O que é que Israel ganha ao ser o primeiro país a reconhecer oficialmente a Somalilândia, uma região separatista da Somália que declarou a independência em 1991? Mais um país árabe na lista dos que aderiram aos Acordos de Abraão, com promessa de cooperação a nível da agricultura, saúde, tecnologia e educação - e talvez uma plataforma para lançar ataques contra os Houthis, no Iémen. Mas também mais uma dor de cabeça internacional, com um número crescente de nações a criticar esta decisão, que consideram que vai ter “sérias repercussões” no Mar Vermelho. “Nenhum país deve encorajar ou apoiar forças separatistas internas de outros países para os seus próprios interesses egoístas”, disse esta segunda-feira (29 de dezembro) o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Lin Jian. A China foi um dos que criticou a decisão israelita, com a União Africana (que representa 55 países) a reafirmar o seu “compromisso inabalável” com a unidade e integridade territorial da Somália, tal como a União Europeia ou a Liga Árabe. Taiwan, que Pequim vê como uma província e só é reconhecido por 11 países da ONU e o Vaticano, foi o único a aplaudir. Mas há quem diga que o gesto de Israel não foi isolado e que pode ser seguido de um reconhecimento da parte dos EUA. O presidente norte-americano, Donald Trump, disse que ia “estudar o assunto”. Para Washington, o país (mais estável e seguro do que a própria Somália), poderia ser um eventual parceiro - tanto para garantir a segurança das rotas marítimas no Golfo de Aden e no Mar Vermelho, frente aos Houthis do Iémen, como na luta contra as milícias Al-Shabaab (que combatem o governo somali há 17 anos) e o Estado Islâmico no Corno de África. As milícias já avisaram que vão combater qualquer tentativa de Israel de “reivindicar ou usar” partes da Somalilândia. Também os Houthis, que bombardearam Israel em retaliação pela guerra na Faixa de Gaza, avisaram que a eventual presença israelita seria considerada um “alvo militar”. A Somalilândia, um antigo protetorado britânico, ganhou a independência a 26 de junho de 1960 - foi reconhecida pelos EUA. Mas, cinco dias depois, decidiu juntar-se com a antiga Somalilândia italiana, para formar a República da Somália. Mas, em 1991, após a queda do ditador somali Siad Barre, voltou a declarar a independência, atuando como um verdadeiro país, com o seu governo, instituições e moeda.O presidente da Somalilândia, Abdirahman Mohamed Abdullahi, falou no reconhecimento de Israel como um “momento histórico”, com o presidente da Somália, Hassan Sheikh Mohamud, a denunciar uma “agressão ilegal”. E a considerar que, por detrás deste gesto, está o desejo de expulsar os palestinianos da Faixa de Gaza para lá - chegou a falar-se desse destino há vários meses e, na altura, Israel não comentou.