Moscovo reage a Trump sem dar sinais de mudança de rumo
Depois de se dizer desapontado com Vladimir Putin e ter dado um prazo de 50 dias para que este termine a guerra na Ucrânia ou enfrentará tarifas e sanções, Donald Trump disse não ter “rompido” com o líder russo. Em Moscovo, os círculos do poder dizem que o Kremlin vai continuar a invasão, aproveitando as condições meteorológicas, para se apoderar do máximo de território possível.
Em entrevista telefónica ao correspondente da BBC, o presidente dos Estados Unidos confirmou ter ficado com a perceção de que um acordo para o fim da guerra na Ucrânia esteve para ser ultimado quatro vezes e que se sente dececionado com Putin, no entanto, como é do seu timbre, manteve a porta aberta para hipotéticos desenvolvimentos diplomáticos. “Estou desapontado com ele, mas não rompi com ele”, afirmou. Também desmentiu a notícia do Financial Times, segundo a qual teria encorajado Zelensky a atacar Moscovo. “Não, não o deve fazer”, respondeu a um jornalista, tendo acrescentado que Washington não vai fornecer mísseis de longo alcance.
Em Moscovo, as reações ao acordo dos EUA com países da NATO para estes fornecerem material de guerra e ao ultimato de Trump foram as mais variadas. A mais colorida foi a do propagandista Vladimir Solovyov - o homem que já ameaçou “libertar Lisboa” - ao falar da hipótese de um “tsunami radioativo” nos EUA causado pelos torpedos nucleares Poseidon, depois de dizer que o presidente norte-americano “ficou louco”. O ex-presidente Dmitri Medvedev chamou ao anúncio de Trump de “ultimato teatral”. Escreveu no X: “A Europa belicosa ficou desapontada. A Rússia não quer saber.” Uma ideia que foi de certa forma desmentida pelo porta-voz do Kremlin. “A declaração do presidente dos EUA é bastante séria. Parte dela é dirigida pessoalmente ao presidente Putin. É claro que precisamos de algum tempo para analisar o que foi dito em Washington. Se e quando o presidente Putin considerar necessário, ele certamente comentará sobre o assunto”, disse Dmitri Peskov. Já o ministro dos Negócios Estrangeiros Sergei Lavrov, depois de dizer que “a Rússia adaptou-se às sanções até agora e irá adaptar-se às novas”, não se mostrou tão diplomático: “Aqueles que iniciam uma guerra de sanções contra a Rússia acabarão afundados no mesmo buraco que cavaram para o seu irmão”, em referência à Ucrânia.
Aos jornalistas, fontes anónimas garantem que Putin pretende continuar a guerra até que o Ocidente e a Ucrânia aceitem os seus termos, independentemente da pressão de Trump. Três fontes junto do Kremlin garantiram à agência Reuters que o autocrata acredita ter condições militares e económicas para avançar pelo território ucraniano e para aguentar as sanções económicas. Inclusive a ameaça das sanções secundárias - que visam a China e a Índia, caso estas comprem produtos petrolíferos à Rússia - por Trump não é visto como um cenário realista. “Imaginar que os EUA vão lançar uma guerra comercial total contra a Índia, por exemplo, é muito improvável”, afirmou o analista político russo Sergei Markov, citado pelo The Washington Post. Ao mesmo jornal, um funcionário disse que com o apoio da China e da Coreia do Norte, o Kremlin sente estar em vantagem, pelo que “o clima é de guerra até à vitória final”. Esta fonte realça que o país está à beira de uma crise de crédito e da recessão, pelo que economistas e empresários preferiam a via das negociações. A governadora do Banco Central Elvira Nabiullina avisou que as reservas dos últimos dois anos estão “exaustas”.
Paris adverte para nova agressão russa
A Europa pode ter de enfrentar uma nova agressão russa nos próximos três a cinco anos, conclui a Revista Estratégica Nacional, um documento publicado pelo Secretariado Geral da Defesa e da Segurança Nacional de França a pedido do presidente Emmanuel Macron. “Outras ofensivas contra a Ucrânia, na vizinhança europeia na Moldávia, nos Balcãs ou mesmo contra Estados-membros da NATO, para testar a coesão da Aliança, são possíveis. O risco máximo seria que tal agressão fosse concomitante com uma operação de grande envergadura noutro teatro, noutra parte do mundo, provocando assim um desvio das forças americanas.”
O documento destaca ainda que a “hipótese de uma participação das forças armadas francesas numa guerra de alta intensidade nas proximidades da Europa e o risco de ações concomitantes desestabilizadoras de natureza híbrida para a segurança interna da França atingem um nível sem precedentes desde o fim da Guerra Fria”.