A Rússia é a maior ameaça à Europa. E depois da Ucrânia, com experiência militar acumulada, produção de armas em pleno, será ainda mais perigosa?A Rússia está a travar uma guerra contra a Ucrânia, mas não é a única coisa que procura. A economia russa mudou para uma economia de guerra, produzem munições e armas em grandes quantidades, como tanques e mísseis de cruzeiro, mais do que necessitam para a guerra na Ucrânia. Grande parte da sua produção é agora focada em restaurar as suas reservas militares. E por que razão o fariam? Querem dissuadir membros da NATO em primeiro lugar, mas também procurarão qualquer fraqueza que, principalmente os aliados europeus, possam mostrar. No momento em que estivermos fracos, desunidos e despreparados, certamente explorarão isso. E o maior risco é para quem estiver próximo da Federação Russa. Países bálticos, mas também a Polónia, a Roménia e a Bulgária, são os mais ameaçados.A Rússia também está a travar uma guerra híbrida na Europa. Faz parte da estratégia: querem que os países europeus tenham mais receio pela sua segurança e menos preocupação com a segurança da Ucrânia?O que vemos desde 2022 é um aumento massivo do que se poderia chamar guerra híbrida dos russos contra a Europa. Vemos ataques à nossa infraestrutura subaquática crítica, ou seja, aos cabos submarinos que são muito importantes para a transmissão de informação e para a nossa economia. Agora também vemos incursões de drones, violações do espaço aéreo, e este é um novo nível. E porque estão a fazer isso? Há várias hipóteses. Uma é que estão a testar a defesa aérea europeia. Com que rapidez pode a NATO meter aviões no ar para os intercetar e tirá-los do espaço aéreo de um aliado? Ou quão vulneráveis são a nossa infraestrutura subaquática, os nossos portos? Estes não são motivos convincentes. A cada intrusão no espaço aéreo, os países atacados melhoram as suas capacidades de se defender. A preparação dos aliados da NATO aumenta. Portanto, esta não pode ser a verdadeira lógica da Rússia. A segunda hipótese é que a Rússia está a preparar-se para uma guerra em grande escala contra a NATO, e agora já estão a tentar enfraquecer os nossos meios logísticos de defesa. Esta também não pode ser a verdadeira razão, porque, se assim fosse, iriam concentrar-se em infraestruturas realmente críticas para a guerra. Por exemplo, ainda não vemos ataques de consequência estratégica a portos, bases militares e infraestrutura de logística de guerra. Então, qual é o verdadeiro motivo? A verdadeira razão é que a Rússia quer desviar a atenção da guerra na Ucrânia, porque esta é vista pelos russos como a sua maior prioridade. A sobrevivência do regime está, em certa medida, ligada à guerra na Ucrânia. E, se a Rússia perder a guerra, o que acontecerá à sua economia? A Rússia está a funcionar como uma economia de guerra. Não é fácil voltar ao que era em tempos de paz. No momento em que o fizessem, veríamos que a economia russa já não é competitiva. Enquanto continuarem a produzir armas e munições, o povo russo não sentirá que está em estagflação ou mesmo em recessão. Quando atacam a Europa, seja na Alemanha, em Portugal ou em Itália, com ataques híbridos, querem desviar a atenção dos políticos e da população. Políticos e militares sentem então que devem concentrar-se na defesa nacional. Uma guerra irregular ou híbrida é a estratégia do lado mais fraco. Portanto, os russos sentem que a NATO é suficientemente forte para os dissuadir. Não pensam que podem ganhar uma guerra contra toda a NATO enquanto lutam na Ucrânia, com pouco sucesso, devo adicionar. Desta forma, o que podem fazer de mais útil é irritarem-nos. Se desviarem a nossa atenção com ataques por toda a Europa, as pessoas perguntarão: o que está o governo a fazer para nos proteger? A Rússia tem uma vantagem importante, os ataques híbridos custam-lhe uma quantia mínima de dinheiro para encontrar uma nova fraqueza. Contrariamente, custa-nos uma enorme quantia defender tudo, ser resilientes em todo o lado. É uma tarefa impossível, mas enquanto o tentamos fazer, desviamos automaticamente a atenção da Ucrânia já que temos apenas uma quantidade limitada de recursos. Tudo o que gastarmos na nossa própria defesa, menos recursos teremos para apoiar a Ucrânia. Esse é o verdadeiro objetivo por detrás destes ataques. O pior que podíamos fazer era não ver que é uma armadilha que os russos estão a preparar.A fasquia está agora nos 5% de gastos em defesa na NATO, ou pelo menos 3,5%. Mas quando falamos em gastar mais na UE, estamos sobretudo a falar de comprar mais aos EUA. O que é preciso para a Europa ser autossuficiente na defesa?Tanto a NATO como a UE são necessárias para a defesa europeia. E não devemos dizer que uma é mais importante do que a outra. A NATO é de longe mais experiente e tem a estrutura de comando necessária para defender a Europa. A UE não seria capaz de o fazer. No entanto, as nações europeias precisam fornecer as capacidades para que a estrutura de comando da NATO disponha de tropas suficientes para defender a Europa. E aí há um grande atraso até agora. A maior parte das capacidades necessárias para a defesa contra a Rússia é assegurada pelos EUA, especialmente no que, em vocabulário militar, chamamos de inteligência, vigilância e reconhecimento. Um exemplo: a Europa tem cerca de 50 satélites militares. Os EUA têm cerca de 250. Conseguimos colocar mais 200 satélites militares em órbita nos próximos cinco anos? Não é realista. Considerando a nossa história, valores e interesses partilhados, faz sentido tentar preservar este vínculo e mostrar aos americanos que, como europeus, estamos a envolver-nos, assumindo mais responsabilidades na nossa própria defesa. O primeiro ministro da Polónia, Donald Tusk, apontou, com razão, o absurdo de 500 milhões de europeus pedirem a 300 milhões de americanos que os protejam de 140 milhões de russos. Ao mostrar que somos bons aliados, a Europa precisa de os fazer compreender que precisaremos deles, pelo menos destas capacidades cruciais, nos próximos dez anos. Isto não impede que a UE possa assumir um papel muito maior, consolidando as nossas indústrias de defesa, que estão muito fragmentadas. Quando falamos de sistemas de armas principais, que seriam uma fragata, um caça ou um tanque, um sistema de artilharia, na Europa, temos, segundo alguns cálculos, 178 sistemas diferentes em comparação com os EUA, com apenas 30. Isto tem razões históricas. No passado, os EUA também tinham mais sistemas, e aí assistimos a uma consolidação da sua indústria. É isso que precisamos fazer agora. Os europeus têm de comprar em conjunto. Não precisamos de 12 tanques diferentes, seria bom ter apenas alguns. E isto aplica-se a todos os sistemas. O problema é que, quando pensamos nas enormes quantidades de dinheiro que temos para gastar em defesa, as nações querem sempre que os lucros e os empregos estejam nos seus próprios países, para que esse dinheiro pelo menos compense um pouco. Segundo um artigo recente do Politico, a Alemanha vai adquirir armamento no valor de 377 mil milhões de euros nos próximos anos, e mesmo com um PIB de 4,3 biliões de euros, estes valores são enormes. O problema central é que a dissuasão é algo abstrato. Só sentiremos que estamos em guerra quando for tarde demais. Donald Rumsfeld disse sabiamente: “Não se entra em guerra com o exército que se deseja, mas sim com o exército que se tem.” Construir forças armadas capazes leva anos ou mesmo décadas. Então, como resolver isto? A Europa precisa combinar a sua indústria militar o mais possível, criando grandes campeões europeus que possam competir com parceiros americanos. Ao mesmo tempo, precisamos de investir nas capacidades europeias para a nossa defesa. Finalmente. o mais importante: precisamos de apoiar a Ucrânia. A única coisa que podemos fazer é trabalhar em conjunto com os nossos aliados americanos e comprar-lhes munições para os nossos stocks e sistemas de armas. E, de um modo geral, os EUA serão favoráveis ao desenvolvimento de um complexo militar industrial europeu próprio, porque, se se envolverem num conflito na Ásia no futuro, não nos poderão fornecer munições e armas. E vão precisar do nosso apoio, da mesma forma que agora nos dão. O apoio à Ucrânia, diz, custou nove euros por europeu por mês em 2024. Mas quando se fala em metas de 3,5% ou 5%, explicar à sociedade civil a necessidade de aumentar os gastos em defesa é um dos maiores desafios para as lideranças, confrontadas com preocupações com as repercussões no investimento na saúde ou na educação?Desde o início da invasão em grande escala, tanto a Europa como os EUA têm gasto entre 40 e 50 mil milhões de dólares em ajuda macroeconómica e militar para apoiar a Ucrânia anualmente, em partes iguais. Agora, em 2025, os europeus estão praticamente sozinhos. O apoio europeu é uma tábua de salvação para a Ucrânia. Se não gastarmos esse dinheiro, a Ucrânia não terá possibilidade de continuar como uma nação soberana, o que é crucial para nós, europeus. Uma Ucrânia soberana é a primeira linha de defesa da Europa. Se alguém pensa que a Rússia vai parar depois de ganhar a guerra na Ucrânia, ficaria muito cético. Lembro-me que disseram o mesmo em 2014, depois da Crimeia. E antes de 2022, ouvimos que não seria racional para os russos atacarem. Porque o fariam? Mas fizeram. Todos os que dizem agora: “Não creio que seja racional que ataquem um Estado da NATO”, eu seria muito cauteloso. Em primeiro lugar, fizeram-no recentemente com as suas incursões de drones. E foi só o início. E, em segundo lugar, no momento em que vejam vulnerabilidade, e isso seria algures no leste, os nossos aliados orientais, onde pequenos Estados como os países bálticos estão muito expostos, dado que a sua população é muito pequena. Juntos, os Estados do Báltico têm cerca de seis milhões de habitantes, contra 140 milhões na Rússia. E considerando que a Rússia sempre teve serviço militar obrigatório, pode formar um enorme contingente. E sim, a tecnologia é importante na guerra, mas é sempre preciso ter pessoas a operar tanques e caças. Voltando à questão, a segurança da Europa está a ser defendida agora, não só pelos nossos aliados da NATO, mas também na Ucrânia. O que isto significa é que a Ucrânia não deve perder a guerra, custe o que custar. Deve manter-se como nação soberana. Portanto, se Portugal e a Alemanha valorizam a NATO e a UE, o seu destino será decidido no leste europeu. No momento em que um país da NATO ou da UE for atacado, isso põe em causa toda a nossa ideia do que significa a Europa. É um por todos e todos por um. E nove euros/mês para apoio à Ucrânia é pouco mais do que se paga em Haia por um cappuccino e um croissant.O Markus é alemão, serviu 14 anos nas forças armadas alemãs. Disse na sua intervenção que a Alemanha era uma “bela adormecida” até há três anos. Agora está a rearmar-se. O inimigo comum pôs fim à desconfiança que existia e precisamos de uma Alemanha forte mais do que nunca na Europa?A Alemanha desempenha um papel fundamental na NATO e na UE porque está localizada no coração da Europa. Por isso, devemos ser o elo de ligação entre a Europa Ocidental e a Europa Central e Oriental. O que significa para Alemanha? Em primeiro lugar, seremos, com a Holanda e a Bélgica, um dos principais centros de transporte logístico para abastecimentos da Europa Ocidental e dos EUA para a Europa Central e Oriental. Mas, ao mesmo tempo, as nações mais pequenas do leste necessitarão do apoio das potências médias - Alemanha, Itália, França, Reino Unido. Mas cada aliado conta. Consequentemente precisamos investir mais em defesa avançada, isso quer dizer ter grande parte das nossas forças armadas fora do país de origem, especialmente no Leste europeu, onde realmente fariam a diferença. A Alemanha começou isso agora, com a formação de uma brigada, com cerca de 5000 soldados, na Lituânia. A Alemanha tem grande responsabilidade pela Lituânia, pois esta encontra-se num ponto geográfico crítico entre Kaliningrado e a Bielorrússia. Mas também noutros pontos, a Alemanha está a esforçar-se. A Alemanha atingirá os 3,5% do PIB para a defesa já em 2029, porque vemos que a janela de oportunidade que a Rússia tem para atacar um país da NATO existe muito antes de 2035. E considerando que comprar munições e armazená-las, tal como o sistema de armas principal, leva muito tempo, precisamos de começar já. Mais tarde será tarde demais. Por conseguinte, a Alemanha está a mobilizar-se e a assumir a responsabilidade pela Europa Central e Oriental de forma histórica. E isso tem sido, até agora, muito incentivado pela Europa de Leste. O chefe da diplomacia polaca, Radoslaw Sikorski, já o disse em 2011 “Temo menos o poder alemão do que a inatividade alemã”. A Alemanha já não é a bela adormecida da Europa. Isto mostra o quanto as perceções, não só na Alemanha, mas em toda a Europa, mudaram nas últimas décadas, e especialmente desde 2022..“A divisão de amanhã na Ucrânia não será linguística ou étnica, será sobre o que cada um fez na guerra”