A presidente das Ilhas Marshall aproveitou a sua intervenção na Assembleia-Geral das Nações Unidas para exigir a apresentação de desculpas formais pelas dezenas de ensaios nucleares realizados pelos Estados Unidos no seu território nas décadas de 40 e 50 do século passado. “Não escolhemos este destino nuclear. Alguém o escolheu por nós”, afirmou Hilda Heine a 25 de setembro. “Apesar desta situação, ao fim de mais de 80 anos, ninguém responsável nos apresentou desculpas”. Um relatório de peritos das ONU, conhecido no final de setembro, sugere precisamente que Washington deve considerar apresentar um pedido de desculpas formal e uma total reparação aos cidadãos destas ilhas cujos direitos humanos foram violados pela herança dos testes nucleares..Pequena nação no Pacífico com cerca de 55 mil habitantes, as Ilhas Marshall foram palco de 67 ensaios nucleares levados a cabo pelos Estados Unidos - que na altura administravam o território no quadro de um mandato da ONU - entre 1946 e 1958 e cujos impactos ambientais e sanitários ainda se fazem sentir. Segundo Heine, os ensaios nucleares “deixaram uma herança de morte, de doença e contaminação”, com impactos que “se transmitem de geração em geração”..Um estudo feito pelo Instituto Nacional do Cancro dos Estados Unidos, por exemplo, aponta que cerca de 1,6% dos casos de cancro detetados em residentes das Ilhas Marshall vivos entre 1948 e 1970 “podem ser atribuídos a exposição à radiação resultante de precipitação radioativa de testes nucleares”..Durante este período, referiu a chefe de Estado na sua passagem pela ONU, “o povo das Ilhas Marshall foi enganado, deslocado à força e submetido a uma vigilância e a uma experiência científica sem o seu acordo”, referindo ainda a existência de radiações equivalentes a “1,6 vezes Hiroshima, cada dia durante 12 anos”..“Não podemos desfazer o passado. Mas, como Nações Unidas, devemos a nós próprios fazer as pazes através da adoção de uma resolução que pede desculpas formalmente pelo não cumprimento da petição do povo marshalês. Ao fazê-lo, todos nós iniciaremos o processo de cura e restabeleceremos a fé e a confiança nesta instituição”, apelou Heine, lembrando que “estes testes foram realizados pelos Estados Unidos, na qualidade de Autoridade Administrativa das Nações Unidas”, “a única vez em que algum órgão da ONU autorizou explicitamente a detonação de armas nucleares”..Hilda Heine anunciou também que está a trabalhar com outros territórios e populações afetados por ensaios nucleares, nomeadamente na Polinésia Francesa, na Argélia, Quiribati, Cazaquistão, Coreia do Norte e na Austrália. “Todos deveriam compreender que os prejuízos provocados pela utilização, a detonação ou os testes de armas nucleares são responsabilidade dos Estados-membros que os fizeram”. .Uma versão preliminar do relatório do gabinete do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, com a data de 24 de setembro, sobre este assunto faz recomendações aos Estados Unidos e à ONU, mas também ao governo das Ilhas Marshall, tendo em conta que “a herança nuclear não é apenas um capítulo na História, mas uma realidade contínua para o povo marshalês”..Neste sentido, é recomendado aos Estados Unidos, entre outras coisas “reconhecer plenamente o seu papel e considerar um pedido formal de desculpas pelos impactos passados, atuais e futuros previsíveis do legado nuclear sobre os Direitos Humanos, de uma forma culturalmente apropriada para os marshaleses” e “considerar a provisão de financiamento adequado e outros recursos para a reparação total dos marshaleses afetados pelos impactos passados, atuais e futuros previsíveis do legado nuclear”..Os autores do relatório recomendam, por seu turno, à ONU que apoie “através das suas agências, fundos e programas, a estratégia de justiça nuclear das Ilhas Marshall” e que continue “através do Conselho de Direitos Humanos, a fornecer assistência técnica e capacitação” ao governo marshalês, a quem é pedido que continue “a procurar a cooperação dos Estados Unidos, da comunidade internacional e de intervenientes não estatais para desenvolver capacidades locais para implementar a sua estratégia de justiça nuclear”..ana.meireles@dn.pt