Numa noite histórica, Javier Milei venceu a oposição, descredibilizou as sondagens e relativizou o impacto dos escândalos do governo nas eleições legislativas da Argentina, o maior teste ao presidente ultraliberal até agora. Com o resultado, afastou o cenário, visto antes como provável, de impeachment e ganhou fôlego para governar até às presidenciais de 2027.O La Libertad Avanza, partido de Milei, foi além do objetivo, a conquista de um terço das vagas na Câmara dos Deputados, ao obter 40,8% dos votos e 64 das 127 cadeiras a votos. No Senado, ganhou mais de metade: 13 em 24. E ainda conquistou a província de Buenos Aires, maior colégio eleitoral do país e bastião da oposição peronista, cujo partido, o Forza Pátria, não foi além de 31,6% dos votos totais do país e mergulha agora em crise. Em paralelo, destaque para a abstenção de 34%, a maior desde 1983.“O povo argentino decidiu deixar para trás 100 anos de decadência”, celebrou Milei. “E continuar no caminho da liberdade, estamos comprometidos em fazer da Argentina o país mais livre do mundo, agora sim vamos poder discutir uma Argentina distinta, que nem se imagina hoje em dia, os argentinos quiseram dar um basta ao populismo, populismo nunca mais”, continuou, pouco depois de o partido do governo vencer em 16 das 24 províncias argentinas, incluindo a de Buenos Aires, onde havia sido derrotado em eleições locais em setembro. Os principais jornais argentinos, Clarín, La Nación e Perfil, titularam após o apuração dos votos “façanha”, “surpresa” e “milagre”. Ouvido pela agência Reuters, o cientista político Gustavo Córdoba, diretor da empresa de sondagens Zuban Córdoba, confessou-se “em choque com os resultados”. “O resultado reflete a cautela do eleitorado face a um possível regresso às crises económicas”, protagonizado pelos governos peronistas recentes. “Muitas pessoas pelos vistos estavam dispostas a dar nova oportunidade ao governo argentino, vamos ver quanto tempo a sociedade argentina dará ao governo mas o triunfo é inquestionável, inquestionável!”.A vitória do governo ultraliberal traduziu-se imediatamente numa subida de até 35% nas ações argentinas em Wall Street. “Com este resultado, que é melhor do que até os apoiantes de Milei esperavam, ele poderá defender facilmente os seus decretos e vetos no Congresso”, acrescentou Marcelo Garcia, da consultoria de risco Horizon Engage.Por falar em Wall Street, quem também reclamou uma parcela da vitória foi Donald Trump. “Ele teve muita ajuda nossa, muita ajuda, uma recomendação muito forte”, disse o presidente dos EUA. No início do mês, Scott Bessent, o secretário do Tesouro dos EUA, anunciou uma linha de swap de 20 mil milhões de dólares com o Banco Central da Argentina, além da aquisição de pesos e de títulos da dívida do país. Mas Trump disse também na ocasião que considerava comprar mais carne dos argentinos porque “eles estão a lutar pelas vidas deles”. “Eles não têm dinheiro. Eles não têm nada. Eles estão a lutar tanto para sobreviver”, afirmou o presidente americano, no que foi lido como um “presente envenenado” a Milei - o que não se confirmou.Do lado da oposição, Axel Kicillof, governador da província de Buenos Aires e visto como principal presidenciável do campo peronista em 2027, disse que se “Milei está a festejar, ele está equivocado”. “Ele engana-se se festeja este resultado eleitoral, em que seis em cada dez argentinos disseram que não estão de acordo com o modelo que propõe”, afirmou. “Queria lembrar que nem o governo norte-americano nem a ( instituição bancária) JP Morgan são sociedades de beneficência, se vieram à Argentina é para levar lucro e colocar em risco os nossos recursos”. E deixou um recado direto ao presidente: “Milei, desde hoje terás mais responsabilidade, entendo que celebrem o apoio estrangeiro, mas veremos se isso melhora a situação da nossa gente, dos que trabalham e sofrem cada dia mais”. Kicillof disse ainda que Cristina Kirchner, presidente de 2007 a 2015 e mentora do governador, deveria estar no palanque - “mas está injustamente presa”. A vitória de Milei encerra um período de más notícias para o governo: Karina Milei, secretária-geral da presidência e maior influência política e pessoal do irmão mais velho, é protagonista de um suposto esquema de subornos ligado à aquisição de medicamentos para pessoas com deficiência e José Luis Espert, o candidato do La Libertad Avanza na província de Buenos Aires, renunciou à corrida após ser acusado de receber 200 mil dólares de um empresário ligado ao tráfico de drogas. .Eleições legislativas definem o futuro do governo de Milei