O que são os fracassados acordos de Minsk que Macron tenta recuperar?
Condicionado pelo desenrolar da guerra, Kiev assinou em 2014 e em 2015 dois acordos com os rebeldes pró-russos. A serem postos em prática, perderia soberania, o que é considerado inaceitável entre ucranianos, em especial entre nacionalistas. Mas para o presidente francês são a via certa para sentar à mesa adversários e chegar a um novo pacto.
O que é o acordo Minsk I?
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Na ressaca da guerra que rebentou em abril de 2014 entre militares ucranianos e rebeldes pró-russos das regiões orientais de Donetsk e Lugansk, o novo presidente ucraniano, Petro Poroshenko, propõe um acordo de paz em junho e em agosto (que incluía o estabelecimento de uma zona-tampão na fronteira para impedir o abastecimento russo), quando os reservistas ucranianos se juntam ao Exército e retomam partes do território. Altura em que milhares de soldados russos entram de forma não assumida no conflito e impõem pesadas baixas nas tropas adversárias, mal preparadas. É nesse contexto que a capital da Bielorrússia é palco, em setembro desse ano, de negociações que desembocam no acordo de Minsk.
Ao longo de 12 pontos, este previa uma trégua, a troca de prisioneiros, a distribuição de ajuda humanitária e a retirada de armas pesadas. Mas também três artigos impostos por Moscovo: a adoção de uma "lei sobre o estatuto especial" das duas regiões que haviam proclamado a independência, e que descentralizaria temporariamente o poder em Lugansk e Donetsk; a realização de eleições locais, e "um diálogo inclusivo a nível nacional". Apesar de se ter realizado a troca de prisioneiros e de ter havido uma redução temporária do conflito, o acordo fracassou, com violações realizadas por ambas as partes.
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O que é o acordo Minsk II?
Um novo fracasso militar ucraniano em Debeltseve, com centenas de soldados cercados há um mês, criou as condições desfavoráveis para um novo acordo, firmado em 12 de fevereiro de 2015 entre representantes da Rússia, Ucrânia, Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e os líderes das regiões separatistas, sob o olhar dos presidentes russo, Vladimir Putin, e francês, François Hollande, e da chanceler alemã, Angela Merkel. O acordo de 13 pontos é o resultado de visões opostas e, como tal, Kiev e Moscovo interpretam o documento, mais a mais escrito com termos contraditórios e confusos, de formas distintas.
"Os acordos de Minsk são o único caminho que permite construir a paz e encontrar uma solução política sustentável." Emmanuel Macron
Minsk II previa uma nova Constituição ucraniana, na qual se reconheceria a descentralização das regiões e em especial as peculiaridades de Donetsk e Lugansk, garantindo, entre outras coisas, o direito à "autodeterminação linguística"; a nomeação de procuradores e juízes com a intervenção das autoridades locais; "cooperação transnacional" entre as regiões ocupadas e as regiões da Rússia com o apoio das autoridades centrais; direito dos parlamentos locais em criar milícias populares. Em contrapartida, a Ucrânia retomaria o controlo da fronteira (já sem zona-tampão) antes de todos os passos do acordo serem concluídos e realizar-se-iam eleições nas duas regiões sob os padrões da OSCE.
A isto juntaram-se mais exigências por parte dos pró-russos em maio. Por exemplo, Donetsk e Lugansk passariam a ter responsabilidade pela regulação jurídica da fronteira da Ucrânia com a Rússia; o direito de celebrar acordos com Estados estrangeiros; autonomia financeira, e a Ucrânia escreveria uma cláusula de neutralidade na sua Constituição. Estas exigências não foram acordadas.
Porque ficou conhecido como "charada de Minsk"?
O acordo foi assinado pelo embaixador russo, mas não há qualquer referência à Rússia como uma parte do acordo, o que tem levado Moscovo a declarar que é um mediador e que não tem responsabilidade pela sua execução. Outro dado essencial, o acordo não refere uma única vez a soberania da Ucrânia.
Como analisa Duncan Allan, da Chatham House, a visão da Ucrânia passa por restabelecer o controlo no leste antes de um acordo político, com a Rússia a retirar-se e mais tarde a realizarem-se eleições sob o quadro da OSCE, cedendo alguns poderes às regiões através de um programa nacional de descentralização. Já para os russos, Minsk II implica um acordo político finalizado antes de Kiev retomar o controlo de Donbas: primeiro seriam realizadas eleições e Kiev acordaria uma devolução abrangente do poder a estes regimes, que incluiria capacidade de veto em decisões como a adesão à NATO.
"Em suma, Minsk II apoia opiniões de soberania mutuamente exclusivas: ou a Ucrânia é soberana (a interpretação da Ucrânia), ou não é (a interpretação da Rússia): esta é a 'charada de Minsk'."
Por que Macron insiste neste acordo?
Além de cálculos políticos domésticos relacionados com a sua reeleição, o presidente francês crê que este é o único quadro que levará russos e ucranianos a sentarem-se à mesa. E estiveram, na sexta-feira passada, sob mediação francesa e alemã, em Berlim, mas ao fim de nove horas acordou-se apenas continuar em março.
O que diz Kiev?
A aceitação dos acordos tal como estão redigidos seria vista como uma capitulação que os setores nacionalistas não aceitam. A linha oficial é a de que há três linhas vermelhas que não se podem ultrapassar: não comprometer a integridade territorial, não negociar diretamente com separatistas, e não permitir qualquer interferência na sua política externa. No entanto, diz o presidente Volodymyr Zelensky que pode haver uma via diplomática alternativa, a qual deverá passar por conceder um estatuto especial às duas regiões.