A Arábia Saudita bombardeou esta terça-feira (30 de dezembro) o porto de Mukalla, no Iémen, depois da chegada de um suposto carregamento de armas dos Emirados Árabes Unidos (EAU) que tinha como destinatário as forças separatistas apoiadas por Abu Dhabi. Riade respaldou também um ultimato do conselho presidencial iemenita, que apoia e é reconhecido internacionalmente, para que as forças emirandenses deixassem o país. Os EAU confirmaram já que vão retirar as últimas unidades de contraterrorismo que estavam no terreno, mas este caso torna evidente a tensão que existe há muito tempo entre os dois vizinhos da Península Arábica. Que se resume a uma rivalidade entre o mentor MBZ e o antigo discípulo MBS. MBZ é Mohammed bin Zayed Al Nahyan, o presidente dos Emirados Árabes Unidos. MBS é Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro saudita. O primeiro tem hoje 64 anos e, antes da entrada em cena do segundo, 24 anos mais novo, em 2015, era visto como o grande modernizador da região do Golfo, forjando laços entre o seu pequeno reino e as grandes potências como EUA, China ou Rússia, pondo o seu país no mapa turístico mundial e procurando um papel de liderança regional. Mas o discípulo, de um país quase 30 vezes maior e com mais ambição, acabou por superar o mentor. A rivalidade entre os dois aliados de Washington parece ter atingido agora um novo patamar, com o Iémen como pano de fundo. Mas nem sempre foi assim. Os dois países lançaram em conjunto a guerra em 2015 contra os rebeldes Houthis, que tinham o apoio do Irão. E juntos declararam um boicote ao Qatar, também por causa da sua alegada ligação a Teerão. Mas, aos poucos, os dois foram-se afastando. Desde logo na política petrolífera, com interesses distintos - Riade defende menos produção para aumentar os preços e poder responder às exigências da sua população de 35 milhões, enquanto Abu Dhabi quer vender mais e mais depressa, para ter acesso mais rapidamente aos dividendos e apoiar os projetos no seu reino de 11 milhões de pessoas. Os dois países chocam várias vezes na OPEPMas o problema também foi pessoal. MBS sentiu-se sozinho quando, após ter sido tornado pária pela morte do jornalista Jamal Khashoggi em 2018, MBZ não fez lóbi por ele junto dos norte-americanos e dos europeus. E viu como “traição” a decisão dos EAU de retirarem as tropas do Iémen em 2019, sem coordenarem essa ação com os sauditas, que procuravam um acordo de paz (mostrando-se até abertos a aceitar os Houthis no poder, se isso significasse acabar a guerra). Abu Dhabi acabou contudo por apoiar o movimento separatista conhecido como Conselho de Transição do Sul, que defende a independência de parte do Iémen. Este movimento tem vindo a conquistar território nos últimos meses, com os sauditas a dizer que os Emirados tinham pressionado os separatistas a realizar operações militares próximo da fronteira do reino e que a segurança nacional é uma linha vermelha - temendo que o conflito se alastre pela região. Os sauditas destruíram por isso o alegado carregamento de armas (os Emirados negaram que fosse essa a carga), com o conselho presidencial a lançar o ultimato de 24 horas para os militares dos EAU deixarem o país. Apesar de inicialmente ter dito que ia lidar com a situação “de forma responsável para evitar uma escalada”, Abu Dhabi acabou por anunciar a retirada das suas tropas, alegando que são apenas unidades de contraterrorismo, já que a retirada tinha ocorrido em 2019. A tensão entre os dois países do Golfo não se fica apenas pelo Iémen. Também no Sudão, ambos se viram em lados opostos da barricada quando a guerra rebentou em 2023, com os paramilitares das Forças de Apoio Rápido a terem o apoio dos EAU (que negam), enquanto as Forças Armadas Sudanesas contam com o apoio da Arábia Saudita. E depois há o facto de os Emirados já terem assinado os Acordos de Abraão, de normalização de relações com Israel, enquanto os sauditas tiveram que suspender o diálogo por causa da guerra na Faixa de Gaza..Tensão no Iémen expõe rutura entre Arábia Saudita e Emirados e reacende risco de conflito regional