O que causou a recente crise diplomática entre a China e o Japão?As declarações da primeira-ministra nipónica aos deputados, no dia 7. Questionada sobre quais as circunstâncias relacionadas com Taiwan que seriam consideradas uma situação de ameaça ao Japão, Sanae Takaichi respondeu: “Se houver navios de guerra e uso de força, não importa como se veja a questão, isso pode constituir uma situação de ameaça à sobrevivência.”Qual o alcance destas declarações? As palavras de Takaichi referem-se a um cenário previsto na lei de segurança nacional do Japão, datada de 2015, e que abre o leque da atuação das forças japonesas, até então limitadas à estrita autodefesa, como contemplada na Constituição de caráter pacifista em resultado da derrota do Japão Imperial na Segunda Guerra. A “situação de ameaça à sobrevivência” prevê não só resposta das Forças de Autodefesa do Japão a uma ameaça direta ao arquipélago, mas também a um ataque armado aos seus aliados.Taiwan é um aliado do Japão?Formalmente, Tóquio seguiu a tendência mundial de reconhecimento da República Popular da China em lugar da República da China, o Estado formado na ilha Formosa (Taiwan) pelos nacionalistas chineses exilados do continente em resultado da vitória dos comunistas. Assim aconteceu na Assembleia Geral da ONU, em 1971, e no ano seguinte o Japão e a China assinaram um comunicado conjunto, no qual ambos estabeleciam ligações diplomáticas, com o primeiro a reconhecer que Taiwan é “parte inalienável” da China e com o segundo a renunciar a reparações de guerra. Na prática, o Japão - que anexou Taiwan entre 1895 e 1945 - mantém relações com Taipé a um nível não oficial e alimenta uma ambiguidade estratégica, a exemplo dos EUA - embora, ao invés destes, não tenha qualquer acordo com Taiwan sobre assistência militar. .China diz que esmagará ingerências em Taiwan e reitera advertência ao Japão.O anterior governo, liderado por Ishiba Shigeru, foi responsável por uma iniciativa diplomática de aproximação aos 12 países que reconhecem a República da China no lugar da República Popular da China. É do interesse do Japão, aliado dos EUA, tal como Taiwan e vários outros países da região, contrapor a ascensão da China como único superpoder do Indo-Pacífico. Exemplo disso são as ambições de expansão territorial chinesa, materializadas com a construção de atóis artificiais no Mar do Sul da China. Qual foi a resposta de Pequim?As declarações de Takaichi provocaram uma onda de indignação por parte da China. Para o cônsul-geral em Osaca, Xue Jian, não havia alternativa a “cortar o pescoço sujo” que avançara contra a China, questionando se o Japão estava preparado para tal cenário. O comentário, publicado no X, foi posteriormente apagado. Enquanto na opinião pública japonesa se advogava pela expulsão do diplomata, o ministro dos Negócios Estrangeiros Toshimitsu Motegi considerou o comentário de Xue “lamentável”. Mas se o tom gráfico foi abandonado por Pequim, a linha dura manteve-se. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China instou a primeira-ministra japonesa a corrigir as declarações, descritas como “escandalosas”. Além disso, Lin Jian disse que as declarações de Takaichi são uma “interferência grosseira” nos assuntos internos da China e que davam um “golpe pesado” às relações bilaterais, tendo culminado com uma ameaça. “Se o Japão ousar intervir militarmente na situação do Estreito da Formosa, isso constituirá um ato de agressão, e a China retaliará de forma decisiva.” No campo diplomático, Pequim escreveu ao secretário-geral da ONU para denunciar o sucedido, só para o Japão fazer o mesmo, mas para se defender. Além das declarações públicas, a China decidiu igualmente atacar na frente económica: suspendeu a importação de marisco, cortou nas ligações aéreas e emitiu avisos à população para evitar viajar para o Japão. Como reagiu o governo japonês? A primeira-ministra disse que não iria retractar-se e o que havia dito era coerente com a política japonesa, mas que também não voltaria a falar publicamente naqueles termos, até porque o seu desejo é de melhorar as relações nipo-chinesas. Um esforço nesse sentido foi ensaiado por ambas as partes, ao reunirem diplomatas em Pequim para conversações. Mas do encontro a única notícia que saiu a terreiro foi o facto de um funcionário chinês ter optado por vestir-se como os estudantes chineses que se rebelaram contra o imperialismo japonês em 1919. As tensões foram de novo elevadas com a visita, no domingo, do ministro da Defesa japonês à ilha Yonaguni, situada 110 quilómetros a leste de Taiwan. Shinjiro Koizumi anunciou os planos de instalação de mísseis terra-ar de médio alcance Type-03 naquela ilha com menos de 2 mil habitantes e, ao fazê-lo, disse que tal “pode ajudar a reduzir a probabilidade de um ataque armado” ao seu país. .Taiwan anuncia planos para "defender permanentemente" a ilha contra "ameaça chinesa".E o que resultou daqui?A China, que vê Taiwan como um território seu, não enjeitando a hipótese de o tomar pela força, respondeu na segunda-feira em vários níveis. Publicamente, o chefe da diplomacia Wang Yi mostrou-se chocado porque “os líderes atuais do Japão” atravessaram “uma linha vermelha”. As forças armadas publicaram um vídeo intitulado “Se a guerra eclodir, esta será a minha resposta”. De forma reservada, o líder Xi Jinping telefonou ao homólogo dos EUA. Se Donald Trump não fez menção à crise entre o Japão e a China, o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês reportou que Xi “esclareceu a posição de princípio da China sobre a questão de Taiwan”, ou seja, defendeu a passagem do controlo do território para as suas mãos, tendo para isso alegado a salvaguarda “em conjunto da vitória da Segunda Guerra Mundial”. Mas Takaichi, cuja política face à China é apoiada pelos japoneses (53% do total e 64% entre os jovens, segundo sondagem publicada pelo Yomiuri Shimbun), seguiu os passos de Xi e no dia seguinte falou também com Trump. Apenas se soube que este disse que a governante pode ligar quando quiser. E que nenhum dos lados parece querer ceder.