A líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, conseguiu sair da Venezuela numa lancha na terça-feira (9 de dezembro), via a ilha de Curaçau, mas não chegou a tempo de receber pessoalmente o prémio Nobel da Paz na cerimónia na Câmara Municipal de Oslo, esta quarta-feira (10 de dezembro) à hora de almoço. A filha Ana Corina Sosa, que esperava poder abraçá-la ainda esta noite, deixou contudo clara a sua mensagem: “Para termos democracia, temos que estar dispostos a lutar pela liberdade.” .María Corina Machado recebe Nobel da Paz: "Se queremos democracia, temos que estar dispostos a lutar pela liberdade".Os pormenores da fuga de María Corina Machado, que vive há 16 meses na clandestinidade e não é vista em público desde janeiro, foram avançados pelo jornal The Wall Street Journal. “Estarei em Oslo, vou a caminho”, tinha dito a opositora ao Comité Nobel Norueguês de manhã, confirmando contudo que não ia a tempo da cerimónia. Também não esteve no jantar de gala, mas o primeiro-ministro norueguês, Jonas Gahr Støre, disse que previa recebê-la na quinta-feira (11 de dezembro) de manhã. Coube a uma emocionada Ana Corina Sosa ler o discurso que a mãe queria ter estado presente para dizer. Um discurso em que não disse o nome de Nicolás Maduro ou de Donald Trump. A 10 de outubro, quando foi anunciado que tinha vencido o Nobel da Paz, a líder da oposição dedicou o prémio também ao presidente norte-americano - mas desta vez não o referiu. Trump não exclui a possibilidade de invadir a Venezuela para derrubar o regime, com a desculpa de estar a combater o narcotráfico. Os críticos de María Corina Machado acusam-na de incentivar isso. O discurso focou-se na “história de um povo e do seu longo caminho para a liberdade”, desde uma das primeiras constituições republicanas do mundo (em 1811) até à luta contra o regime. Um país que acolheu, entre outros, “italianos e portugueses que escapavam da pobreza e da ditadura” - Machado é descendente de portugueses - e que se “tornaram venezuelanos”. Um país onde a riqueza do petróleo (a Venezuela tem as maiores reservas do mundo) passou de ser “motor de conhecimento e imaginação” para se tornar fonte de poder para “subjugar” a sociedade.“Mesmo a democracia mais forte enfraquece quando os seus cidadãos se esquecem de que a liberdade não é algo que esperamos, mas algo que conquistamos”, leu Ana Corina Sosa. “É uma escolha pessoal e deliberada, e a soma dessas escolhas forma o ethos cívico que precisa de ser renovado todos os dias”, acrescentou. “Quando finalmente nos apercebemos da fragilidade das nossas instituições, um homem que liderou um golpe militar para derrubar a democracia foi eleito presidente”, indicou, referindo-se ao falecido Hugo Chávez. “Muitos acreditavam que o carisma poderia substituir o Estado de Direito”, lamentou, explicando que a partir de 1999 o regime “desmantelou a nossa democracia” e dividiu a sociedade. Maduro sucedeu a Chávez em 2013.O discurso focou-se depois no caminho para as eleições presidenciais de julho de 2024, desde as primárias que María Corina Machado ganhou até à proibição de se candidatar e à aposta em Edmundo González. E na rede de cidadãos que se organizaram para construir uma infraestrutura de forma a garantir a defesa de cada um dos votos. O antigo diplomata “ganhou com 67% dos votos”, mas “a ditadura respondeu com terror” e com mais de 2500 presos e desaparecidos.“Foi assim que chegámos a este dia, um dia que ecoa as vozes de milhões que se encontram no limiar da liberdade. Este prémio tem um significado profundo. Ele recorda ao mundo que a democracia é essencial para a paz”, escreveu María Corina Machado. A opositora defendeu que a lição que os venezuelanos podem oferecer ao mundo é lembrar que “para termos democracia, temos que estar dispostos a lutar pela liberdade.” E que “a liberdade é uma escolha que deve ser renovada todos os dias, medida pela nossa vontade e pela nossa coragem para a defender”. María Corina Machado mostrou-se confiante de que “a Venezuela voltará a respirar”, que os nove milhões de venezuelanos que foram obrigados a deixar o país vão poder voltar. E terminou dedicando o prémio a todos os venezuelanos, dizendo que “a eles pertence o futuro”.Mais cedo, no primeiro discurso da cerimónia, o líder do Comité Nobel Norueguês, o deputado Jørgen Watne Frydnes, disse que a Venezuela se transformou “num Estado autoritário e brutal” e exortou Maduro a “reconhecer o resultado das eleições” e a renunciar ao cargo.