A especulação à volta da adesão da Suécia e da Finlândia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) não é nova e tem ganho impulso de cada vez que a Rússia de Vladimir Putin se mostra agressiva. Os dois países, que têm seguido uma política de não alinhamento desde o final da Segunda Guerra Mundial, estarão hoje mais inclinados em tomar uma decisão nesse sentido, embora caso acontecesse, seria realizada em concertação, tendo em conta os laços de cooperação militar e de segurança entre ambos..Nos últimos meses as tensões geopolíticas na Europa têm estado concentradas na frente oriental. À crise migratória alimentada pela Bielorrússia na fronteira com os vizinhos, em especial com a Polónia, acresceu a crise originada pela Rússia, que por duas vezes reuniu dezenas de milhares de soldados e respetivo equipamento militar não longe da fronteira com a Ucrânia. Por fim, em dezembro, o Kremlin abriu parte do jogo: quer garantias de que a Ucrânia e a Geórgia - onde, além da Moldávia, "tem forças que não foram convidadas e não são bem-vindas", como disse o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg - não façam parte da Aliança Atlântica e ainda que esta retire armamento e pessoal dos países que faziam parte da Cortina de Ferro e da União Soviética..DestaquedestaqueDepois da tomada da Crimeia pela Rússia, a Suécia aumentou o investimento militar. O atual quadro representa um salto de 40% de despesas. A Finlândia anunciou há dias a aquisição de 64 aviões norte-americanos F-35..Num crescendo de exigências, a ameaça passou a englobar os países nórdicos. No final do mês passado, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova, advertiu que a adesão à NATO da Finlândia e da Suécia implicaria "graves consequências militares e políticas, o que exigiria uma resposta adequada da parte da Rússia"..A reação não tardou muito. Na mensagem de ano novo do presidente finlandês Sauli Niinistö, bem como na mensagem da primeira-ministra Sanna Marin, ficou claro que em Helsínquia não se admite a interferência do vizinho com o qual partilha mais de mil quilómetros de fronteira, uma minoria pró-russa, e profundas relações comerciais, entre as quais o abastecimento de cerca de 40% da energia do país. "A margem de manobra da Finlândia e a liberdade de escolha incluem também a possibilidade de alinhamento militar e de candidatura à adesão à NATO, caso nós próprios assim o decidamos", disse Niinistö, um dos raros políticos ocidentais que tem mantido relações de alguma proximidade com Putin. "Mostrámos que aprendemos com o passado. Não vamos abrir mão da nossa margem de manobra", disse por sua vez a chefe do governo..Na Suécia, enquanto o ministro da Defesa Peter Hultqvist defende o reforço da cooperação com a NATO porque a "Rússia ameaça a Europa inteira", a ministra dos Negócios Estrangeiros Ann Linde mostrou-se "espantada" com as declarações vindas de Moscovo para conter a aliança de 30 países. "Não deve ser a Rússia a decidir se podemos aderir ou se não podemos aderir à NATO", disse a chefe da diplomacia sueca à Foreign Policy. Ou, dito de outra forma, pela primeira-ministra Magdalena Andersson: "Na Suécia, nós é que decidimos sobre a nossa política externa e de segurança e com quem cooperamos.".A social-democrata Andersson sucedeu no cargo a Stefan Löfven em novembro com a promessa de não alterar o statu quo no que respeita às políticas de defesa e segurança. Também a ministra dos Negócios Estrangeiros defendia o não alinhamento até há pouco tempo. Para já, a conversa oficial é a de "aprofundar a parceria com a NATO", como Andersson referiu após se ter encontrado com Stoltenberg na semana passada. Mas a realidade pode impor-se aos planos: "As propostas [russas] para uma nova ordem de segurança destruiriam os alicerces da nossa estrutura de política de segurança", reconheceu o comandante das forças armadas suecas Micael Bydén. Uma estrutura que tem como meta uma "defesa integral", mas que "depende de uma cooperação internacional aprofundada", o que ficará em causa se a NATO recuar perante Moscovo, ou se os russos voltarem a invadir a Ucrânia..Depois da tomada da Crimeia pela Rússia e da guerra por procuração no leste da Ucrânia, suecos e finlandeses voltaram a discutir o seu posicionamento. Até 2025, as despesas das forças armadas suecas representam um salto de 40%, com o número de militares a aumentar em 50%, até 90 mil. Parte significativa do equipamento, dos aviões de caça aos navios, é concebida e produzida na Suécia. A Finlândia também tem material próprio, mas também de origens tão distintas quanto a União Soviética aos Estados Unidos. De este último país, anunciou há dias a aquisição de 64 aviões F-35, a maior encomenda do género pelo país dos mil lagos..No passado, a Suécia, apesar de neutral, manteve relações de partilha de informações com os EUA e outros países da NATO, e a estes comprou equipamento militar. Já a Finlândia manteve uma relação de subalternidade para com o anterior ocupante através de um tratado, um processo que ficou cunhado como finlandização, e que impedia o país de ter uma política externa livre. Um e outro país apostaram em políticas nacionais de defesa, ao ponto de as populações mostrarem em sondagens amplo apoio para participarem nas ações defensivas..DestaquedestaqueO maior obstáculo para Helsínquia e Estocolmo abdicarem do não alinhamento, transformado nos últimos anos em parceria com a NATO, é a opinião pública. Só 24% dos finlandeses defendem a adesão à aliança militar..Com a queda da União Soviética, Estocolmo e Helsínquia tornaram-se desde 1994 parceiros da NATO, uma relação que se foi estreitando cada vez mais. Ambos contribuíram para missões internacionais nos Balcãs, Afeganistão e Iraque e o nível de parceria com a organização sediada em Bruxelas é o de "oportunidades reforçadas", tal como a Austrália, Jordânia, Geórgia e Ucrânia. A diferença é que aos dois ex-países da URSS foi prometida a hipótese de entrada na organização, em 2008, e desde então a mãe Rússia atravessou-se no caminho, ao passo que o ingresso dos nórdicos seria uma formalidade..Há, porém, um obstáculo que se crê ainda não ter sido ultrapassado: a opinião pública. O inquérito mais recente realizado na Finlândia mostrou um apoio de 24% à adesão à NATO (um aumento de quatro pontos em relação a 2020), mas 51% contra. Na Suécia há mais adeptos da Aliança Atlântica, mas em número ainda assim minoritário: 46% querem aderir, lê-se na Foreign Policy. Com o referendo do Brexit a servir de alerta para o potencial de interferência estrangeira e polarização da sociedade, uma decisão desta natureza passaria por um quadro parlamentar maioritário, algo que para já não se vislumbra entre os finlandeses..Como escreve Hanna Ojanen, investigadora do Conselho Europeu para as Relações Exteriores (ECFR), a Rússia é "a principal razão para a Finlândia aderir à NATO e ao mesmo tempo a principal razão para não o fazer". Um relatório pedido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e publicado em 2016 sobre as consequências da adesão do país previam uma reação inicial violenta, mas depois uma anuência tácita e uma aceitação quando o alargamento tiver tido lugar..Em 2019, um relatório do Marshall Center sobre a Rússia e os países nórdicos relevava que o "objetivo principal é simplesmente manter a influência russa na região" e não de mudar o "quadro estratégico". Porém, ao ameaçar ambos os países, a estratégia "pode muito bem ter redundado em prejuízo dos russos, e aumentou o desejo de ambas as nações nórdicas de considerar seriamente a adesão", escreveu na Bloomberg o ex-comandante supremo aliado da NATO na Europa James Stravridis. "Também deixaria claro a Putin que não possui um cartão de veto quando se trata de alargar a aliança democrática", conclui..cesar.avo@dn.pt