O que levou Trump a retirar (outra vez) os EUA do Acordo de Paris
Uma das muitas ordens executivas assinadas por Donald Trump logo na segunda-feira estabelece a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, causando um sério revés nos esforços mundiais para combater o aquecimento global e isolando Washington nesta matéria dos seus aliados – Irão, Iémen e Líbia eram os países até agora que estavam fora do documento assinado há dez anos na capital francesa e que visa combater a subida das temperaturas no planeta. O presidente norte-americano já tinha feito o mesmo em 2017, uma decisão que foi revertida quatro anos depois por Joe Biden, também no seu primeiro dia em funções.
O documento agora assinado por Donald Trump indica que o Acordo de Paris, bem como vários outros entendimentos internacionais, não refletem os valores dos Estados Unidos e “direcionam os dólares dos contribuintes americanos para países que não necessitam, ou não merecem, assistência financeira no interesse do povo americano”. Nesse sentido, é ainda referido que, além da saída do Acordo de Paris, o embaixador dos Estados Unidos junto da ONU “submeterá imediatamente uma notificação formal por escrito ao secretário-geral das Nações Unidas, ou a qualquer parte relevante, da saída dos Estados Unidos de qualquer acordo, pacto, ou compromisso semelhante assumido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas”. De recordar que os Estados Unidos são o segundo maior poluidor do mundo, a seguir à China.
O Acordo de Paris, no seu essencial, pretende que o aumento da temperatura média mundial não exceda 1,5 graus Celsius até final do século, com os países a comprometerem-se com a ação climática, apresentando planos de ação para o clima a fim de reduzirem as suas emissões de efeito de estufa na sequência do uso de carvão, petróleo e gás natural – em dezembro a administração Biden tinha avançado com um plano para cortar as emissões dos Estados Unidos em 60% até 2035. Objetivos que vão contra a política de “drill, baby, drill” [perfurar, querido, perfurar], confirmada esta segunda-feira por Trump no seu discurso de tomada de posse e que já teve efeitos práticos em ordens executivas assinadas pelo presidente dos Estados Unidos logo no seu primeiro dia de mandato.
Uma delas, inédita na história norte-americana, foi declarar uma “emergência energética nacional”, referindo que “precisamos de um fornecimento de energia fiável, diversificado e acessível para impulsionar a indústria transformadora, os transportes, a agricultura e as indústrias de defesa da nossa nação, e para sustentar os princípios básicos da vida moderna e da preparação militar” e sublinhando que “os Estados Unidos têm potencial para utilizar internamente os seus recursos energéticos não explorados e para vender aos aliados e parceiros internacionais um fornecimento de energia fiável, diversificado e acessível. Isto criaria empregos e prosperidade económica para os americanos esquecidos na economia atual, melhoraria a balança comercial dos Estados Unidos, ajudaria o nosso país a competir com potências estrangeiras hostis, reforçaria as relações com aliados e parceiros e apoiaria a paz e a segurança internacionais”.
Esta ordem executiva nota ainda que “causados pelas políticas prejudiciais e míopes da administração anterior, o abastecimento energético e as infraestruturas inadequadas da nossa nação causam e agravam os elevados preços da energia que devastam os americanos, especialmente aqueles que vivem com rendimentos baixos e fixos”.
O combate a esta “emergência energética” passa por anular legislação de proteção climática aprovada durante a administração Biden, tendo Donald Trump dado os primeiros passos nesse sentido com outras ordens executivas, como a reverter a proibição de perfuração offshore em 625 milhões de acres (cerca de 2,52 milhões de quilómetros quadrados) de águas federais ou iniciar a revogação dos regulamentos sobre a poluição gerada pelos tubos de escape dos automóveis e que incentivaram a indústria a apostar mais nos veículos elétricos. No sentido inverso, decidiu suspender o arrendamento de águas federais para parques eólicos offshore.
Alaska sem proteção
O republicano avançou também com outra ordem executiva que abre a região selvagem do Alaska a mais perfuração de petróleo e gás natural liquefeito (GNL), anulando toda a legislação que protegia esta área aprovada por Joe Biden, explicando que este estado “possui uma oferta abundante e em grande parte inexplorada de recursos naturais, incluindo, entre outros, energia, minerais, madeira e marisco” e que “o desbloqueio desta abundância de riqueza natural aumentará a prosperidade dos nossos cidadãos, ao mesmo tempo que ajudará a melhorar a segurança económica e nacional da nossa Nação para as gerações vindouras”, prometendo que irão “desenvolver estes recursos ao máximo possível”. Paralelamente, a nova administração norte-americana irá retomar as revisões de novos terminais de exportação de GNL, algo que Biden tinha suspendido.
A clara aposta nos combustíveis fósseis desta nova Casa Branca ficou também expressa na intenção de rever todos os regulamentos federais que penalizam o desenvolvimento ou uso de fontes de energia como carvão, petróleo ou gás natural.
Uma sondagem Associated Press-NORC divulgada ontem pela agência de notícias, e realizada entre os dias 9 e 13 de janeiro, mostra que “cerca de metade dos americanos opõe-se 'de certa forma' ou 'fortemente' à ação dos EUA para se retirarem do acordo climático, e mesmo os republicanos não são esmagadoramente a favor”. O mesmo estudo aponta ainda que “cerca de 2 em cada 10 adultos norte-americanos são 'um pouco' ou 'fortemente' a favor da retirada do Acordo de Paris, enquanto cerca de um quarto são neutros”, notando que grande parte da oposição vem dos democratas, mas que há republicanos que mostram alguma “ambivalência”, pois pouco menos de metade dos militantes do partido de Trump “são favoráveis à retirada do acordo climático”.