"Me fascinei pelo colonialismo português, pelo mundo lusófono, que é o primeiro global village"

Livro: É o correspondente no Brasil do jornal sueco <em>Dagens Nyheter</em>, mas foi em Portugal, onde trabalhou na <em>Expo"98</em>, que começou a aprender português. Apaixonado pela lusofonia, publicou em 2021 <em>Viagem pelos Sete Pecados da Colonização Portuguesa</em>. Agora de visita a Lisboa, Henrik Brandão Jönsson conversou com o DN sobre as suas viagens a África, Goa, Macau e até Timor.
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É sueco, mas fala português e vive no Brasil. Escreveu um livro chamado Viagem pelos Sete Pecados da Colonização Portuguesa. Porque é que diz que o de Timor é a soberba?
Fazendo esse livro, tive essa ideia de fazer os pecados para comparar com os ingleses e os franceses. Então para Angola era fácil, Portugal fácil, Brasil... O mais difícil era o pecado de Timor. Porque Timor é uma ilha maravilhosa com um povo incrível. Então é difícil colocar um pecado neles. Então fiz pesquisa, pesquisa, pesquisa e depois encontrei esse mito do crocodilo, porque como a ilha tem o formato de crocodilo, eles acham que são o povo do crocodilo. Então, é uma população desse tamanho, tão pequena e acham que são o povo do crocodilo? Isso é soberba.

Viajou até Timor, como viajou aos outros países de que fala no livro. O seu interesse pela língua portuguesa começa com o Expo 98 e vem para cá trabalhar. Depois fica como correspondente no Brasil, aliás, és correspondente para a América Latina do maior jornal sueco. Mas ganhou este interesse pela lusofonia, como diz, e há um episódio na Introdução que me deixou muito curioso, que tem aliás também a ver com Timor: que é estar de férias em Cabo Verde, em 1999, e ver uma celebração por Timor se ter libertado dos indonésios. Estranhou, não foi?
Foi estranho para mim porque já tinha morado em Portugal, já conhecia Angola de mapa, mas quando cheguei a São Pedro, uma aldeia de São Vicente, estava a haver uma manifestação de cabo-verdianos para celebrar a saída da Indonésia de Timor-Leste. Pensei "Um povo aqui tão longe, celebrando?" Então, houve uma menina que me explicou "A gente faz parte do mundo lusófono". Não sabia o que era lusófono na época. Então, pensei, anglófono, francófono, lusófono. Acho que todos gostamos de descobrir coisas que não sabíamos, e se não sabemos, o leitor também não sabe. Então, comecei uma pesquisa em 1999 sobre o mundo da lusofonia.

Como sueco, aquilo que sabia do Império Português era um pouco aquilo que se sabe dos impérios todos coloniais? Que conquistaram, exploraram, dominaram, e um dia abandonaram. Ficou surpreendido com haver estes pontos comuns? Conseguiu nestas viagens perceber que havia contactos culturais entre Brasil, Angola, Goa, Timor?
Sim, eu acho que essa é a coisa mais fascinante com a herança do colonialismo português, porque o colonialismo da Grã-Bretanha ou de França, deixou raiva, ninguém do Quénia gosta do inglês. Mas se formos para Timor ou Cabo Verde, vamos a um bar e tem uma bandeira do Benfica, do Sporting, do Porto. Mesmo que o português fosse um colonizador, e até em Moçambique, onde chegou a haver numa época um pouco de Apartheid por estar ao lado da África do Sul, mesmo assim adoram Portugal, eles querem ir pra Lisboa. Então, entendi que o colonialismo português não era mais leve, mas era diferente. O povo lá gosta de Portugal.

Foi a Goa também, que é hoje um estado da Índia, mas que foi uma parte do Império. O pecado lá é Gula, porquê?
Os portugueses não tinham nada para fazer em Goa, mas é um sítio tão lindo, têm umas varandas grandes e as pessoas trabalhavam lá, mas o dia deles era o almoço, almoços de horas e horas, a comer víndalo, um prato que vem de Portugal e as pessoas não sabem. Então, a culinária virou uma maravilha, era gula de comer, comer e beber. Depois, os hippies chegaram lá e transformou-se numa gula de drogas, porque Goa era o único sítio da Índia onde os ocidentais se podiam sentir em casa.

Macau é ganância?
Macau é ganância por causa do jogo. Mas algo que também acho diferente e conto nesse livro é que descobri que em cada país onde os portugueses estiveram acabaram por se tornar muito comuns os casinos, o sexo, as bebidas E na China estas coisas são proibidas pelo Partido Comunista, mas em Macau você pode. Então parece que os portugueses, por isso eu falo sobre os pecados no livro, criaram pecados.

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Moçambique é luxúria, certo?
Sim, porque Moçambique é muito sensual. Você chega a Moçambique e toda a gente o trata bem, toda a gente é bonita, o país é muito bonito. Mas durante o Apartheid, Moçambique era o recreio das pessoas brancas da Rodésia do Norte e da África do Sul, porque eles não podiam beijar uma mulher negra lá. Mas Maputo, na época Lourenço Marques, tinha casinos e se podia jogar e isso já não era proibido. Isso ainda existe, mas agora é mais mulheres da Noruega, Suécia, Holanda, Inglaterra que vão para encontrar com homens negros. É turismo sexual, já que essas meninas não pagam uma tarifa, mas pagam um jantar, roupa, alguma coisa, para ter sexo com negros. Não querem casar, só querem aventuras.

Angola é a Ira, porquê?
Ira, sim. Porque Angola é o país que mais sofreu com a guerra, foram 40 anos. Era um país muito rico, mas depois aconteceu a guerra colonial e depois a guerra civil. E é um país que tem petróleo e diamantes, então por isso tem muita guerra e muita raiva. Se for para Luanda, atualmente, não é tão assim, mas há 10 anos atrás Luanda era uma das cidades mais caras do mundo, mas claro que não era toda a gente rica, aliás, era 1% talvez, mas esse 1% era mesmo muito rico. As pessoas ficam com raiva por alguns terem tanto, afinal o petróleo é um recurso do país. Então no capítulo de Angola escrevo sobre uma mulher que trabalhava no mercado e que foi espancada por policias de Luanda porque estava a vender tomate. Que tipo de policias batem numa mulher porque ela vende tomate? Ela precisa de dinheiro. É claro que Luanda é maravilhosa, a música angolana é maravilhosa, mas na rua há sempre suspeição, do género "quem é você?". É sempre assim. Mas em Moçambique toda a gente fala consigo.

Vive há 20 anos no Brasil. Foi casado com uma brasileira, daí o Brandão que usa no nome. Como foi escolher o pecado brasileiro?
Esse é um capítulo um pouco provocante porque o pecado é preguiça, mas uso uma coisa do Macunaíma, de Mário de Andrade, que explica a alma brasileira. E ele começa o livro assim, "Ai, que preguiça!", então, isso é uma coisa que existe no Brasil. O brasileiro não quer falar sobre isso e quando um estrangeiro fala sobre isso, o brasileiro fica com raiva. Eles queriam-me matar [risos], depois de ter publicado o livro, porque eles acham que é um preconceito e sim, é, mas também é um pouco verdade, até segundo a sua própria literatura. É claro que São Paulo é uma cidade que trabalha muito mais, trabalha como Estocolmo, mas estou a usar o exemplo do Rio de Janeiro. Porque quando eu cheguei lá não entendi, por que havia pessoas na praia a uma terça-feira, pessoas em funções públicas. E não é preguiça por maldade, é porque podem e porque é maravilhoso. E também descobri uma coisa que é muito comum no Rio de Janeiro: quando uma coisa parte não se diz "a lâmpada partiu, vou consertar." diz-se "vou mandar consertar." Isso é uma coisa que explica muito a mentalidade, mas é claro que para um sueco isto é estranho. Por exemplo, a minha ex-esposa tinha um horário flutuante, podiam ser duas horas ou podiam ser três, mas isto foi algo que para mim foi difícil quando a minha filha nasceu, porque ficámos os dois inseguros. A minha ex-mulher acabou por se tornar mais brasileira, eu acho que fiquei ainda mais sueco. Antes éramos um casal perfeito de classe média, não havia choque cultural, mas ela acabou por se tornar mais brasileira e eu mais sueco. Acabei por ter de fazer terapia e, curiosamente, o meu terapeuta tinha tido uma namorada sueca e já percebia mais sobre a cultura sueca e ajudou-me, explicou-me mais sobre a cultura brasileira para eu entender certas coisas que me faziam impressão.

O pecado dos portugueses para si é a inveja. Nunca pensou que Portugal tem um problema de comparação? Ou seja, somos europeus, mas comparamo-nos com o norte da Europa, os mais ricos do mundo, mas ao mesmo tempo comparamo-nos com a altura em que éramos um grande império. É de ficar deprimido, mais do que invejoso.
Sim, mas é isso que me interessa, foi por isso que me fascinei pelo colonialismo português, esse mundo lusófono, porque era o primeiro global village. É assim, como os Estados Unidos e China estão atualmente, mas de repente, virou esse país pequena na Europa e na economia. Acho que é Miguel Torga que diz que os portugueses saíram com caravelas para descobrir o mundo e voltaram em traineiras.

A sua vinda para Portugal foi na Expo 98, a trabalhar na representação sueca, no pavilhão sueco, e foi assim que aprendeu português. Mas foi um impulso de momento, não foi uma paixão pela língua?
Sim, eu estava apaixonado era por uma sueca maravilhosa, Cristina, e ela saiu da relação e foi para o Paraguai e fiquei com raiva, porque antes era sempre eu que saía das relações, até porque os jornalistas têm de viajar muito. E ela fez um, como se diz no Brasil, um "pé na bunda" porque ela queria viajar. Então sofri muito, perdi sete quilos, sou magro, mas perdi sete quilos. Entretanto, ela estava para voltar para a Suécia e eu sabia que não podia ficar lá com ela a voltar, então vi que estavam à procura de pessoas para trabalhar na Expo 98. O único problema é que não falava português, mas ainda assim fui à entrevista na mesma. No final da entrevista perguntaram-me se eu falava português e eu disse que sim, menti porque sabia que, se não, não ia conseguir o trabalho. Já falava castelhano, então sabia que com algum tempo e treino ia aprender a falar português, e aprendi. É claro que sofri um pouco de bullying porque os outros suecos que estavam a trabalhar comigo na Expo 98 já falavam realmente português, claro que conseguiam perceber que eu falava mais um portunhol.

E como surge a aventura no Brasil?
O Brasil é muito interessante para se ser correspondente. Com a vitória do Brasil contra a Suécia no Mundial de Futebol de 1958, os suecos ganharam fascínio pelo Brasil. O jogo era tão bonito e tão bom que os suecos nem choraram por perder, criaram foi um fascínio [risos].

A rainha Sílvia também é brasileira.
A rainha Sílvia, sim. Ela é a cara do brasileiro e fala um português impecável, embora com algum sotaque sueco, mas é fluente em português. E a rainha mantém as relações familiares no Brasil de forma muito próxima, assim que há muitas ligações entre a Suécia e o Brasil.

Falámos sobre o colonialismo português, mas a Suécia, mais conhecida pelo império que teve no norte da Europa, também chegou a ter umas pequenas colónias nas Antilhas e em África. A Suécia lida bem com esse passado colonial ou é praticamente inexistente a memória?
De vez em quando aparece um livro ou outro a falar sobre essa época como uma vergonha, porque a Suécia estava a fazer parte da escravidão. Mas foi uma espécie de negócio, a Suécia participou numa troca e recebeu essa ilha, mas estava a participar na venda de pessoas sequestradas de África. Mas foi um curto período, então o sueco não sente tanta vergonha, porque não conquistou, não matou ninguém. Entrou num comércio que já existia, não inventaram nada, não é uma grande vergonha na Suécia.

Mas os suecos, pelo contrário, até têm orgulho da gesta viking?
Sim, ainda.

Mas essa é mais mítica.
Sim, mais mítica, mas é também porque quando o sueco viaja para fora, os outros falam sempre que somos do país dos vikings. As pessoas falam com admiração, mas os vikings eram os piores, não colonizadores, mas eram conquistadores e mataram mulheres e crianças.

Qual é o próximo projeto seu a ver com lusofonia?
Estou a escrever um livro sobre a migração dos Açores para os Estados Unidos e da Madeira para a Venezuela e de Cabo Verde para a Nova Inglaterra. E também estou a tratar o tema da saudade, uma coisa tão portuguesa. E encontrei alguns portugueses na Califórnia, no interior do estado, e eles sentem muitas saudades, não só porque estão longe das suas ilhas, mas porque estão longe do mar. Todos os anos no verão fazem as festas do Espírito Santo, é muito importante para eles. Mas quero também dizer uma outra coisa que não tem a ver com o projeto, mas que é algo que é interessante sobre o colonialismo. Notei que aqui em Portugal as pessoas estão muito divididas, ou seja, a esquerda portuguesa tem muita raiva da colonização, fala muito mal e dizem constantemente que os portugueses têm de pedir desculpa. E sim, acho que isso está certo. Mas a direita diz coisas do género, "ah, fizemos, mas...", é muito fascinante porque há uma bipolarização num país que é pequeno e que um dia já conquistou o mundo. Claro que foi algo horrível e é preciso pedir desculpa, inventaram a escravidão transatlântica, mas também houve coisas boas.

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