A poucos dias das eleições federais antecipadas na Alemanha, 20% dos eleitores ainda não decidiram em quem irão votar, um valor que inclui 7% que admite que só tomará uma decisão no domingo, segundo uma sondagem da YouGov conhecida na quarta-feira. Números que são “muito difíceis de explicar”, na opinião do especialista em assuntos europeus Alberto Cunha, mas que podem ter como explicação o facto de “estas eleições terem sido muito interessantes e esse interesse pode explicar esta volatilidade”. Indecisos à parte, todas as sondagens apontam para uma vitória da conservadora CDU de Friedrich Merz, com o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) a ser o segundo mais votado, à frente do SPD, de centro-esquerda, do chanceler Olaf Scholz.Entre os momentos-chave da campanha estão os três ataques com vítimas mortais levados a cabo em menos de três meses por imigrantes ou requerentes de asilo - o mais recente foi alegadamente cometido por um afegão de 24 anos no passado dia 13 em Munique, tendo 37 pessoas ficado feridas, duas das quais morreram entretanto na sequência dos ferimentos. O que levou a um aumento do tom da retórica em relação ao controlo da imigração, nomeadamente por parte da Alternativa para a Alemanha (AfD), dos conservadores da CDU e dos liberais do FDP. “Estes ataques reforçaram a popularidade desta agenda, mesmo o SPD e os Verdes foram obrigados a dizer que não podia haver tolerância, que alguma coisa tinha de ser feita”, explica Alberto Cunha.A discussão sobre a imigração passou para o Parlamento, com a CDU de Merz a apresentar no final de janeiro duas moções não-vinculativas, e a ver uma delas a ser aprovada graças aos votos da AfD. “Foi um debate muito emocional, não só sobre a imigração e o asilo, mas também sobre o que fazer com a AfD”, prossegue este especialista do King’s College, de Londres, lembrando que esta foi a primeira vez na Alemanha unificada que uma medida foi aprovada no Parlamento com o apoio da extrema-direita. O que valeu a Merz o protesto de todos os quadrantes políticos, incluindo dentro da CDU, e dos alemães nas ruas, por esta quebra do cordão sanitário à extrema-direita.“O terceiro grande momento da campanha foi o discurso do vice-presidente dos Estados Unidos na Conferência de Segurança de Munique. Um discurso, podemos até dizer, muito agressivo contra a liberdade de expressão na Europa”, nota Alberto Cunha, sublinhando que “ele falou da Europa em geral, mas falou da Alemanha em particular, tendo sido acusado de interferência nas eleições, com todos os candidatos a condenarem as declarações de JD Vance, inclusive Friedrich Merz, da direita”. “Não vou permitir que um vice-presidente americano me diga com quem tenho de falar aqui na Alemanha”, sublinhou Merz num debate, referindo-se à sugestão feita pelo norte-americano de que se devem deixar cair os cordões sanitários, enquanto Scholz classificou como “inaceitável” o comportamento de Vance. A juntar a isto, na sua passagem por Munique, o número dois de Donald Trump não se reuniu com o chanceler Scholz, mas encontrou-se com a Alice Weidel, a candidata da AfD, partido que tem recebido o apoio de Elon Musk. Pelo meio realizaram-se também debates em vários formatos, mas, na opinião do especialista em assuntos europeus ouvido pelo DN, “não foram muito decisivos”.A incógnita dos pequenosA sondagem mais recente referente a estas eleições, realizada pela GSM, mostra os quatro partidos com maiores intenções de voto sem grandes variações em comparação com resultados anteriores: CDU com 31%, seguida de AfD (21%), SPD (15%) e Verdes (13%). Na margem de incerteza de conseguir o mínimo de 5% dos votos para entrar no Parlamento, e com uma maior flutuação nas sondagens que foram conhecidas ao longo da campanha, estão o partido de esquerda radical Die Linke (6%), os liberais do FDP, que até novembro faziam parte da coligação governamental, com 4%, o mesmo obtido pela recém-criada força conservadora de esquerda Aliança Sahra Wagenknecht. No último fim de semana, num debate a quatro entre Merz, Scholz, Weidel e Robert Habeck, atual vice-chanceler, ministro da Economia e candidato dos Verdes, o líder da CDU deixou claro que a sua ideia de coligação passa por um acordo com o SPD ou Verdes.“Uma vitória para o Merz no domingo é ter 30% dos votos, penso que é uma marca psicológica importante, e é o que as sondagens têm apontado, mas também, e isto é fundamental para uma coligação, que os pequenos partidos não se dêem bem em termos eleitorais”, declara Alberto Cunha. “Já será difícil para Merz formar a sua coligação favorita, que é uma grande coligação com o SPD, mas com o facto de o Die Linke quase de certeza entrar no Parlamento, e se os liberais, por exemplo, também entrarem, essa grande coligação vai ser quase impossível”.E é precisamente nos pequenos partidos que poderá estar a grande incógnita dos resultados das eleições de domingo. “Raramente as últimas duas ou três semanas antes das eleições tiveram tantas oscilações entre os partidos médios e pequenos. A CDU tem sido o partido mais estável, mas o Die Linke teve uma subida grande, a AfD tem andado aos trambolhões para cima e para baixo, o SPD tem estado um pouco a descer, os Verdes parecem estar um pouco a subir, tem estado tudo muito volátil. Portanto, a única teoria que eu posso oferecer é que não é normal acontecerem tantas coisas na campanha eleitoral”, sublinha este especialista do King’s College, recordando os ataques mortais, o discurso de JD Vance e o debate no Parlamento sobre imigração e o papel da extrema-direita nele. “Todas estas coisas não são normais. Para usar uma expressão pouco cientifica, esta é uma das campanhas menos entediantes das eleições alemãs. Quando a senhora Merkel era candidata eram extremamente entediantes do ponto de vista político”, refere o mesmo académico.Depois de conhecidos os resultados o passo seguinte será o partido com mais votos - que como tudo indica será a CDU - começar a negociar uma coligação com vista a formar governo. Processo cuja duração, segundo Alberto Cunha, depende da votação que os conservadores e os sociais-democratas obtiverem. “Se o SPD e a CDU tiverem mais de 50% dos votos menos de um mês após as eleições haverá governo. Se tiverem menos de 50% dos votos, ou seja, se for precisa uma coligação com três partidos, vai demorar bastante mais tempo. Quanto mais? É muito difícil de prever”, vaticina.Mais fácil de prever para este analista é o que acontecerá à AfD depois das eleições, mesmo confirmando o posto de segundo partido mais votado. “Antes de mais, uma vitória para a AfD será ter mais de 20% e ficar à frente do SPD”, começa por dizer Alberto Cunha. “Agora, em termos de perspetivas futuras nada vai acontecer porque não há qualquer possibilidade de colaboração com a extrema-direita. Toda a gente, mesmo a ala mais à direita ou mais conservadora da CDU, diz que não vai trabalhar com a AfD, é verdadeiramente unânime”. .Die Linke sobe nas sondagens alemãs à boleia dos eleitores mais jovens