Israel quer que ACNUR substitua UNRWA
Israel considera que o Alto-Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) deve substituir a agência UNRWA, cujo mandato se aplica exclusivamente aos refugiados palestinianos no Médio Oriente, disse esta quarta-feira o ministro dos Assuntos da Diáspora israelita, Amichai Chikli.
O ministro tentava assim defender as leis aprovadas pelo parlamento de Israel (Knesset) na segunda-feira para banir aquela agência especializada das Nações Unidas de território israelita e dos territórios palestinianos ocupados da Faixa de Gaza e da Cisjordânia.
"A UNRWA é parte do problema, não da solução", sustentou o ministro (que pertence à ala dura do Likud, o partido do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu), num encontro com a comunicação social.
No seu discurso, Chikli insistiu que a ONU já tem uma agência encarregada de prestar assistência aos refugiados em todo o mundo (o ACNUR) e que o estatuto único dos refugiados palestinianos, que se aplica àqueles que perderam as suas casas e empregos após a criação do Estado de Israel, em 1948, e aos seus descendentes, impede que o conflito seja resolvido, uma vez que o número de pessoas sob a sua alçada não para de aumentar.
A sua posição reflete o que pensa grande parte da sociedade israelita, o que ajuda a explicar o apoio maciço às duas leis aprovadas na segunda-feira para proibir as atividades da UNRWA em Israel e para impedir que os organismos públicos israelitas tenham contacto com os seus funcionários.
Os diplomas obtiveram o apoio de todos os grupos parlamentares, com exceção da esquerda e dos árabes, ambos em minoria num parlamento que costuma estar extremamente dividido.
Na base desta posição, encontram-se as acusações de parcialidade e de conivência com as milícias palestinianas que as autoridades israelitas constantemente dirigem à UNRWA, nomeadamente na sequência do ataque do movimento islamita palestiniano Hamas a território israelita, a 07 de outubro de 2023, que se saldou em cerca de 1.200 mortos, na maioria civis, e 251 sequestrados, 97 dos quais ainda em cativeiro (embora desses, 34 tenham sido entretanto declarados mortos pelo Exército israelita), e desencadeou a guerra de retaliação de Israel em Gaza, ainda em curso, mais de um ano depois.
Num documento elaborado pelo gabinete de Chikli, as autoridades israelitas identificam, por nome e apelido, 12 funcionários da UNRWA alegadamente ligados ao Hamas, embora o país afirme que mais de 1.000 trabalhadores em Gaza têm ligações ao grupo.
A agência da ONU, que tem cerca de 30.000 empregados em todo o mundo, despediu dez dos 12 trabalhadores inicialmente identificados por Israel em janeiro (dois já estavam mortos) por alegada participação nos ataques de 7 de outubro. Posteriormente, Israel acusou sete outros funcionários de terem participado nos ataques.
Após uma investigação interna, a ONU concluiu que nove dos 19 funcionários assinalados poderiam ter estado envolvidos nos ataques, mas esclareceu que o gabinete de investigação não estava em condições de verificar de forma independente a maior parte das informações apresentadas por Israel.
Além disso, a agência foi submetida a um processo independente de revisão dos seus mecanismos de neutralidade, liderado pela ex-ministra dos Negócios Estrangeiros francesa Catherine Colonna, que concluiu que a UNRWA possui um dos sistemas mais desenvolvidos de entre as agências da ONU para manter a sua neutralidade, mas fez uma série de recomendações para o reforçar.
Por seu lado, Israel matou pelo menos 233 funcionários da UNRWA durante a sua guerra na Faixa de Gaza.
As explicações não serviram de nada e a posição oficial de Israel continua a ser a de que "a UNRWA é o Hamas", como declarou recentemente um porta-voz do Governo israelita, citado pela agência de notícias espanhola Efe.
No mesmo sentido, Chikli defendeu, na sua intervenção, que a agência "é parte do ADN [código genético] palestiniano que nunca aceitou a legitimidade de um Estado judaico".
Na sua página da Internet, a UNRWA explica que a sua missão é "prestar serviços aos refugiados palestinianos" até que haja uma solução acordada para o conflito israelo-palestiniano, mas que, ao contrário do ACNUR, não tem poderes para procurar soluções para a deslocação da população palestiniana, como o repatriamento ou o regresso ao seu local de origem.
As missões das duas agências, explica o grupo, são fundamentalmente distintas: a UNRWA fornece serviços diretos (principalmente educação e saúde) na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, em Jerusalém Oriental, no Líbano, na Jordânia e na Síria, ao passo que o ACNUR oferece assistência temporária para tentar integrar as pessoas que fogem da violência ou da perseguição em países de acolhimento.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, foi claro: "Não há alternativa à UNRWA", afirmou na terça-feira, numa mensagem em que condenava as leis aprovadas pelo Knesset.
Ainda assim, as autoridades israelitas mantêm a intenção de levar por diante a sua decisão de impedir a agência de funcionar.
"Acredito que as leis serão aplicadas e espero que mais países sigam na mesma direção", disse Chikli, citando em particular os Estados Unidos.
As autoridades norte-americanas apelaram a Israel para que suspendesse a aplicação das leis contra a UNRWA, mas, na prática, só Washington se recusou a retomar o seu financiamento da agência, depois de os outros países que o retiraram na sequência das acusações de Israel terem decidido reverter essa decisão, perante a ausência de provas -- e porque a UNRWA é responsável pela distribuição da pouca ajuda humanitária que ainda consegue entrar na Faixa de Gaza, território devastado onde a população enfrenta a pior crise de segurança alimentar já identificada pela ONU no mundo.
Para já, as contribuições dos Estados Unidos, o principal doador da UNRWA, estão suspensas por lei até 2025.
Até agora, o único Presidente norte-americano que tinha cancelado as contribuições para esta agência tinha sido, em 2018, Donald Trump