrecht, foi salvo da destituição no Congresso pelo partido de Keiko Fujimori. Três dias depois, perdoou o pai da líder da oposição, o ex-presidente Alberto Fujimori, que estava preso. Suspeitou-se de troca de favores e acabou por se demitir. É investigado por corrupção.

Martin Vizcarra (2018-2020)

Era vice-presidente de PPK e foi chamado a terminar o mandato dele, mas acabou destituído por “incapacidade moral permanente” por corrupção na época em que era governador de Moquegua. Está impedido de ocupar cargos públicos por 10 anos. 

Manuel Merino (2020)

O seu mandato só durou cinco dias, questionado nas ruas em protestos violentos.

Francisco Sagasti (2020-21)

Terminou, no meio da contestação e da pandemia de covid-19, o mandato iniciado por Vizcarra.

Pedro Castillo (2021-22)

O antecessor de Dina Boluarte enfrentava o terceiro processo de destituição no Congresso, por suspeita de corrupção, quando optou pelo autogolpe. Tentou dissolver o Congresso e mexer no Poder Judicial, mas não tinha apoio nem da polícia, nem do Exército e acabou preso. É acusado de rebelião, entre outros crimes. 

susana.f.salvador@dn.pt

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