Há uma semana, ladeado dos homólogos da Rússia e da Coreia do Norte, Xi Jinping assistiu ao maior desfile militar da China. Minutos antes, após passar as tropas em revista, disse ao mundo que era chegada a hora de se escolher entre a guerra ou a paz. O seu país apresentava-se como o exemplo da estabilidade e do desenvolvimento e Xi como o líder de uma nova ordem alternativa. Kaja Kallas, a alta representante da União Europeia, condenou o que disse constituir-se como “uma aliança autocrática”. Acrescentou: “Não se trata apenas de uma imagem antiocidental: é um desafio direto ao sistema internacional baseado em regras.” No dia seguinte, o presidente chinês recebeu no Grande Salão do Povo Kim Jong-un. Foi no mesmo local que o primeiro-ministro português se reuniu com o chefe do governo e com o presidente chinês, numa iniciativa para olear as relações bilaterais e para tentar encontrar na segunda maior economia mundial uma alternativa às exportações que podem sofrer com a introdução das taxas aduaneiras de 25% nos Estados Unidos. Luís Montenegro é o terceiro dirigente português a encontrar-se com Xi Jinping em menos de dois meses. Na semana passada, o secretário-geral da ONU António Guterres fez parte dos convidados da cimeira da Organização de Cooperação de Xangai, em Tianjin. Em julho, o presidente do Conselho Europeu António Costa viajou para Pequim com a presidente da Comissão Ursula von der Leyen e com Kaja Kallas por ocasião da 25.ª cimeira entre a União Europeia e a China, e quando se cumprem 50 anos de relações diplomáticas entre Bruxelas e o regime comunista. No final as diferenças e as tensões ficaram a nu ao sair um comunicado conjunto apenas sobre as alterações climáticas. Costa concluiu, diplomático: “Estamos determinados em aprofundar a nossa parceria bilateral e a manter relações construtivas e estáveis, baseadas no respeito pela ordem internacional assente em regras, em contactos equilibrados e na reciprocidade.” Exemplo de como as relações estão a ser recalibradas, Xi Jinping mostrou-se indisponível para se deslocar a Bruxelas - que visitou numa única ocasião, em 2014 - e na última meia dúzia de anos só pisou solo europeu em França, e em dois países alvo de elevados investimentos chineses, Hungria e Sérvia. Em contrapartida, o líder chinês repetiu viagens ao Cazaquistão, Vietname e Rússia. A relação entre a China e a UE já conheceu melhores dias. A dependência dos 27 face à cadeia de produção chinesa, exposta pela pandemia, levou a que a Comissão ensaiasse uma nova política de “desarriscar”: parceiro em assuntos de cooperação, competidor na economia e adversário no que respeita aos princípios democráticos e de respeito pelos direitos humanos. A invasão da Rússia à Ucrânia e o posterior fortalecimento dos laços de Pequim com Moscovo numa parceria estratégica “sem limites” (nas palavras de Xi) agravaram a situação. Alguns países, Portugal incluído, por pressão dos EUA, haviam bloqueado o acesso da chinesa Huawei à rede 5G; a Itália já havia retirado da iniciativa de desenvolvimento de infraestruturas “Uma faixa, uma rota”. Com a invasão russa, os países bálticos seguiram o mesmo caminho. Até agora, pressão alguma resultou para que a China - financiador do esforço de guerra através da importação de petróleo russo e fornecedor de produtos de dupla utilização que, entre outras coisas, acabam incorporados em drones ou mísseis - não abandone a sua neutralidade que beneficia a Rússia de Vladimir Putin. Em julho, o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, terá dito a Kallas que o seu país não pode permitir a derrota da Rússia na Ucrânia. Apelo à influência no KremlinAinda assim, ao seu anfitrião, Montenegro instou que este influencie o Kremlin a pôr fim à guerra. “Contamos muito com a sua contribuição e com a estreita relação que a China mantém com a Federação Russa para que possamos construir, o mais rapidamente possível, uma paz justa e duradoura na Ucrânia.” Como Xi respondeu - se é que respondeu - não foi tornado público. Segundo a agência Xinhua, o líder chinês Xi, no que toca às relações internacionais, afirmou que o seu país está pronto “para trabalhar em estreita colaboração com Portugal em assuntos multilaterais, salvaguardar a autoridade da ONU e o sistema de comércio livre e promover a construção de um sistema de governação global mais justo e equitativo”.Sobre as relações bilaterais, Xi notou que, “nos últimos anos, os dois países alcançaram resultados frutíferos na cooperação em vários domínios, estabelecendo um modelo de respeito mútuo e benefício recíproco para países com diferentes sistemas sociais e condições nacionais”. O presidente chinês, ao observar que a parceria estratégica abrangente entre a China e Portugal cumpre 20 anos, disse que o seu país está pronto a “reforçar a comunicação estratégica com Portugal, orientar as relações bilaterais na direção certa, melhorar ainda mais as boas relações e contribuir mais para a prosperidade e o progresso dos dois países e do mundo através da solidariedade e da cooperação”.Segundo a agência Lusa, Xi, que considerou Portugal “um bom amigo da China” e teceu elogios aos anteriores primeiros-ministros António Guterres, Durão Barroso e António Costa, disse ainda que “Portugal desempenha um papel importante e singular no palco internacional”. Daí que tenha augurado que Lisboa e Pequim possam trabalhar juntos pela melhoria das relações da China com a União Europeia. .“Quanto mais turbulento se torna o panorama internacional, maior é a necessidade de a China e a Europa reforçarem a comunicação, aumentarem a confiança mútua e aprofundarem a cooperação.”Xi Jinping. As trocas comerciais e o desequilíbrio da balança foram temas da reunião do português com o primeiro-ministro Li Qiang. Segundo a emissora chinesa CCTV, citada pela Reuters, Li disse que a China estava disposta a importar mais produtos agrícolas e alimentares de alta qualidade.A visita de Montenegro prossegue em Macau esta quarta-feira. A esse propósito, Xi Jinping elogiou a “forma adequada” como a questão da antiga região portuguesa foi resolvida e sugeriu que ambos os países devem aproveitar o papel de Macau como ponte, não só bilateral mas também com os países de língua portuguesa.Se o órgão oficial do Partido Comunista em inglês, Global Times, deu destaque ao encontro sino-português, o South China Morning Post, o jornal de referência em inglês, não dedicou uma linha no site..Governo corteja investimento de um gigante económico em crise políticaOs militantes do Partido Liberal Democrata vão escolher o quarto primeiro-ministro em cinco anos.. A viagem que Luís Montenegro inicia amanhã ao Japão havia sido programada para maio e adiada devido à crise política que desaguou em eleições legislativas antecipadas em Portugal. Agora é o país visitado que atravessa a sua tormenta: o primeiro-ministro Shigeru Ishiba encontra-se demissionário.O objetivo assumido da viagem oficial ao Japão - que inclui uma visita ao pavilhão de Portugal na Exposição Mundial de Osaca - é aumentar e diversificar o investimento japonês. Estão previstas reuniões entre o chefe do governo português e uma dezena de empresários que já manifestaram interesse nesse sentido, enquanto o ministro da Economia, Manuel Castro Almeida, tem na agenda reuniões com investidores japoneses, segundo a Lusa. Uma das hipóteses passa por uma parceria na indústria espacial entre o Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Matosinhos (CEiiA) e uma empresa japonesa. Lisboa quer também “elevar o nível das relações políticas e diplomáticas com o Japão” para uma parceria estratégica, o que implica o desenvolvimento de mais mecanismos de cooperação bilateral e um maior intercâmbio cultural. No fundo, o tema da anterior visita de um primeiro-ministro português - Pedro Passos Coelho - há dez anos.Em Tóquio, evitada uma recessão económica, as atenções viram-se para a crise política. Shigeru Ishiba, que havia iniciado funções em outubro passado, anunciou a demissão no domingo, cedendo às pressões do próprio partido (Liberal Democrata) e das novas formações populistas, à sua direita. Os observadores dizem que o antigo ministro da Defesa não resistiu à persistente inflação (3%) e à duplicação do preço do arroz, por um lado; e à perda da maioria nas duas eleições que enfrentou. A primeira dias depois de ter sido eleito líder do partido, ao vencer as parlamentares com uma perda de 68 deputados; e a segunda em julho, quando o Partido Liberal Democrata e o parceiro de coligação perderam 19 dos 66 assentos do Senado que estavam em disputa. Ishiba deverá ficar em funções até outubro, quando o sucessor for eleito. O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Toshimitsu Motegi foi o primeiro a apresentar a candidatura. Mas as apostas reacaem no ministro da Agricultura, Shinjiro Koizumi, filho do ex-primeiro-ministro Junichiro Koizumi.