Moscovo e Kiev confirmam corte de transporte de gás natural russo através de território ucraniano
A Ucrânia suspendeu esta quarta-feira, às 05:00 de Lisboa, o transporte de gás natural russo através do seu território, tal como tinha avisado, no âmbito do fim do contrato, anunciou o operador de gás ucraniano.
"Às 07:00 [locais, 05:00 em Lisboa] do dia 1 de janeiro de 2025, o Acordo de Interação entre a GTS e a Gazprom para pontos físicos de interligação entre os sistemas de transporte de gás da Ucrânia e da Rússia, datado de 30 de janeiro, expirou", explicou o operador, em comunicado.
"Assim, o transporte de gás natural do ponto de entrada de Sudzha, na fronteira leste da Ucrânia, para os pontos de saída nas fronteiras oeste e sul foi encerrado", adianta o GTS, sublinhando que os parceiros internacionais foram informados.
"Interrompemos o transporte do gás russo, o que constitui um acontecimento histórico. A Rússia está a perder mercados e vai sofrer perdas financeiras”, congratulou-se o ministro ucraniano da Energia, Guerman Galushchenko, citado pela AFP.
Também a Rússia confirmou esta quarta-feira o corte de transporte de gás para a Europa através de território ucraniano. “O gás russo não é fornecido para transporte através da Ucrânia desde as 08h00 [hora local, 05:00 em Lisboa]”, declarou a gigante estatal de gás russo Gazprom.
"Devido à recusa repetida e explícita da parte ucraniana em prorrogar este acordo, a Gazprom foi privada da possibilidade técnica e jurídica de fornecer gás para trânsito através da Ucrânia a partir de 1 de janeiro”, lamentou a empresa estatal russa em comunicado citado pela AFP.
Entre a alegria e a inquietação
A suspensão do transporte de gás natural russo através da Ucrânia foi bem recebida pela Polónia e Áustria, mas deixou a Hungria e a Eslováquia inquietas, enquanto a Moldova já declarou estado de emergência.
A reação mais exuberante até agora foi da Polónia, onde o ministro dos Negócios Estrangeiros considerou o gesto como "uma nova vitória" sobre Moscovo. Cortar a capacidade de Moscovo exportar gás diretamente para a União Europeia (UE) é "uma nova vitória após o alargamento da NATO à Finlândia e à Suécia", considerou Radoslaw Sikorski, na rede social X.
Por seu lado, a Áustria mostrou-se calma, adiantando que o fornecimento de gás ao país está garantido. "Fizemos o nosso trabalho e estamos bem preparados para este cenário", afirmou a ministra da Energia, Leonore Gewessler, explicando que o Governo já tinha feito contratos para fornecimento de gás natural através de outras rotas e fornecedores. Além disso, o país da Europa Central tem capacidade para importar anualmente um valor muito alto de energia à Alemanha e à Itália.
O corte de fornecimento de gás pela russa Gazprom à Áustria já tinha acontecido em meados de novembro devido a um litígio sobre o cumprimento de contratos com a empresa austríaca de hidrocarbonetos OMV, a maior da Europa Central e propriedade do Estado austríaco.
As entidades gestoras de energia e o Governo alertaram então que estavam preparados para a situação, que a Áustria tem alternativas para abastecer estes fornecimentos e não sofrerá escassez, apesar de até então ter adquirido à Rússia mais de 80% do gás que consumiu.
Já na Eslováquia, a reação foi muito diferente. O primeiro-ministro, Robert Fico, alertou para as graves consequências da interrupção do trânsito de gás através da Ucrânia, afirmando que "terá um impacto drástico para todos na UE e não apenas para a Federação Russa".
Se a dependência da Europa foi significativamente reduzida desde o início da guerra na Ucrânia, os Estados localizados no Leste continuam a obter fornecimentos significativos de Moscovo.
Robert Fico, que continua próximo de Vladimir Putin e cujo país é muito dependente do fornecimento de gás russo, deslocou-se a Moscovo no dia 22 de dezembro para tentar encontrar uma solução urgente.
A Hungria, que será afetada apenas marginalmente já que a maior parte das suas importações de gás russo são recebidas através do TurkStream, que passa sob o Mar Negro, também criticou a situação, com o primeiro-ministro, Viktor Orbán, a defender que não se devia "abandonar esta estrada".
Outro dos países preocupados com a nova situação é a Moldova, que declarou mesmo o estado de emergência.
Este país vê ser-lhe cortado o fornecimento de gás russo no contexto de uma disputa financeira com esta antiga república soviética que acaba de reeleger uma Presidente pró-europa.
A Gazprom já tinha interrompido grande parte das suas entregas a este país após o início da invasão russa na Ucrânia, abastecendo agora apenas a região separatista pró-Rússia da Transdnístria.
A sua central térmica ainda fornece 70% da eletricidade consumida por todo o país, um dos mais pobres da Europa.
Na terça-feira, segundo a agência de notícias francesa, o preço do gás na Europa atingiu e ultrapassou a marca dos 50 euros por megawatt-hora pela primeira vez em mais de um ano, impulsionado pelo fim deste acordo, mas também pelo inverno frio.
O contrato de fornecimento de gás era uma fonte de receitas multimilionárias para a Rússia, que permitia à empresa Gazprom exportar para a Áustria, a Hungria, a Eslováquia e a Moldova, mas também significava cerca de 700 milhões de dólares (cerca de 672 milhões de euros) por ano para a Ucrânia.
A decisão foi explicada pelo Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, numa declaração feita em Bruxelas no dia 19 de novembro, quando afirmou recusar que a Rússia continua "a ganhar milhões" enquanto mantém uma política de agressão ao seu país.
A Rússia garantiu, no entanto, que vai sobreviver ao encerramento da passagem do seu gás pela Ucrânia.
O presidente russo, Vladimir Putin, assegurou que a Gazprom será capaz de lidar com a perda do trânsito do produto pela Ucrânia, disse numa conferência de imprensa realizada na terça-feira.
"Nós sobreviveremos, a Gazprom sobreviverá", afirmou, referindo, no entanto, que sempre defendeu a "despolitização das questões económicas" e alertando que o preço dos combustíveis irá aumentar.
Fontes da Comissão Europeia garantiram que o impacto desta nova situação "será limitado" no abastecimento da União Europeia.
Para a Europa, a perda do fornecimento de gás russo barato contribui para uma grande desaceleração económica, um aumento na inflação e um agravamento da crise do custo de vida, mas os países europeus têm sido rápidos em encontrar fontes alternativas de energia.
A Gazprom, que já foi a maior exportadora de gás do mundo, registou um prejuízo de cerca de 6,5 mil milhões de euros em 2023, naquele que foi o seu primeiro ano sem lucros desde 1999.