O que é que Portugal pode fazer para ajudar a resolver o conflito israelo-palestiniano?Em primeiro lugar, não estamos a falar de um conflito. Estamos a falar de um genocídio que Israel iniciou, alegando estar a responder ao ataque do 7 de Outubro, e que continua até agora, com mais de 60 mil palestinianos, a maioria deles civis, incluindo crianças, mulheres e idosos, massacrados, mortos, queimados vivos. O que eu espero de cada ser humano, de cada organização, de cada Estado, de cada aliança regional, não só de Portugal, mas do mundo, é que deem todos os passos de forma a parar não apenas este genocídio, mas todas as violações de Direitos Humanos. Mesmo se fosse um genocídio contra outro povo ou minoria, como os yazidis ou os sudaneses, pediria o mesmo. Porque é uma obrigação moral não permitir que isso aconteça. Do ponto de vista legal, Portugal é parte da Convenção sobre o Genocídio, é parte da União Europeia e da convenção e Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e declarou que vai dar os passos necessários para ajudar o Tribunal Penal Internacional. Logo, é parte da comunidade internacional que está comprometida com a lei internacional, com as regras internacionais. E parte desta obrigação passa por prevenir o genocídio. Não apenas acabar com ele, mas também impedir que este aconteça. Mesmo que algumas pessoas não concordem que um genocídio está a acontecer, agora, na Faixa de Gaza, há indícios de genocídio que basicamente deviam fazer com que estes Estados o previnam. A obrigação não é apenas parar o genocídio, mas também impedir que ele aconteça em primeiro lugar. Se Israel está a ser deixado sozinho para continuar a cometer um genocídio, então a Humanidade está moralmente falida.Portugal devia reconhecer o Estado palestiniano?Penso que o reconhecimento do Estado da Palestina é uma obrigação de todos os Estados, independentemente da forma como isso afeta qualquer tipo de negociação ou de solução, seja um Estado único, dois Estados ou dez Estados. O Estado da Palestina deveria ser reconhecido definitivamente por um Estado como Portugal, que está comprometido com os Direitos Humanos. Por um lado, vocês dizem que, como terceiro Estado, como Estado europeu, não vão abordar o conflito entre Israel e a Palestina, e que somos nós que devemos negociar as coisas em conjunto. Mas, por outro lado, não reconhecem uma das partes como soberana. Reconhecer o Estado da Palestina tem um efeito simbólico, consequências simbólicas, além de algumas consequências jurídicas. Mas não se pode continuar a alegar que não é o momento certo, que deve ser um acordo bilateral entre Israel e a Palestina, deve ser isto, deve ser aquilo. Por esta razão, penso que deveria ter sido reconhecido ontem, e não amanhã, sabendo e tendo em mente que deveria haver medidas mais tangíveis, além do reconhecimento. Reconhecer o Estado da Palestina não é suficiente, por si só. Por causa do genocídio que está a acontecer, com a anexação da Cisjordânia, com a total impunidade com que Israel está a agir ao violar o Direito Internacional em todo o Médio Oriente e não apenas na Palestina, e com, infelizmente, a falta de responsabilização. Não apenas pelos seus próprios atos, mas também da parte da comunidade internacional, que está a permitir uma total impunidade da parte dos israelitas. Teme que a situação atual no Irão faça com que as pessoas se esqueçam do que se passa na Faixa de Gaza?Sim, infelizmente temo que isso aconteça, e penso que até a opinião pública israelita teme isso, porque há muitos aliados entre o público israelita que também querem que Portugal e outros Estados intervenham para impedir o genocídio. Não são apenas os palestinianos que o estão a dizer, são também os israelitas. E também temem que abrir outra guerra contra o Irão faça com que as pessoas se esqueçam. Entretanto o genocídio continua e a destruição da identidade palestiniana, a todos os níveis, em Gaza também, visando a sua conquista e a sua reinstalação de colonatos judeus. Infelizmente, isto está a acontecer, mas precisamos de manter a cabeça erguida e continuar a falar sobre Gaza.É palestiniana e vive em Haifa, em Israel. Teme que depois de Gaza, da Cisjordânia, Israel volte a sua atenção contra os árabes no seu território?Sim, que se volte contra os palestinianos dentro de Israel, sim. Não é apenas por causa do genocídio que está a acontecer agora que temo pela futura presença de palestinianos em Israel. Porque o regime constitucional, o regime legal, o regime político foi desenvolvido e construído ao longo das últimas décadas para conduzir a uma situação que coloca a presença palestiniana em risco, mesmo dentro de Israel, e não apenas na Cisjordânia e em Gaza. A lei básica do Estado-nação judaico exige o direito exclusivo de autodeterminação apenas para os judeus, confere supremacia aos judeus e confere-lhes legitimidade constitucional. Basicamente diz que o Estado de Israel foi estabelecido na terra de Israel. E depois vemos que o recente governo fundamentou o seu princípio jurídico, o acordo assinado entre todos os partidos da coligação, afirmando que tudo fará para alcançar a terra bíblica de Israel, que inclui a Cisjordânia e Gaza. Isto também levanta uma enorme questão sobre o que acontecerá aos palestinianos dentro de Israel. E a discussão sobre o estatuto dos palestinianos dentro de Israel, a sua cidadania e os seus outros estatutos tem sido constante. E vimos, após o início do genocídio, que a perseguição política contra os palestinianos aumentou de forma muito intensa. Portanto, não sei onde é que isso levaria, à transferência total, à expulsão, a mais violações dos Direitos Humanos. Mas há uma base justificada para temer as ações do atual governo ou do futuro governo contra os cidadãos palestinianos de Israel.Acha que algum dos processos judiciais que estão a decorrer contra o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e Israel nos tribunais internacionais terá resultados?Digamos que Netanyahu está disposto a iniciar mais guerras para congelar os processos judiciais contra ele. Para que possa continuar a governar a partir da sua própria perspetiva pessoal e da perspetiva da sua família, porque a mulher e os filhos também estão envolvidos. E, infelizmente, para manter a visão pessoal, a visão política pessoal dele, o alvo ou a vítima imediata serão os palestinianos.