Este encontro anunciado de Donald Trump com Xi Jinping na Coreia do Sul pode trazer algumas novidades na relação Estados Unidos-China?Bom, uma vez que eles se encontram é evidente que só pode ser para trazer algumas novidades, e novidades que passam por manter uma competição responsável. E por fazer acordos em aspetos que são essenciais, não sendo tão importantes a ordem de prioridades iguais, mas há aqui aspetos que são absolutamente cruciais neste encontro, por isso é que se realiza. Como aliás já vinha sendo noticiado, aparentemente há um acordo claro de princípio para não escalarem na guerra das tarifas alfandegárias e portuárias e, portanto, pelo menos vamos ter aqui algum tempo, aparentemente, sem esse tipo de ameaças. Recordemos que Trump tinha ameaçado a partir de 1 de novembro 100% de tarifas sobre as importações da China. E, ao mesmo tempo, a possibilidade dos Estados Unidos, pelo menos durante o próximo ano, continuarem a aceder, sem as demasiadas restrições que a China tinha prometido, aos tais minerais de terras raras. E, portanto, esse controle chinês das exportações e essas restrições, que visavam essencialmente para os Estados Unidos. A resposta última da China perante as ameaças dos Estados Unidos, não foi reciprocidade nas tarifas, mas foi o jogar esta cartada, que é uma declaração de guerra, na verdade, não é só aos Estados Unidos, mas é também ao resto do mundo, porque a China não só tem mais de 60% das reservas dos minerais de terras raras, mas controla 92% da produção refinada das terras raras. Portanto, não acedendo a isto, ou dando à China a possibilidade de poder dizer quando, que quantidade e para que fins é que os países, a começar pelos Estados Unidos, podem importar estes materiais, é um condicionador tremendo e, portanto, isso é um aspeto crucial deste acordo. Depois, obviamente, o compromisso chinês de restringir mais o controle dos ingredientes que permitem fazer o fentanil, que é algo que tem estado sempre em cima da mesa para Trump, a maior quantidade de importações de produtos agrícolas, a começar por soja, por parte da China a partir dos Estados Unidos, um amaciar da política de vistos mútuos, uma solução para o TikTok, talvez para já uma não escalada sobre as mútuas restrições a propósito das tecnologias e, apesar de tudo, sem haver propriamente novidades, certamente que, pelo menos, concordaram em discordar em questões sensíveis como Taiwan, o mar do Sul da China e o apoio americano às Filipinas, que têm estado em grande tensão nos últimos meses com Pequim. E, claro, o pedido americano, não sem grande sucesso, para que a China e o Xi utilizem a sua influência sobre Vladimir Putin para levar a um cessar-fogo, a uma paz na Ucrânia. Portanto, não é mau uma agenda tão diversa, mas o encontrarem-se já prenunciava que havia aqui alguns aspetos de acordo e isso parece vir a confirmar-se. Veremos agora como é que cada uma das partes descreve aquilo que é o conteúdo da conversa e os compromissos verdadeiramente alcançados, porque, certamente, não haverá coincidência total na descrição, com ambos a terem que reivindicar alguma vitória ou, pelo menos, ganhos, em temas em que não têm margem interna ou externa para ceder.Trump chegou à Coreia do Sul, um sólido aliado, para a cimeira da APEC e é à margem dessa cimeira que há este encontro com Xi. Esta visita que fez, entretanto, ao Japão e o reafirmar da aliança entre os Estados Unidos e o Japão é também um dado significativo na política americana para a Ásia Oriental?É. O Japão é considerado o aliado mais aliado dos Estados Unidos, na Ásia/ Indo-Pacífico, há décadas. O próprio Trump tem um apreço, aparentemente, particular, sempre teve, pelo Japão e, em particular por aquele que terá sido o grande inspirador e patrono da atual primeira mulher primeira-ministra do Japão, Sanae Takaichi. Portanto, esperava-se que este encontro corresse bem. Os focos maiores até estavam sobre ela, porque era a primeira grande reunião internacional desta recente primeira-ministra, que aliás continua sem ter um governo maioritário, apesar de coligações com pequenos partidos, mas acaba por resultar bem porque ela confirma a predisposição para aumentar drasticamente o orçamento de Defesa do Japão, tal como os Estados Unidos têm pedido. Confirma o acordo que tinha sido firmado com o anterior primeiro-ministro japonês para as tais tarifas que os Estados Unidos colocam de mais de 15%, embora haja aqui uma redução de algumas tarifas para o setor automóvel japonês, isso também não deixa de ser significativo. E esta primeira-ministra partilha com Trump muitas dúvidas sobre a China e, portanto, há aqui um alinhamento maior até do que com os anteriores primeiros-ministros japoneses na forma como ela encara a China como rival sistémico e ameaça. E, portanto, há uma aparente maior predisposição japonesa para, ao lado dos Estados Unidos, contrabalançar a China, quer do ponto de vista da Defesa e do aumento que faz da Defesa, mas também para não abrir mais a margem para a China, que é o maior parceiro comercial do Japão, pesar ainda mais e condicionar dessa forma a política externa japonesa e as relações do Japão com os Estados Unidos. Desse ponto de vista, é uma visita que, sem surpresa, correu bem a Donald Trump, que, aliás, gostou muito de estar ao lado do imperador japonês, e era uma visita incontornável de fazer nesta primeira ida à região por parte do presidente dos Estados Unidos, visitar o aliado mais aliado nesta área, antes de se deslocar a outro aliado, como é a Coreia do Sul, que acolhe a cimeira da APEC.Nesta viagem à Ásia, Trump esteve primeiro na Cimeira da ASEAN, na Malásia. A ASEAN tem vários países que são aliados tradicionais dos Estados Unidos, como as Filipinas, a Indonésia. Também foi um momento positivo para Trump?Sim, no conjunto, esta viagem, primeiro a paragem na Malásia para a cimeira com a ASEAN depois um encontro com Xi, é, de facto, a viagem mais arriscada e mais importante desta presidência de Donald Trump. Na ASEAN tinha o problema, sobretudo, das tarifas, porque desde há uma série de anos que, obviamente, o conjunto dos 10 países da ASEAN, agora 11 com a entrada de Timor-Leste, sempre olhou para a competição China-Estados Unidos, em que se iam permitindo um crescente peso em influência económica de investimento comercial da China no Sudeste Asiático, contrabalançavam isso com, obviamente, o chapéu de superpotência dos Estados Unidos, até para conter a China nas suas aspirações para o Mar do Sul da China e nas disputas territoriais que têm com vários países. Ora, a verdade é que eles foram hábeis a jogar com Trump, desde logo porque lhe permitiram apadrinhar um acordo de paz entre o Camboja e a Tailândia, embora isso já tivesse sido firmado pela Malásia, que tem a presidência da ASEAN, mas deram esse palco a Trump na sua ânsia de poder mostrar-se merecedor do Nobel da Paz e colecionar alegados acordos de paz. Isto foi um momento que, obviamente, agradou muito a Trump, que, em contrapartida, conseguiu fechar pelo menos acordos-quadro sobre tarifas com quatro destes países, que incluem aqueles onde deve existir um maior défice comercial dos Estados Unidos, o Vietname e a Tailândia, mas também a Malásia e o Camboja. Trump cedeu um pouco naquilo que eram as tarifas iniciais, nós estávamos a falar, em alguns casos, até 40%, 39%, agora a média digamos que é 19%, mas, apesar de alguma contestação nas ruas de Kuala Lumpur, quer por causa das tarifas, quer por causa de Gaza, ele acaba por passar bem neste teste na cimeira com a ASEAN, onde Trump já não estava desde 2017. Portanto, iniciou bem este périplo por esta região. E saiu relativamente bem, com acordos fechados, com mais um acordo de paz que pode exibir ao mundo, tentando mostrar que a responsabilidade é dele, e criando boas expectativas para os dois palcos seguintes, ainda por cima com a vantagem de, precisamente em Kuala Lumpur, os negociadores chineses e americanos terem avançado em alguns aspetos que permitirão o encontro de Trump com Xi ser mais profícuo.A outra cimeira que chegou a ser especulada, de Donald Trump com Kim Jong-Un, que não seria inédita, pois o presidente americano esteve já com o líder norte-coreano no primeiro mandato, significa que um dossiê ainda por fechar para Trump é o da Coreia do Norte?É, mas o problema é que Trump, hoje, deve ter ainda menos expectativas do que teve, precisamente no primeiro mandato, para conseguir levar Kim a desistir das armas nucleares. E isto porque, aparentemente, já não só a Rússia, mas também a China, assumiram a Coreia do Norte, definitivamente, como uma potência nuclear legítima. E o melhor exemplo disso é que, agora, quando Kim Jong-Un esteve na China, na parada militar de dia 3 de setembro, o relato chinês do encontro, pela primeira vez, não tem a referência a uma Península Coreana sem armas nucleares. E, portanto, isso significa que, para Pequim, também a Coreia do Norte é definitivamente uma potência militarmente nuclear. Ora, neste quadro, o que é que Donald Trump poderia conseguir de um encontro com Kim Jong-Un não preparado, sem condições? Só se fosse legitimar, mais uma vez, Kim Jong-Un, deslocando-se, porventura, à fronteira, à zona desmilitarizada entre as duas Coreias, mas isso só para apertar a mão daquele que ele considera ser um amigo. De resto, não teria nenhum ganho, nem pode ter expectativas de obter qualquer coisa de Kim Jong-Un nesta fase, pelo que é completamente contraproducente. Agora, como sabemos, Trump gosta de fazer estes números, corria era um risco adicional, que é ofuscar o mais importante, que é o encontro com Xi Jinping. Eu acho que esta possibilidade de encontro com Kim Jong-Un só se colocaria caso ou não houvesse esta cimeira com Xi, portanto, Trump teria que introduzir um outro fator de atenção, ou esse encontro corresse mal, e, aí sim, teria que ter um outro episódio que desse importância e acabasse por apagar um fracasso do encontro com Xi Jinping. Não me parece ser o caso, portanto, não só acho que seria improvável como que seria completamente contraproducente agora encontrar-se com Kim. .Trump e Xi: Uma relação de elogios e sorrisos marcada por tensões.Trump recebe presentes e um princípio de acordo na Coreia do Sul