Kiev pede à população de Donbass para sair "agora"

Ocidente está concentrado na resposta ao que aconteceu em Bucha, cuja responsabilidade a Rússia continua a negar. Mas as bombas estão a cair a Leste.
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Ainda com as imagens de Bucha a marcar a resposta internacional à invasão da Ucrânia, com um coro de condenações à Rússia e o anúncio de mais sanções da parte dos EUA e Reino Unido e mais ameaças por parte da União Europeia, as atenções no terreno voltam-se contudo para o que se passa no Leste do país. O alerta de Kiev às populações da região de Donbass é simples e urgente: saiam "agora" porque mais tarde arriscam morrer, com as autoridades ucranianas a não conseguirem ajudar quando começarem os ataques russos.

Após esse alerta, em Sievierodonetsk, na região de Luhansk, ainda sob controlo da Ucrânia, pelo menos dez edifícios residenciais estavam esta quarta-feira em chamas em resultado de um bombardeamento, segundo o governador Serhiy Haidai. A mesma fonte indicava que entre os alvos "não estava uma única instalação militar estratégica". Os jornalistas da AFP na cidade confirmaram que os ataques estavam a ocorrer a intervalos regulares e pelo menos um edifício estava em chamas.

Na região de Donetsk, pelo menos quatro pessoas morreram e outras quatro ficaram feridas próximo de um local de distribuição de ajuda humanitária, em Vugledar, após um bombardeamento russo, segundo o governador. No Telegram, Pavlo Kyrylenko mostrou imagens do interior de um edifício que aparenta ser uma escola, com as janelas destruídas e as carteiras viradas, e os serviços de emergência a tentar ajudar as vítimas.

O Kremlin já declarou que a libertação da região de Donbass é agora uma prioridade do seu exército, após uma primeira fase da "operação militar especial" que alegadamente visou destruir a capacidade de resposta das forças de Kiev. O recuo das tropas russas da zona da capital, que segundo responsáveis ocidentais está quase completo, estaria relacionado com esta nova prioridade. A NATO já alertou para o facto de estarem a reabastecer e a reagrupar para preparar uma operação de larga escala em breve na região - que inclui as autoproclamadas "repúblicas" de Donetsk e Luhansk, parcialmente sob controlo de separatistas pró-russos e cuja independência Moscovo reconheceu antes da invasão.

"Os governadores das regiões de Kharkiv [Carcóvia], Luhansk e Donetsk estão a pedir à população para deixar estes territórios e estão a fazer tudo o possível para garantir que a evacuação decorra de forma organizada", escreveu a vice-primeiro-ministra Iryna Vereshchuk no Telegram, pedindo aos residentes destas zonas para cooperarem com as autoridades e avisando que Kiev "não será capaz de ajudar" após o ataque russo. "É necessário sair enquanto existe essa possibilidade. Por enquanto, ainda existe", acrescentou.

Mais tarde, o governador de Kharkiv, Oleh Sinehubov, negou contudo haver uma ordem de evacuação da sua região. "Não estamos a empreender qualquer medida de evacuação centralizada em Kharkiv", disse também no Telegram. "Sabemos que o inimigo não mudou os planos, mas acreditamos nas nossas forças armadas ucranianas, na força das nossas defesas", acrescentou, referindo ainda assim que as cidades de Barvenkove e Lozoviy, as mais próximas da região de Donetsk, a sudeste, deviam ser evacuadas.

Apesar da aparente mudança de tática da Rússia de centrar-se em Donbass, o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, não acredita que o presidente Vladimir Putin tenha abandonado "a ambição para controlar a totalidade da Ucrânia". Após uma reunião dos chefes da diplomacia da Aliança Atlântica, em Bruxelas, alertou que a guerra "pode durar anos". E reiterou que os aliados têm que estar preparados para apoiar a Ucrânia a longo prazo, mas também para manter as sanções e reforçar as defesas dos países da NATO.

Enquanto em Bucha se recolhem provas de eventuais crimes de guerra cometidos pelas forças russas, desmascarando as versões que Moscovo tem apresentado do que se terá passado na cidade nos arredores de Kiev, a comunidade internacional intensifica as suas sanções. No caso dos EUA, as sanções incluem os principais bancos públicos russos, mas também vários indivíduos, incluindo as duas filhas de Putin: Maria Vorontsova e Katerina Tikhonova, fruto do casamento com Lyudmila Shkrebneva (divorciaram-se em 2013).

"Estes indivíduos enriqueceram às custas do povo russo. Alguns são responsáveis por providenciar o apoio necessário para sustentar a guerra de Putin contra a Ucrânia", disse a Casa Branca, num comunicado. "Acreditamos que muitos dos bens de Putin estão escondidos com membros da família e é por isso que estamos a colocar a mira neles", indicou um responsável, referindo-se às filhas do líder russo.

A União Europeia também estará a estudar colocá-las na lista de sanções, segundo a AFP. O documento, a que a agência de notícias francesa teve acesso, coloca Vorontsova como coproprietária da empresa Nomenko, "envolvida no maior projeto de investimento privado em saúde na Rússia". Quanto à irmã Tikhonova, diz que "lidera atualmente a iniciativa de desenvolvimento Innopraktika, financiada por empresas russas chave cujos diretores são membros do círculo interno de oligarcas próximos de Putin". Por isso, ambas beneficiam das políticas do Kremlin e garantem-lhe rendimentos.

No caso do Reino Unido, as sanções incluem dois bancos e a promessa de eliminar todas as importações de petróleo e carvão russos até ao final do ano. Em relação ao gás natural, a indicação é acabar com qualquer importação "assim que possível". No setor energético, a União Europeia está demasiado dependente do petróleo e gás russos, não tendo ainda chegado a acordo para sanções nesta área. Contudo, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, admitiu aos eurodeputados que "mais cedo ou mais tarde" as sanções terão que atingir esse setor.

As últimas sanções surgem em resposta direta ao que aconteceu em Bucha, com a Rússia a continuar a negar a responsabilidade. Putin acusou as autoridades ucranianas de estarem por detrás das "provocações cruas e cínicas", ao alegarem que foram as tropas russas as responsáveis pela morte de centenas de civis em Bucha. Mas continuam a surgir provas: imagens satélite tiradas em meados de março revelam os corpos já nas ruas da cidade, rejeitando a ideia passada por Moscovo de que houve uma "encenação" das fotografias e vídeos que têm vindo a público ou que os responsáveis foram as forças ucranianas que entraram após a saída dos russos.

Na frente diplomática, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán (recém-reeleito), propôs uma reunião em Budapeste entre Putin e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, na presença também do presidente francês, Emmanuel Macron, e do chanceler alemão, Olaf Scholz. "Sugeri ao presidente Putin que ele declare um cessar-fogo imediato", indicou numa conferência de imprensa, revelando também o convite que fez para o encontro. Orbán disse que a resposta de Putin foi "positiva, mas com condições", sem dar contudo mais pormenores e explicando que não tinha ainda falado com Macron ou Scholz sobre o tema.

O primeiro-ministro húngaro, próximo de Putin, admitiu ainda pagar o gás russo em rublos, como Moscovo exige, quebrando assim a posição da União Europeia que insiste em pagar em euros ou dólares, como está previsto nos contratos. O chefe da diplomacia húngaro, Peter Szijjarto, lembrou mais cedo que a União Europeia não tem qualquer papel no fornecimento de gás, que é regulado por um contrato bilateral, logo uma resposta comum não parece necessária aos olhos de Budapeste.

A Rússia anunciou entretanto que teve que pagar em rublos uma dívida de 649,2 milhões de dólares, por o banco intermediário ter recusado aceitar o pagamento. O Ministério das Finanças russo não disse se o pagamento foi aceite.

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