Camisa azul e gravata escura, jornal na mão, lápis atrás da orelha e ao lado, num quadro branco onde se lê “Congressista Jack”, o velho cartaz de campanha que ajudou a levar o seu avô John F. Kennedy à presidência dos EUA, com o slogan “Our Man Jack”. É assim que Jack Schlossberg surge numa das fotos do site que lança a sua campanha para representante do 12.º distrito de Nova Iorque nas intercalares do próximo ano. Aos 32 anos, o neto de JFK está empenhado em deixar para trás a imagem de estrela controversa das redes sociais e voltar a pôr um Kennedy no Congresso dos EUA. “Tenho muito orgulho do legado da minha família no serviço público”, garantiu Schlossberg ao The New York Times, que fez uma extensa reportagem com ele depois do anúncio da sua candidatura. “O presidente Kennedy é uma inspiração para mim. O meu tio[-avô] Teddy lutou por questões como saúde, imigração e trabalho, que continuam a ser temas importantes nos dias de hoje”, continuou, com a devida homenagem a JFK, mas também ao irmão deste, Ted Kennedy, senador do Massachussets durante longas décadas e seu padrinho. Com o mote “Jack for New York” e o slogan “Uma nova geração de liderança para Nova Iorque”, Schlossberg lança-se assim na corrida ao lugar deixado vago por Jerry Nadler, que sai após mais de três décadas. Num distrito que abrange a sede das Nações Unidas, o Empire State Building, Times Square, o Central Park... e o apartamento de Schlossberg, a concorrência para garantir a nomeação democrata vai ser dura, sobretudo para um novato na política como o filho da antiga embaixadora Caroline Kennedy e do artista e designer Edwin Schlossberg, autor dos projetos dos museus da Estátua da Liberdade e de Ellis Island. Apesar de carregar um apelido com todo o peso do passado, Schlossberg espera aproveitar a onda que levou à eleição, no início do mês, de Zohran Mamdani como mayor de Nova Iorque. Os dois homens partilham a juventude - Mamdani tem 34 anos -, mas sobretudo a capacidade de chegar aos eleitores mais jovens através das redes sociais e mobilizar uma base essencial para derrotar os republicanos. “Se Zohran Mamdani e eu temos algo em comum, é que ambos tentamos ser versões autênticas de nós mesmos, encontrar as pessoas onde elas estão, comunicar com as pessoas em Nova Iorque, estar presentes e apoiá-las”, afirmou Schlossberg ao New York Times..No caso do neto de Kennedy, foi na faculdade que começou a interessar-se por stand-up comedy, mas nos últimos anos ganhou um número considerável de seguidores nas redes sociais. Ao todo são mais de 2,3 milhões os que o seguem no X, Instagram e Tik Tok, onde Schlossberg tem multiplicado os ataques contra o presidente Donald Trump, mas também contra o primo, Robert Kennedy Jr. Num clã tradicionalmente democrata, o filho de RFK não hesitou em desistir da corrida à nomeação democrata para as presidenciais de 2024, para avançar como independente antes de desistir para apoiar o republicano Trump. Com isso, o advogado que se distinguiu como negacionista das vacinas e adepto das teorias da conspiração, garantiu um lugar na Administração, como secretário da Saúde. Sem medo de provocar ou mesmo de causar indignação, Schlossberg - muitas vezes encarnando personagens diferentes, com recurso a sotaques e adereços - não hesita em tratar o primo por “RFK looser” e num episódio insinuou que ia ter um filho com Usha Vance, a mulher do vice-presidente JD Vance. Muito próximo da mãe, Caroline, que ajuda na Fundação Kennedy e com a qual passou bastante tempo nas viagens dela como embaixadora no Japão e na Austrália, Schlossberg brinca que até a progenitora admite que “não sou para todos”, explicando que Caroline “sempre disse: ‘Jack, tu és um pouco diferente dos outros rapazes’. E não está errada.”Discreta na sua vida privada, Caroline Kennedy confessou ao New York Times a admiração pelo filho e o seu trabalho nas redes sociais: “Estou impressionada por ele ter pensado nas diferentes maneiras de o fazer e por estar disposto a arcar com as consequências quando assume um risco que as pessoas consideram ofensivo.”A maldição dos KennedyAssassínios, quedas de aviões e outros acidentes , o clã Kennedy ficou marcado pela tragédia. Questionado sobre os perigos de fazer campanha num ambiente hoje também tão politicamente divisivo e marcado pela violência, sobretudo tendo em conta a história da sua família, Schlossberg desvalorizou: “Tento não pensar nessas coisas.”Mas é difícil não pensar quando o avô foi assassinado a tiro em Dallas, em novembro de 1963, deixando a América em choque com a morte do jovem presidente (tinha 46 anos) que deixava viúva e dois filhos pequenos: Caroline e John John. Cinco anos depois, foi Robert Kennedy, antigo procurador-geral do irmão, a ser morto na campanha para as primárias democratas quando tentava chegar à Casa Branca. Tinha 42 anos e deixava 11 filhos. Mas a tragédia já antes batera à porta do clã do Massachusetts. Na II Guerra Mundial, Joseph, o filho mais velho da família e aquele no qual o patriarca depositava as esperanças de ascensão política, morria aos 29 anos na queda do bombardeiro que pilotava. Algum tempo depois, em 1948, falecia em França em consequência de um acidente de aviação, Kathleen Kennedy, a filha rebelde que tinha cortado laços com a família devido às desavenças com o pai..Depois dos assassínios de John e de Robert, o legado do clã recaia em Ted. Mas o sonho da presidência terminava quando, numa festa, o carro do senador se precipitou de uma ponte na ilha de Chappaquiddick, no Massachusetts, provocando a morte da sua secretária, Mary Jo Kopechne. A desgraça perseguiu também a geração seguinte, com a morte mais famosa a ser a de John Kennedy Jr, o filho do presidente JFK, em 1999, aos 38 anos. John John, como era tratado, pilotava uma avioneta que se despenhou no Atlântico junto à costa dos EUA. No acidente morreu também a mulher, Caroline Bessette. Alto, moreno, com um maxilar forte, Jack Schlossberg é muitas vezes comparado ao tio, em cujo casamento foi o menino das alianças. Formado em História em Yale e em Direito em Harvard, passou o exame da Ordem, mas nunca exerceu advocacia, tendo antes seguido os passos jornalísticos de John John ao escrever alguns artigos para jornais e revistas como a Vogue.Ainda estudante, Schlossberg trabalhou no Senado como assistente e estagiário do tio-avô Ted. Agora sonha com uma vitória nas intercalares do próximo ano para voltar a pôr um Kennedy no Congresso, o que não acontecia desde 2021, quando Joe Kennedy III, neto de RFK, deixou o cargo de congressista do Massachusetts que ocupava desde 2013 após uma tentativa falhada de desafiar o incumbente Ed Markey nas primárias democratas para representar aquele estado no Senado. Agora John Bouvier Kennedy Schlossberg - o nome verdadeiro de Jack - quer carregar o legado da família. E apesar do apelido sonante, a desconfiança do aparelho democrata até lhe pode dar a aura de outsider que tanto beneficiou Mamdani. No seu site de campanha, Schlossberg insiste na tradição de serviço público dos seus familiares, lembrando que é “o único neto do presidente John F. Kennedy e da primeira-dama Jacqueline Kennedy Onassis”, mas que “o seu avô paterno, Alfred Schlossberg, também foi eleito presidente... da sua sinagoga na zona alta da cidade e passou décadas a trabalhar no ramo do vestuário, com um escritório no Empire State Building”, sublinhando: “O serviço público e a liderança comunitária estão presentes em ambos os lados da sua família.” .Governo Trump desclassifica documentos inéditos sobre assassinato de John F. Kennedy