A via estreita que o demissionário Sébastien Lecornu divisava, ao aconselhar Emmanuel Macron a nomear um novo primeiro-ministro em vez de dissolver a Assembleia Nacional, dependia de não perder os aliados do centro e centro-direita e de captar os socialistas. Os seus 69 deputados são o fiel da balança num hemiciclo que “nunca foi tão representativo dos franceses”, como o chefe de governo reconduzido afirmou perante os deputados no discurso de política geral. Numa intervenção em que defendeu as virtudes do parlamentarismo e do debate, mas também a necessidade de se aprovar um orçamento que responda às necessidades de corte no défice, Lecornu cedeu às exigências do PS, e com isso irá assegurar que as moções de censura, a serem votadas na quinta-feira de manhã, serão um insucesso. “O grupo do Partido Socialista não votará a favor da moção de censura não apresentará uma moção de censura em resposta ao discurso de política geral do primeiro-ministro”, anunciou o deputado Laurent Baumel à BFM-TV..Governo Lecornu II luta contra o tempo e contra as hipóteses.Antes da ida ao parlamento, Lecornu e os restantes ministros estiveram reunidos com o presidente, com o orçamento em debate. Em paralelo, o primeiro-ministro havia enviado o documento para os serviços da Assembleia Nacional, cumprindo o limite do calendário fixado na Constituição, que é de permitir aos deputados e senadores 70 dias para debate. Na reunião com o novo executivo, o presidente deixou um aviso para quem ainda o ouve - no mês passado, apenas 22% dos franceses tinha opinião favorável de Macron - :“Os desacordos são compreensíveis, mas só são aceitáveis se forem possíveis compromissos”, disse antes de fazer um apelo para a “estabilidade institucional”, uma vez que os franceses, comentou, “estão cansados da agitação” política. Também repetiu o que a porta-voz do governo dissera horas antes: uma moção de censura bem-sucedida equivale à dissolução da Assembleia.Foi por aí que começou o discurso de Lecornu, ao afastar a ideia de uma “crise de regime” devido às instituições da V República, e em especial àquela na qual usava da palavra. “É preciso saber tirar os benefícios da crise parlamentar”, sugeriu. O homem que participou em todos os executivos sob a presidência de Macron comprometeu-se em trabalhar num orçamento “sério e fiável para a França e útil e bom para os franceses”, relembrando que aceitou a recondução ou, como diz, “a missão”, porque o país “tem de ter um orçamento e há medidas urgentes a tomar”..“A Assembleia, na sua diversidade e nas suas divisões, assemelha-se aos franceses. É fruto da escolha dos franceses. Esta Assembleia nunca foi tão representativa dos franceses. É necessário tirar todas as consequências disso”Sébastien Lecornu, primeiro-ministro.Lecornu elogiou a composição do governo, em especial o ingresso de “peritos entre os mais competentes do país”, mas que caberá aos deputados terem a última palavra. “O governo proporá, nós debateremos, vocês votarão. Partilhar o poder com o parlamento é, sem dúvida, uma rutura”, afirmou. Por outras palavras, Lecornu comprometeu-se em não recorrer ao expediente de aprovar as contas de 2026 como tem acontecido desde 2022, sem passar pelo voto dos legisladores. Também anunciou a suspensão, desde este outono e até às eleições presidenciais, da reforma das pensões. Porém, como esta medida exigida à esquerda e à extrema-direita tem um custo de 400 milhões de euros para o ano e de 1,8 mil milhões em 2027, disse que terá de ser compensado com poupanças para que o défice fique abaixo de 5% do PIB..“Permaneço na oposição, mas quero que haja um debate. Não iremos censurar [o governo] logo no discurso de política geral. Quando se faz política, faz-se para mudar a vida das pessoas; provocar uma dissolução não altera a vida das pessoas.”Olivier Faure, líder do PS.Darmanin em ruturaOs mais recentes desenvolvimentos políticos fizeram mossa ao nível partidário. O ministro da Justiça Gérald Darmanin, agora no Renascimento, depois de ter sido próximo de Nicolas Sarkozy n’Os Republicanos, anunciou ao líder do partido macronista Gabriel Attal que vai “retirar-se de toda a atividade partidária”. Darmanin, que tem ambições presidenciais, aproveitou para criticar as “aventuras individuais e prematuras para a eleição presidencial”, uma alfinetada a Attal, o ex-primeiro-ministro que há dias disse não compreender as decisões de Macron. Já Os Republicanos viram seis militantes ignorar a decisão da liderança - apoiar o governo sem nele participar - ao aceitarem fazer parte do executivo. Annie Genevard (Agricultura), Philippe Tabarot (Transportes), Vincent Jeanbrun (Cidades e Habitação), Rachida Dati (Cultura), Sébastien Martin (Indústria) e Nicolas Forissier (Comércio Exterior) arriscam a expulsão. O caso mais bicudo será o de Dati, que tem como ambição candidatar-se à presidência da Câmara de Paris, no próximo ano.