Cerca de dez horas depois do primeiro aperto de mão, no início de um debate tenso em Filadélfia, Kamala Harris e Donald Trump voltaram a cumprimentar-se esta quarta-feira, desta vez na cerimónia oficial do 23.º aniversário dos atentados do 11 de Setembro, em Nova Iorque. A vice-presidente e candidata democrata foi dada como a vencedora da noite - mesmo se o adversário republicano tenha dito que foi o seu melhor debate “de sempre” -, mas a dúvida é saber se o desempenho de Harris é suficiente para convencer os indecisos e se isso se vai traduzir em mais votos..O segundo aperto de mão entre Harris e Trump, sob o olhar do presidente Joe Biden, foi facilitado pelo ex-presidente da câmara de Nova Iorque, Michael Bloomberg. Este assistiu à cerimónia entre Biden, que tinha a vice-presidente ao seu lado direito, e Trump, que estava acompanhado pelo seu candidato a vice, J. D. Vance. Antes da cerimónia, o ex-presidente deu uma entrevista à Fox News a atacar a adversária, considerando que o debate foi “manipulado” a favor dela. Mas não terá repetido o mesmo no Ground Zero, sendo visível nas imagens da transmissão Harris a dizer várias vezes “obrigada”..“Hoje é um dia de memória solene em que lamentamos as almas que perdemos no ataque terrorista hediondo do 11 de Setembro de 2001”, disse Harris numa mensagem divulgada pela Casa Branca - não houve discursos na cerimónia em Nova Iorque. “Quando comemoramos este dia, todos devemos refletir sobre o que nos une como um: o maior privilégio da Terra, o orgulho e o privilégio de ser um americano”, acrescentou..Tanto Harris como Trump estiveram também em Shanksville, na Pensilvânia, local da queda do voo 93 há 23 anos, com a vice-presidente a visitar ainda o terceiro local dos atentados terroristas de 2001, o Pentágono. Já o republicano visitou um quartel dos bombeiros de Nova Iorque, com J. D. Vance..O primeiro aperto de mão.Trump e Kamala cumprimentam-se antes do debate. FOTO: SAUL LOEB / AFP.A campanha é retomada esta quinta-feira, mas ainda no rescaldo do debate. À entrada do cenário preparado pela ABC em Filadélfia, Harris tomou a iniciativa e aproximou-se do palanque de Trump para o cumprimentar. “Kamala Harris. Vamos ter um bom debate”, disse-lhe a vice-presidente. “Que bom vê-la. Divirta-se”, respondeu-lhe o republicano. .Era a primeira vez que se cruzavam e Harris, que era quem mais tinha a perder, não mostrou medo - foi o mau desempenho no debate com Trump e a pressão subsequente que levaram Biden a desistir. Mas a vice-presidente tinha a lição estudada e soube desferir os golpes no local mais doloroso para o republicano: o ego. E Trump não foi capaz de resistir a responder..Isso ficou visível, por exemplo, quando Harris desafiou os eleitores a irem a um comício de Trump, para o ouvirem “falar de personagens fictícias como Hannibal Lecter”- mas nunca dos problemas que afetam os cidadãos. E disse que “as pessoas começam a sair dos comícios por cansaço e tédio”. O debate não permitia perguntas entre os candidatos, mas na intervenção seguinte - sobre o tema que queria falar, a imigração - Trump optou por dizer que os seus comícios são “os maiores” e os “mais incríveis na história da política”..Já Harris não desperdiçou a oportunidade num tema que lhe garante votos: o aborto. “Ninguém tem que abandonar a sua fé ou crenças profundas para concordar que o governo, e especialmente Donald Trump, não deveria estar a dizer a uma mulher o que fazer com o seu corpo”, afirmou. O republicano acabou por acusar os democratas de apoiarem o aborto aos nove meses e “execuções após o parto” - o que foi negado pela moderadora..Em várias ocasiões, Trump caía em divagações, como quando referiu uma história - que já foi denunciada como falsa - de que imigrantes “estão a comer cães” de estimação em Springfield (Ohio). Ou quando disse que Harris quer “fazer operações de mudança de sexo a imigrantes ilegais que estão na prisão”..Com os microfones desligados quando o outro falava, mas o ecrã dividido a mostrar sempre ambos, as expressões faciais de Harris transmitiam tudo o que estava a pensar. Para uns denotou falta de profissionalismo, para outros foi uma oportunidade para muitos memes nas redes sociais. As expressões não parecem ter prejudicado a vice-presidente, que quando tentou falar por cima ouviu de Trump: “Espere um minuto, estou a falar agora, se não se importa, por favor. Soa familiar?” No debate com o então vice-presidente Mike Pence, em 2020, Harris saiu-se com um “estou a falar” ao ser interrompida..A democrata também disse que Trump “foi despedido por 81 milhões de pessoas”, mas não o quer admitir - ele insiste que ganhou as eleições de 2020 -, e alegou que “ditadores e autocratas estão a torcer” para que ele volte a ser presidente, “porque o podem manipular com lisonjas e favores”. Ainda em política internacional, o republicano alegou que se estivesse no poder a guerra na Ucrânia nunca teria começado, respondendo que quer que a guerra acabe - mas recusando dizer diretamente se quer a vitória da Ucrânia. Em relação à Faixa de Gaza, defendeu que se Harris ganhar, Israel já “não vai existir dentro de dois anos”..O ex-presidente tentou sempre ligar Harris a Biden - de tal forma que a vice-presidente, a determinada altura, lhe lembrou que era ela a adversária - mas durante muito tempo acabou por estar ele próprio a defender o que fez na Casa Branca. Quando a política da atual administração foi questionada, Harris conseguiu evitar falar do seu papel. Também deu a volta ao tema quando foi questionada pelas mudanças de opinião entre a sua candidatura à presidência em 2019. E só na declaração final, que fechou o debate, Trump teve um dos seus melhores momentos: “Ela vai fazer estas coisas incríveis”, referiu em relação às promessas. “Porque é que ainda não o fez?”.O que muda com o debate?.As eleições são dentro de pouco mais de 50 dias e o país está demasiado dividido para se perceber que impacto pode ter este debate. Ao longo dos 90 minutos, a democrata irritou o republicano, mas para os eleitores que vinham à procura de respostas, não deu muitas (ou pelo menos não com o pormenor que alguns queriam), tentando sempre voltar o debate para ele..Ao mesmo tempo, Trump também não terá conseguido convencer ninguém fora da sua base eleitoral. Em mais um exemplo de que o debate não lhe correu bem, o ex-presidente foi até à sala onde os jornalistas estavam para dizer que tinha ganho - normalmente são outros que o fazem..Apesar de a maioria dos analistas terem dado a vitória do debate a Harris, isso pode não valer-lhe votos, com os indecisos a continuar com dúvidas. Uma sondagem da CNN deu a vitória à vice-presidente por 63% contra 37%, enquanto a YouGov dava 54% contra 31% (e 14% de indecisos). Mas é preciso ver que a vitória nestas sondagens pode não dizer nada. Em 2016, Hillary Clinton venceu o debate contra Trump por 62% contra 27%, mas acabou por perder. E Mitt Romney também venceu o debate contra Barack Obama em 2012. .Harris mostra-se disponível para mais um debate, mas Trump diz que ela quer mais porque perdeu este. A Fox News está a tentar organizar, mas o ex-presidente rejeita os moderadores que estão a ser falados..susana.f.salvador@dn.pt