António Costa, presidente do Conselho Europeu
António Costa, presidente do Conselho Europeu JOSÉ COELHO/LUSA

Investir em defesa sem preservar Estado social da UE seria "suicídio coletivo", diz Costa

Presidente do Conselho Europeu espera que as negociações comerciais entre a UE e os EUA, na sequência das tarifas anunciadas por Trump, sejam concluídas “rapidamente e bem”.
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O presidente do Conselho Europeu, António Costa, afirma que investir em defesa sem preservar o Estado social da União Europeia (UE) seria um “suicídio coletivo”, destacando o impulso norte-americano à unidade europeia em torno dos objetivos da NATO.

“Aqueles que colocam como opção escolher entre o Estado Social e a investir na defesa é um suicídio coletivo porque ninguém se mobiliza para se defender se não for para defender o seu próprio modo de vida. E o que caracteriza o nosso modo de vida europeu é precisamente a existência deste Estado Social forte”, afirma António Costa em entrevista à agência Lusa em Bruxelas a propósito dos seus seis meses no cargo.

“Isso é absolutamente essencial porque a defesa não é só um gasto militar, a defesa é a mobilização do conjunto da sociedade para se defender a si própria. E o que é que é a sociedade defender-se a si própria? É defender seus valores e o seu modo de vida”, acrescenta.

Para o líder da instituição que junta os chefes de Governo e de Estado da UE, “é fundamental manter esse Estado Social e ter a capacidade de organizar a economia para gerar os recursos necessários para sustentar este investimento em defesa”.

Numa altura de contínua guerra da Ucrânia causada pela invasão russa e de tensões geopolíticas no Médio Oriente, António Costa vinca que “a Europa mudou radicalmente” pois “houve uma compreensão generalizada que a paz sem defesa é uma ilusão”.

“Portanto, a Europa da defesa tornou-se uma realidade e foi isso que, logo em março de 2022 […], o Conselho Europeu decidiu, que foi assumir maiores possibilidades na área da defesa”, assinala.

Para tal, contribuíram, a seu ver, os apelos do presidente norte-americano, Donald Trump, a mais gastos em defesa, desde que voltou à administração dos Estados Unidos no início deste ano.

“O presidente [norte-americano, Donald] Trump, paradoxalmente, ajudou a resolver isto porque a dúvida que existia na Europa era [entre] aqueles que entendiam que a autonomia estratégica e o reforçar o pilar europeu da NATO era uma divisão relativamente aos americanos e uma bizarria francesa que criava um problema no relacionamento com os Estados Unidos, [mas] a verdade é que, com o presidente Trump, […] ambas as partes convergem na mesma posição”, elenca.

Nesta entrevista à Lusa, António Costa conclui: “A melhor forma hoje em dia de preservar a relação transatlântica é com uma Europa da defesa, um pilar europeu da NATO e uma maior autonomia estratégica da Europa.”

António Costa, presidente do Conselho Europeu
Países da NATO aceitam investir 5% em Defesa até 2035. Trump compromete-se a "ajudar" e "proteger" os aliados

Na semana passada, reunidos em Bruxelas, os líderes da UE comprometeram-se a financiar adequadamente o aumento dos gastos com defesa, coordenando tal investimento para o fazer “melhor em conjunto”, dada a nova meta da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) dias antes.

Os chefes de Governo e de Estado da UE pediram também à Comissão Europeia e à chefe da diplomacia comunitária, Kaja Kallas, que apresentem um roteiro para alcançar a prontidão da defesa comum da UE até 2030.

Na cimeira da NATO, os 32 aliados da Aliança Atlântica assumiram o compromisso de gastarem, até 2035, 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em despesas militares tradicionais (forças armadas, equipamento e treino) e 1,5% do PIB adicionais em infraestruturas de cibersegurança, prontidão e resiliência estratégica, um acréscimo face ao atual objetivo de 2%.

Entre 2021 e 2024, a despesa dos Estados-membros da UE com defesa aumentou mais de 30%, para 326 mil milhões de euros, o equivalente a cerca de 1,9% do PIB comunitário.

Portugal investiu cerca de 1,55% do PIB em defesa no ano passado e já disse que este ano chegará aos 2%.

Acordo comercial entre UE e EUA é consequência lógica do acordo na NATO

O presidente do Conselho Europeu, António Costa, considera que o acordo na NATO deve ter um efeito positivo nas negociações comerciais entre a UE e os Estados Unidos e espera que estas se concluam “rapidamente e bem”.

Em entrevista à Lusa, o político português defende que “a incerteza é o pior possível para a economia”, razão pela qual é fundamental que “rapidamente haja certezas” quanto ao futuro da relação comercial entre os dois grandes parceiros económicos.

As tensões comerciais entre Bruxelas e Washington devem-se aos anúncios de Donald Trump de imposição de taxas de 25% para o aço, o alumínio e os automóveis europeus e de 20% em tarifas recíprocas ao bloco comunitário, estas últimas, entretanto, suspensas por 90 dias. Este prazo termina a 9 de julho, sendo que o comissário para o comércio, o eslovaco Maroš Šefčovič, viajou esta semana para os Estados Unidos para conversações.

Para António Costa, “é evidente que o acordo que os europeus fizeram com os americanos no âmbito da NATO, resolvendo mesmo o principal problema que havia nas relações entre uns e outros (…) só pode ter uma influência positiva nas negociações comerciais”.

E destaca: “Eu diria mesmo que a consequência lógica do acordo que foi feito na NATO é ter um efeito positivo na negociação comercial.”

Na quinta-feira, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, avisou os Estados Unidos de que a UE se está a preparar para a possibilidade de não haver um "entendimento satisfatório", prometendo defender os interesses europeus.

Horas depois, Donald Trump afirmou que a União Europeia “é muito desagradável” por aplicar “impostos muito injustos” às empresas do país, mas acrescentou que “em breve aprenderão a não ser tão desagradáveis”.

António Costa recusa-se a comentar as declarações do presidente norte-americano, preferindo focar-se naquilo que considera essencial: o volume das relações comerciais entre os Estados Unidos e a Europa, que representam 30% do comércio internacional e que são 40% do PIB mundial.

“Portanto, tudo o que afete estas relações comerciais tem um efeito muito negativo na economia americana, muito negativo na economia europeia e muito negativo na economia global”, disse.

Segundo Costa, a União Europeia defende e propôs aos Estados Unidos tarifas zero, considerando que estas significam impostos pagos pelos consumidores e, portanto, com impacto no aumento da inflação. Esta não é, porém, a posição da administração americana, que vê as tarifas como um bom instrumento de política económica.

“Toda a gente acha o contrário, mas esta é a visão da administração americana e temos que nos empenhar em procurar controlar os impactos que existem na economia global, na economia europeia e também na economia americana. Estamos a negociar para minimizar aquilo que são os efeitos desta visão”, diz o presidente do Conselho Europeu.

O político europeu admite que, no limite, as negociações ainda poderiam ser adiadas, mas pensa que isso seria “prolongar a incerteza. Tudo o que seja resolver o mais rapidamente possível resolve a incerteza, mas seria desejável que aquilo que chegássemos fosse algo positivo para ambas as partes, pelo menos o menos negativo possível para ambas as partes”.

Quanto à NATO, António Costa não quis comentar as polémicas afirmações do secretário-geral Mark Rute, que chamou “daddy” (paizinho) ao presidente Donald Trump e prometeu que “os europeus iam pagar à grande”, mas observa que a cimeira da semana passada resolveu as dúvidas que havia sobre a sua existência.

“Depois de vários meses em que havia dúvidas se a aliança transatlântica subsistia ou não subsistia, todos os parceiros expressaram a vontade de continuar juntos, reforçar o nosso relacionamento e acordaram novos objetivos para reforçar a Aliança Atlântica que, até prova em contrário, é a mais eficaz força de defesa coletiva que temos à escala global”, diz.

Quanto aos Estados Unidos, garante: “Foram muito claros, se quiser, renovaram os seus votos precisamente nesta reunião da Aliança Atlântica.”

António Costa, presidente do Conselho Europeu
“Putin deu um grande contributo para tornar a NATO grande outra vez”, garante Durão Barroso

Há países que abusam dos ciclos políticos e têm eleições em menos de quatro anos

António Costa considera que as atuais mudanças na Europa correspondem a ciclos políticos, “mais à esquerda ou mais à direita”, mas há países que “abusam” fazendo eleições em menos de um ciclo eleitoral.

“Em regra, de quatro em quatro anos há eleições em todos os países, depois há países que abusam dos ciclos políticos e têm eleições em menos de quatro em quatro anos”, diz António Costa à Lusa.

O político português respondia a uma pergunta sobre a viragem à direita na política europeia e a perda de terreno da social-democracia, de que Portugal foi um dos últimos exemplos.

Para António Costa, a história tem mostrado que os ciclos políticos se sucedem, “uma vez os eleitores votam mais à esquerda, outra vez votam mais à direita”, pelo que há que aguardar pelos próximos ciclos eleitorais.

“Os ciclos são assim, às vezes há umas forças dominantes, depois há outras forças, chama-se a isto alternância democrática”, destaca.

No atual cargo há seis meses, o político assume que o seu papel fundamental é “focar o debate político” dos 27 chefes de Estado e de governo que compõem o Conselho Europeu, conduzindo os trabalhos para que tendam “todos a ter uma posição comum sobre os diversos temas”.

Para tanto fez uma inovação ao limitar as reuniões apenas a um dia e libertar tempo para o que diz ser importante: ter uma discussão política “mais rica e com profundidade (…), fundamental para podermos chegar a acordo”.

“Estamos a falar de uma União de 27 Estados que olham para o mundo com posições geográficas muito distintas, culturas muito distintas, que são das famílias políticas mais diversas, portanto, o que é verdadeiramente extraordinário é que, apesar de toda esta dificuldade, temos não só vontade de estar juntos, como de decidir em conjunto e em 99,9% das vezes chegamos a acordo”, sublinha o presidente do Conselho Europeu.

Assumindo declaradamente que hoje tem uma visão diferente da Europa de quando era primeiro-ministro – “antes via-a a partir de Portugal e dos seus interesses” e agora tem “a perspetiva do interesse geral” – António Costa diz que, apesar de todos os contratempos e imprevistos, a Europa tem cumprido o seu papel.

A título de exemplo, cita a pandemia, o surto inflacionista e, agora, uma potencial guerra comercial com o principal parceiro comercial: isto “também é uma novidade e a Europa está a procurar gerir essa situação”.

“Não é a Europa que gera a incerteza. A Europa é mesmo um fator de certeza, estabilidade e previsibilidade neste mundo de incertezas”, destaca, para sublinhar que no atual mundo multipolar, o papel da Europa é “defender um sistema internacional baseado em regras, defender o multilateralismo e (…) empenhar-se em desenvolver uma rede de relações multipolares no mundo.

É neste contexto que cita as várias cimeiras realizadas nos últimos tempos, com Reino Unido, Canadá, África do Sul, países da Ásia Central, dos Balcãs Ocidentais, às que se vão seguir, no segundo semestre, com o Japão, China, Brasil, países da América Latina e das Caraíbas e com a União Africana.

Para o presidente do Conselho Europeu, a intensidade das relações internacionais tem sido “verdadeiramente impressionante”, o que faz com que o mundo veja a Europa “como um parceiro que é leal, que é previsível e que é de confiança”.

António Costa continua a defender a ideia de que a União Europeia é um “edifício multifunções”, em que cada país se enquadra naquilo que considera melhor, porque esse dinamismo é “a forma como a Europa tem sido construída”.

“Se no futuro quisermos avançar mais para novos domínios, é natural que essa multifuncionalidade se vá desenvolvendo no espaço da União, é uma questão que entrará necessariamente nos debates nos próximos tempos, visto que, em paralelo com as reformas que os países candidatos têm de fazer para concretizar o alargamento, é necessário também fazer a reforma interna das instituições europeias para o poder acomodar”, conclui.

No dia 1 de dezembro de 2024, António Costa começou o seu mandato de dois anos e meio à frente do Conselho Europeu, sendo o primeiro socialista e português neste cargo

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