No feriado em que a Hungria comemora o início da revolta de 1956 contra o estalinismo, as ruas de Budapeste foram o palco de duas marchas antagónicas. De um lado, a “marcha pela paz” organizada pelo campo de Viktor Orbán; do outro, uma “marcha nacional” protagonizada pelo líder da oposição Péter Magyar, cujo partido de centro-direita Tisza está à frente nas sondagens. A seis meses das próximas eleições legislativas, a mobilização do eleitorado já começou, inclusive com a presença de cidadãos oriundos de países vizinhos.As marchas pela paz e segurança já fazem parte da paisagem política húngara, mas desta vez Orbán aproveitou a data da revolução de 1956 e a aproximação da abortada cimeira entre Donald Trump e Vladimir Putin - os seus maiores aliados - em Budapeste para tentar marcar pontos entre o eleitorado. .E a quem atribuiu responsabilidades? Sem surpresa, à União Europeia. “Bruxelas decidiu fazer a guerra”, disse. “Se Bruxelas não estivesse a obstruir o presidente norte-americano, a guerra já teria terminado”, acusou perante uma multidão que, além das tricolores húngaras, mostrava uma faixa com a frase “Não queremos morrer pela Ucrânia”, ou com t-shirts com a imagem de Orbán e o texto, em inglês, “O líder da Europa, patriota e pacificador”. O primeiro-ministro magiar aproveitou para assestar baterias contra a oposição, ao afirmar que estes, ao quererem uma mudança de governo, “estão a apoiar a guerra”. Noutro ponto de Budapeste, e horas depois, Péter Magyar ripostou: “O político que antigamente exigia a retirada das tropas russas é hoje o aliado mais fiel do Kremlin. Aquele que outrora afirmava que a democracia e o comunismo eram incompatíveis aplicou um sistema que concentra o poder, supervisiona e controla a imprensa, e governa o seu país baseado no medo.”.Orbán tem sido o líder europeu mais adepto do apaziguamento para com Putin e mais crítico de Kiev. Mas as eleições na Eslováquia - e agora na Chéquia - tiram-no do isolamento europeu (cujos fundos continuam bloqueados), que já era compensado pelo apoio político de Washington e económico de Pequim. A cimeira Putin-Trump com Orbán seria o coroar do seu posicionamento e uma derrota diplomática e política para Bruxelas. Sistema eleitoral à medidaPrimeiro-ministro desde 2010, Orbán aproveitou a maioria obtida com a coligação do seu partido, Fidesz, com o KDNP (Partido Popular Democrata-Cristão) para alterar as regras do jogo eleitoral uma e outra vez, tornando cada vez mais difícil a tarefa da oposição em apresentar-se a votos, quanto mais obter espaço na comunicação social por si controlada. O facto de as sondagens darem a liderança ao Tisza não signifique outra coisa que um indicador sobre a popularidade de Magyar, o homem que rompeu com Orbán. É bom recordar que nas eleições anteriores o Fidesz-KDNP levava cinco pontos de vantagem nas sondagens à coligação da oposição e acabou por obter uma supermaioria com 68% dos 199 assentos da Assembleia Nacional.Para tais números contribuíram novas distorções na lei eleitoral, como o “turismo eleitoral”, ou seja, a possibilidade de um eleitor votar onde quiser, o que permitiu a mais de 157 mil votarem noutros círculos eleitorais - o que ajudará a explicar que o então candidato da oposição perdeu no seu próprio círculo. A isto acrescente-se os 450 mil eleitores das minorias húngaras dos países circundantes, apoiantes em massa de Orbán. Alguns estiveram presentes na “marcha pela paz”, transportados em autocarros. É o caso de Sándor Kerekes, oriundo da Transilvânia, na Roménia. “É importante sentirmos poder encontrar pessoas com ideias semelhantes, que pensem as mesmas coisas e reflitam com unidade”, disse à Associated Press.