Um escândalo atingiu o coração do governo de Javier Milei na Argentina. Aliás, atingiu o próprio coração do presidente. Karina Milei, irmã do líder argentino, que a trata por “chefa”, secretária-geral da presidência e presidente do La Libertad Avanza, partido de ambos, foi envolvida num caso de corrupção na indústria farmacêutica, após a divulgação de áudios de Diego Spagnuolo, um advogado íntimo da família. O escândalo tem potencial para abalar o governo ultraliberal, a apenas duas semanas das eleições para a província de Buenos Aires e a dois meses das eleições legislativas no país.“Estão roubando, você pode fingir que não sabe mas não joguem esse problema para mim, tenho todos os WhatsApp de Karina”, diz Spagnuolo, que dirigia a Agência Nacional Para Pessoas com Deficiência (Andis) e representa juridicamente o próprio Milei, numa mensagem com destinatário incerto e cuja veracidade ainda não foi confirmada - nem desmentida. “Do que eles cobram pelos remédios, você tem que colocar 8% (...) ela [Karina] recebe 3%”, ouve-se noutra gravação. Sendo que 3% equivalem, segundo a imprensa argentina, a valores entre os 500 e os 800 mil dólares da faturação de farmacêuticas para garantir contratos com áreas do governo, nomeadamente o Ministério da Defesa. Spagnuolo foi, entretanto, destituído no cargo na Andis e autoridades policiais argentinas já fizeram 16 operações com apreensão de telemóveis, documentos, máquinas de contar dinheiro e milhares de dólares em espécie relacionados com o esquema naquele organismo e na empresa farmacêutica Suizo. Emmanuel e Jonathan Kovalivker, donos da Suizo, estão na mira das autoridades: o primeiro foi detido com 266 mil dólares em espécie e o segundo é considerado foragido. Eduardo “Lule” Menem, braço direito de Karina e um dos principais agentes políticos do governo, é apontado como o operador da suposta rede de corrupção.A sucessão rápida de eventos deixou a Casa Rosada sem reação num primeiro momento. Mas, na segunda-feira, Milei compareceu a um evento público, ao lado de Karina, onde, sem citar o caso especificamente, falou em “argentinos do mal”, referindo-se aos parlamentares de oposição que visam derrubar o seu programa económico, e a “jornalistas mentirosos e rasteiros”. Martín Menem, presidente da Câmara dos Deputados e primo de Lule, afirma pôr “as mãos no fogo” por Lule e por Karina”. “O presidente está tranquilo”, disse, por sua vez, Guillermo Franco, chefe de gabinete de Milei, sugerindo tratar-se de uma “monumental perseguição política” a meio da campanha eleitoral. A campanha é pelo governo da província da capital do país, com eleições em apenas duas semanas, e pelo poder legislativo, marcadas para finais de outubro, ambas consideradas importantes testes a Milei, eleito em 2023 com um programa ultraliberal na economia após vitória sobre Sergio Massa, candidato peronista e aliado dos ex-presidentes Cristina Kirchner e do antecessor Alberto Fernández. Na ocasião, Karina Milei, 53 anos, foi figura omnipresente da corrida eleitoral como eminência parda e objeto da devoção do irmão, de 54, que a trata por “chefa” e a considera a estratega por trás da sua meteórica ascensão política. Sem relação com os pais, a irmã, formada em relações públicas e com carreira na gestão financeira, foi a única familiar com quem o hoje presidente manteve sempre o contacto, considerando-a, segundo reportagens da CNN e da BBC, “o único suporte psicológico de Javier, vítima de violência doméstica exercida pelo pai”. “Ela é Moisés, a Messias, eu sou só um populista”, chegou a dizer Javier de Karina que, embora muito mais reservada do que o irmão, também tem traços de excentricidade: estudou para ser chef de pastelaria, foi escultora e é leitora de cartas de tarot, ajudando o irmão a comunicar-se com Conan, o cão falecido dele. O primeiro ato de Milei como presidente foi a revogação de um decreto, do tempo da presidência, de 2015 a 2019, de Maurício Macri, que proibia a nomeação de familiares para posições no gabinete e o consequente convite a Karina para assumir a posição de secretária da presidência. E é ela, solteira, sem namorado conhecido, nem filhos, quem determina quem se reúne ou não com o irmão na Casa Rosada.A atual controvérsia, em torno das farmacêuticos, junta-se a uma acusação de Hayden Mark David, executivo ligado à criptomoeda $Libra, de que ela foi subornada para fazer o irmão promover a moeda no início deste ano..Javier Milei: do "cryptogate" à motosserra