O fim da Alitalia. 74 anos depois, símbolo italiano do pós-II Guerra não resistiu à pandemia
A Alitalia encerra 74 anos de história para dar passagem à empresa ITA Airways, nascida das suas cinzas, num mercado aéreo que luta pela recuperação após a turbulência sentida devido à pandemia da covid-19.
O primeiro voo da ITA Airways descolou nesta sexta-feira (15 de outubro) às 6H20 locais (5h20 em Portugal) de Milão com destino a Bari, no sul do país, sete horas após a última aterragem de um avião da compania Alitalia, na quinta-feira (14 de outubro) à noite, em Roma, procedente de Cagliari.
Fundada em 5 de maio de 1947, a Alitalia foi o símbolo do milagre económico italiano após a Segunda Guerra Mundial, tornando-se a sétima companhia aérea do mundo nos anos 1970, antes de entrar num longo declínio, agravado nos últimos anos.
A história da empresa não se pode dissociar da história do país: as primeiras comissárias de bordo chegaram em 1950, a Alitalia foi a empresa de transporte oficial dos Jogos Olímpicos de Roma 1960 . Superou a marca de um milhão de passageiros e Paulo VI foi o primeiro papa que voou pela companhia em 1964.
"Assistimos com profunda tristeza ao fim da Alitalia, que era nossa marca nacional, símbolo da história do país", declarou, emocionada, Laura Facchini, de 47 anos, auxiliar de voo da Alitalia durante duas décadas.
Como muitos dos seus colegas de trabalho solicitou, em vão, passar a integrar o quadro de funcionários da ITA Airways como parte da primeira série de 2.800 pessoas contratadas este ano.
Até 2022 devem ser contratados 5.750 funcionários, de um total de 10.500 da Alitalia.
"Muitos de nós estamos desesperados porque ficaremos sem emprego. Estávamos muito ligados à empresa, muito motivados, sempre trabalhámos com um sorriso no rosto", disse a delegada nacional do sindicato UGL Transporte Aéreo.
Os sindicatos da Alitalia organizaram uma série de manifestações contra os "contratos com desconto" oferecidos pela ITA, com cortes de salários de até 20% e até mesmo 40% para os pilotos, e a "venda por parcelas" da empresa.
O setor de aviação passou para a ITA, uma empresa totalmente estatal, mas os serviços de terra e de manutenção serão vendidos de maneira separada, através de licitações, como exigiu a União Europeia nas duras negociações com Roma.
A Comissão Europeia aprovou em setembro uma injeção de 1,35 mil milhões de euros de fundos públicos com a condição de existir uma "descontinuidade económica" entre Alitalia e ITA, isentando esta última de devolver os "auxílios estatais ilegais" recebidos pela sua antecessora.
Ao longo dos anos, o Estado italiano desembolsou mais de 13 mil milhões de euros para tentar salvar a empresa, entre recapitalizações e créditos. Mesmo assim, a Alitalia acumulou perdas de 11,4 mil milhões de euros entre 2000 e 2020.
"O grande erro foi não investir no lucrativo mercado de longa distância", declarou Andrea Giuricin, economista especializado em transportes, da Universidade Bicocca de Milão. Nos últimos anos, as companhias de baixo custo, como a Ryanair e a Easyjet, revolucionaram o mercado com a redução dos preços para as viagens de curta distância e o comboio de alta velocidade reduziu o tempo de viagem entre Roma e Milão de seis para três horas. A companhia aérea não conseguiu manter-se competitiva perante estas alterações do mercado.
À beira da falência, a Alitalia foi colocada sob supervisão da administração pública em 2017, mas a situação agravou-se ainda mais com o impacto da pandemia de covid-19, que paralisou diversas companhias aéreas.
Em 2020, a Alitalia registou perdas de 2 milhões de euros por dia, transportando apenas 6,3 milhões de passageiros no ano, contra 52,1 milhões da Ryanair e 34 milhões da Air France-KLM.
"Resistir à concorrência dos gigantes Air France-KLM e Lufthansa nas viagens internacionais e das companhias de baixo custo no mercado nacional é impossível", acrescentou Giuricin.
Após ter sido colocada sob supervisão pública há quatro anos, o governo procurou em vão por compradores. Contudo, no passado, a Alitalia já atraiu grandes pretendentes, como a Air France-KLM, que apresentou uma oferta em março de 2008, mas que foi rejeitada por Silvio Berlusconi, que assumiu o poder logo depois com base numa campanha sobre a defesa da "italianidade" : a companhia aérea era um baluarte disso mesmo.
Resgatada por um grupo de empresários italianos, a Alitalia precisou de um novo resgate em 2014 por parte da empresa Etihad (Emirados Árabes), que adquiriu 49% de seu capital, o que, ainda assim, não evitou o colpaso da companhia.
O famoso símbolo verde sobre fundo branco da Alitalia não vai desaparecer, pois a ITA conseguiu na passada quinta-feira (14 de outubro) o leilão para a compra do mesmo, ao pagar 90 milhões de euros.