O presidente francês, Emmanuel Macron, não quis perder tempo e nomeou o até agora ministro das Forças Armadas, Sébastien Lecornu, para primeiro-ministro, horas depois de aceitar a demissão de François Bayrou. Macron acelerou a nomeação do seu quinto chefe de Governo em três anos, escolhendo alguém que lhe é próximo e já era dado como favorito em dezembro, para se antecipar ao protesto desta quarta-feira (10 de setembro), no qual os franceses prometem “bloquear tudo”. Um protesto que nasceu nas redes sociais e faz lembrar o dos coletes amarelos de 2018. Macron, que fez a sua escolha sem ouvir os partidos, “incubiu” Lecornu, de 39 anos, “de consultar as forças políticas representadas no Parlamento com vista à adoção de um orçamento para a Nação e à construção de acordos essenciais para as decisões dos próximos meses”. De acordo com o comunicado do Eliseu, só depois dessas discussões é que será apresentado um Governo a Macron. “A atuação do primeiro-ministro será pautada pela defesa da nossa independência e do nosso poder, pelo serviço ao povo francês e pela estabilidade política e institucional para a unidade do país”, diz o comunicado, acrescentando que Macron está convicto de que um acordo é possível entre os diferentes partidos. Membro d’Os Republicanos até 2017, Lecornu juntou-se ao Renascimento de Macron e serviu em vários cargos no Governo. Foi secretário de Estado no Ministério da Transição Ecológica, depois foi ministro das Autoridades Locais, passando para a pasta dos Territórios do Ultramar, antes de, em 2022, assumir a das Forças Armadas. Cargo que ocupou com quatro primeiros-ministros, apesar de já em dezembro ter sido dado como o favorito de Macron para a chefia do Governo. Na altura, Bayrou falou mais alto e acabou no cargo. Agora, irá passar-lhe a pasta numa cerimónia esta quarta-feira (10 de setembro), pelas 12h00 locais (11h00 em Lisboa). A cerimónia corre contudo o risco de ser alvo dos manifestantes que prometem “bloquear tudo”. Mais de cem ações estão previstas só na região de Île de France (a de Paris), com outras 600 marcadas para o resto do país. O problema é que não é claro o que está a ser planeado. O ministro do Interior do Governo demissionário, Bruno Retailleau, avisou na segunda-feira que “nenhuma violência será tolerada”, com mais de 80 mil polícias e agentes de autoridade mobilizados. O movimento de contestação nasceu em maio nas redes sociais de grupos de extrema-direita, mas obteve a aprovação da esquerda (incluindo o próprio fundador da França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon). Inicialmente o protesto tinha como alvo a proposta orçamental de Bayrou para 2026 - que visava cortar 43,8 milhões de euros nas contas públicas e reduzir o défice francês. Uma das medidas mais criticada era acabar com dois feriados, o congelamento das pensões e um corte de cinco mil milhões no setor da saúde.O primeiro-ministro antecipou-se ao protesto e marcou para, dois dias antes, uma moção de confiança para a Assembleia Nacional. Bayrou esperava conseguir ter o aval dos deputados para avançar na sua política, mas tornou-se óbvio desde o primeiro momento que isso não iria acontecer. Na segunda-feira, os deputados rejeitaram dar-lhe a confiança - houve 364 votos contra e apenas 194 votos a favor..Macron afasta eleições e anuncia sucessor de Bayrou dentro de dias. Esta terça-feira (9 de setembro), pelas 13h30 locais (12h30 em Lisboa), Bayrou entrou no Palácio do Eliseu para apresentar formalmente a sua demissão a Macron. Saiu pelas 14h50, sem qualquer declaração. O presidente também manteve o silêncio até ao final do dia, quando anunciou o nome de Lecornu. O que dizem os partidos?Numa Assembleia Nacional fragmentada, os diferentes partidos tinham diferentes posições sobre o caminho a seguir. A extrema-direita do Reagrupamento Nacional (123 deputados) apostava na dissolução da Assembleia, para abrir a porta a novas eleições. A líder parlamentar, Marine Le Pen, criticou no X a escolha de Macron: “O presidente dispara o último cartucho do macronismo, aprisionado no seu pequeno círculo de apoiantes. Após as inevitáveis eleições legislativas, o primeiro-ministro passará a chamar-se Jordan Bardella”, escreveu, referindo-se ao líder do seu partido.Já o Renascimento de Macron, liderado pelo ex-primeiro-ministro Gabriel Attal, defendia a nomeação de um “negociador” que fale com todos os partidos “republicanos” - designação que normalmente afasta os extremos, quer à direita, quer à esquerda - para chegar a um “acordo de interesse nacional”. O Renascimento tem 91 deputados. Attal disse no X que procurará apoiar Lecornu “em prol do interesse público”. Do lado da esquerda radical, a França Insubmissa (71 deputados) tem os olhos na demissão do próprio Macron e apresentou já uma moção de destituição na Assembleia Nacional (que não deverá passar, como outra anterior que apresentaram no mesmo sentido). “Exatamente como antes”, reagiu Mélenchon no X, defendendo que “só a saída do próprio Macron poderá pôr fim a esta triste comédia de desprezo pelo Parlamento, pelos eleitores e pela decência política”.Há quem diga que a demissão de Macron marcaria o fim da V República, mas uma sondagem da estação BFMTV divulgada ontem mostra que 64% dos franceses desejam a queda do presidente (e 74% estão satisfeitos com a queda de Bayrou). Os socialistas (66 deputados) estavam à espera que a esquerda pudesse finalmente assumir as rédeas do Governo, com o próprio líder do partido, Olivier Faure, a não esconder a vontade de ser ele o escolhido. Esta terça-feira, não reagiu de imediato à nomeação de Lecornu. Numa altura de rutura com a França Insubmissa, não interessa aos socialistas voltarem às urnas neste momento. Também Os Verdes (38 deputados) queriam que Macron nomeasse um primeiro-ministro de esquerda. À direita, Os Republicanos (49 deputados) queriam uma decisão rápida de Macron - o que aconteceu. O líder do partido e ministro do Interior cessante, Bruno Retailleau, disse estar pronto a “chegar a acordos” com Lecornu. “Acredito que existe a possibilidade de construir um projeto que satisfaça aquilo a que chamo uma maioria nacional”, disse, “celebrando” o facto de não ter sido nomeado um primeiro-ministro socialista.“Bloquear tudo”O recém-nomeado terá já esta quarta-feira o seu primeiro desafio, já que França corre o risco de ficar paralisada com o protesto que apela a “bloquear tudo” - e dentro de pouco mais de uma semana, a 18 de setembro, haverá uma greve geral convocada por sete dos maiores sindicatos do país. Transportes, educação, saúde... são esperados problemas em todos os setores, seja porque os trabalhadores podem decidir parar, ou por causa de eventuais ações de bloqueio da parte dos manifestantes - que se estão a posicionar nesse sentido. Segundo o ministro dos Transportes cessante, Philippe Tabarot, os polícias destacados terão a tarefa de agir rapidamente em caso de bloqueios nas ferrovias, estradas ou estações de comboios “para evitar que a situação se agrave” com o objetivo de “irritar o maior número possível de franceses”. As autoridades estarão particularmente atentas à maior estação de comboios, a Gare du Nord, em Paris, que temem que possa ser bloqueada pelos manifestantes.Também são esperadas perturbações nos aeroportos, nomeadamente no sudoeste do país, com os passageiros a serem convidados a falar primeiro com as companhias aéreas para ter a certeza de que os voos não foram anulados. Os estudantes universitários estavam ontem reunidos para decidir se participariam no protesto, tendo também sido emitidos pré-avisos de greve em alguns hospitais. O objetivo dos manifestantes será ainda bloquear várias empresas, para impedi-las de trabalhar, com apelos à greve também nas refinarias. E, nas cidades, há lojas que vão estar fechadas, procurando evitar casos de eventuais atos de vandalismo da parte dos manifestantes.