A megaoperação no Rio de Janeiro de 28 de outubro que matou 117 supostos criminosos e quatro agentes da polícia, causou um dano político colateral no governo de Lula da Silva, atingido por uma bala perdida em forma de queda na popularidade. Em tendência de subida nos últimos meses, o presidente do Brasil voltou a cair por culpa da tradicional falta de habilidade da esquerda brasileira para abordar o tema da segurança pública e de declarações vistas como politicamente suicidas do chefe de estado. A oposição, por sua vez, vê no tema o atalho ideal para crescer nas sondagens.A aprovação de Lula é agora de 47%, contra 48% em outubro, e a rejeição de 50%, contra 49% no inquérito anterior, segundo o instituto Genial Quaest de 6 a 9 de novembro. É uma diferença mínima mas significativa porque sucede a cinco meses de recuperação do presidente, primeiro à boleia da melhoria na percepção da população da inflação dos alimentos e, depois, graças ao “tarifaço”, a política de Donald Trump de taxar os produtos brasileiros acima da média geral. Como Lula, contra as expectativas, conseguiu criar um canal de comunicação com o homólogo norte-americano, com quem se reuniu na Malásia, e está já a negociar a diminuição das tarifas, vivia o melhor momento político em 2025. Foi, entretanto, no regresso da Malásia que Lula disparou no próprio pé ao dizer, a 26 de outubro, que “os traficantes são vítimas dos utilizadores”, uma frase com a qual 81% dos ouvidos pela Genial Quaest não concordam. Dias depois, já após a megaoperação nos complexos de favelas da Penha e do Alemão, classificou a atuação policial como “desastrosa”, um adjetivo visto como excessivo, sobretudo, explica a sondagem, entre os eleitores que se dizem independentes, isto é, que não são fiéis nem a Lula nem a Jair Bolsonaro ou quem o ex-presidente apoiar em 2026.Para Paulo Ramírez, professor de Sociologia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, “houve, primeiro, um esgotamento da questão do tarifaço, o tema que melhorou a popularidade do Lula”. “E entrou na agenda o tema da segurança, sobre o qual Lula fez comentário muito infeliz, o que repercutiu muito negativamente nas redes sociais, que deu voz a quem defende ações mais violentas, que não é a política do PT, que prefere ações mais no plano económico”. “Numa sociedade com uma herança escravocrata e violenta, é o discurso da direita sobre segurança que leva vantagem, conforme ficou evidente nas últimas eleições com a chegada ao parlamento de muitos integrantes da chamada Bancada da Bala, composta por ex-polícias ou ex-militares”, completa, ao DN.Vinícius Vieira, politólogo da Fundação Armando Álvares Penteado, diz que “a direita quer vender [Nayib] Bukele para quando chegar ao poder se tornar [Javier] Milei, isto é, usa o discurso de endurecimento da luta contra o crime, ao jeito do presidente salvadorenho, porque é caro à população, com o objetivo de uma vez eleita aplicar as medidas neoliberais do presidente argentino, impopulares em campanha”. “Lula, que queria dizer que sem consumidores não haveria traficantes mas se expressou muito mal, permitiu à direita dominar o debate sobre segurança numa altura em que a opinião pública está exasperada com o crime”, prossegue o académico.As contas eleitorais de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo e presidenciável à direita com melhor performance nas sondagens, passam por aí, defende Vieira ao DN. “Por isso, foi lançado o secretário de segurança dele, o deputado Guilherme Derrite, já comparado a Bukele, como relator do projeto de lei (PL) no Congresso contra o crime organizado”. “Derrite”, lembra Ramírez, “tem pretensão de chegar a senador ou até concorrer a governador de São Paulo caso Tarcísio tente mesmo a presidência e isso tornou um tema que deveria ser tratado acima da esquerda e da direita como muito político”.“Mas como, entretanto, Derrite teve de recuar da intenção, criticada por todos os especialistas, de classificar as organizações criminosas como terroristas e de limitar o papel da Polícia Federal no PL dele, isso pode ter enfraquecido a direita no debate”, conclui. Outro argumento de Lula e da esquerda para voltarem a controlar o tema, segundo Vinícius Vieira, é “lembrar que a direita também tem ligações ao crime organizado, via milícias, e que a Polícia Federal descobriu no coração do mercado financeiro, por tradição hostil aos governos de esquerda, tentáculos do tráfico de droga”.No dia seguinte à divulgação da sondagem sobre a aprovação de Lula, o atual presidente liderava todos os cenários de primeira e segunda voltas da eleição presidencial noutra pesquisa da Genial Quaest. Mas a vantagem encolheu face à anterior. .Urso, o alvo da megaoperação no Rio que pode ter matado 119 pessoas, continua foragido